sábado, 10 de maio de 2008

Um passeio vip exclusivo



Ontem eu percebi que as frutas haviam acabado. Então resolvi sair para ir à frutaria. As crianças estavam em casa. Elas já haviam feito natação e mais duas horas de brincadeiras no parquinho. Chamei os dois para ir comigo. O mais velho, de cinco anos, disse que queria mesmo era ver TV. Ao ouvir isso, a mais nova, de três anos, não conseguiu esconder um sorriso. Os olhos brilhavam quando colocou a sandália cor-de-rosa cheia de furinhos. Era a chance de um passeio exclusivo até o comércio. A Rose, a concierge-cozinheira-lavadeira-passadeira-governanta daqui de casa, ficaria com o primogênito.

Fomos a pé. Ela segurou a minha mão com orgulho de estar ao meu lado. Eu também me sinto orgulhoso da minha filha. Mas basta sair de casa e a minha paranóia começa. Na rua, sou meio exagerado em cuidados, que nem o pai do Nemo, aquele peixe-palhaço. Já percebi que falo muito “não faça isso”, “não pisa aí”, “não isso”, “não aquilo”.

Os passos da menina são pequenos e ela olha muito para o chão. Quando não olha, tropeça. Eu fico preocupado. Eu sou míope. Uso óculos desde os cinco anos. Será que ela é míope? Talvez seja esse croc. Aí chegamos na calçada e ela solta a mão. Começa a correr. Não tem nada de errado com seus passos. Ainda bem que não falei nada. Esse é um passeio vip exclusivo, eu digo, para mim mesmo.

E aí ela começa a olhar para o chão novamente. Mas está tudo bem. Está inventando histórias, falando sozinha. Está no mundo da lua, ao meu lado. Tem hora que o universo fora da sua cabeça é só um lugar cheio de acessórios para ajudar a fantasia. Ela brinca o tempo todo. E canta, desenvolta. Já passa um pouco das seis e encontramos uma porção de cachorros e donas de cachorro no caminho. Gozado. Não vejo donos de cachorros. Os homens que passam pela calçada fazem jogging. Parecem procurar um fôlego, uma centelha de poder mais. Alguns parecem encontrar. Outros parecem ficar à beira da morte súbita.

Minha filha quer colocar todos os cachorrinhos no seu conto-de-fadas. Faz carinho, passa a mão. Eu penso em anti-germes, pulgas, mata-piolhos. Percebo que estou impaciente. Mas é um passeio vip exclusivo com a minha princesa. Não posso deixar ela na mão. Contenho a minha vontade de contenção. Os cachorrinhos parecem perceber isso, porque os animais começaram a ficar abusados. Um mais afoito acerta uma grande lambida no rosto da minha princesa. Ela dá risada. Depois recua e pede para que eu limpe. É lógico que eu não tenho um lenço no bolso. Eu me agacho e ela esfrega o rosto na minha camiseta mesmo.

_Olha, pai, um Flóide! Olha, pai, olha – ela grita, tomando nome por raça. É um schnáuzer igual ao que um casal de amigos possui. “Com apenas três anos e já fazendo anáforas e sinédoques” – eu penso, para contar vantagem. Ela nasceu no mesmo dia, apenas dez minutos depois que um primo. Eu e meu irmão disputamos para ver quem conta mais vantagem sobre os filhotes, que fazem aniversários juntos. Direi que a minha filha é muito boa com figuras de linguagem. Tem amplo domínio de sinédoques e anáforas. Quero ver o filho dele ganhar dessa.

No caminho, passamos pela quadra de esportes, repleta de babás e outras crianças. Minha filha quer iniciar um circuito de ginástica em todos os equipamentos. Eu acompanho. A minha chegada parece ter lembrado a todas as babás que já não é hora de ficar ali embaixo, na fofoca e paquera, com as crianças no sereno. Todas fogem em disparada. São 18 horas e vinte minutos. Minha filha termina o circuito, rápida. Fez duas abdominais sem a minha ajuda. Mais uma para contar vantagem. “Minha filha é recordista de abdominais, na faixa etária dela, lá no parquinho!”.

Depois fomos à frutaria, que é de um japonês. Aqui nessa cidade tem muita frutaria de japonês. São ótimas. E ela escolhe bananas-maçãs e mexiricas. E depois, na volta, ela quis sentar no banco de pedra, perto de onde ficam os equipamentos de ginástica. E quis comer uma mexirica. Já era noite. Mas eu não disse “não. E enquanto a gente comia a mexirica, ela cantou a música do Alecrim Dourado só para mim. “Essa é imbatível”, eu direi para o meu irmão. E é mesmo.


Preciso fazer mais desses passeios sem dizer “não”. Vips exclusivos.


Alecrim, Alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado
Alecrim, Alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado

Foi meu amor
Que me disse assim
Que a flor do campo é o alecrim
Foi meu amor
Que me disse assim
Que a flor do campo é o alecrim

Alecrim, Alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado
Alecrim, Alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado

8 comentários:

Mwho disse...

Numa sociedade de pais presentes (em seus trabalhos e outras atividades), momentos como esses são guardados pelas crianças pelo resto da vida... Legal!

Careca disse...

Mwho, ela eu não sei, mas eu quero lembrar. E também falar menos "não".

Tatiara Costa ; ) disse...

Gostei ;) momentos inesqueciveis...tenho muitas recordações de criança...passeios...
Abraço.

Careca disse...

Tatiara, abração.

macost disse...

Careca querido
faz tempo que num venho aqui! Mas esse singelo bilhetin é pra te desejar UM FELIZ DIA DAS MÃES! ;)
Cuide bem dos pequenos principes.
bjs
Maria

Careca disse...

Maria, senti a sua falta. Volte mais. Feliz dia das mães procê também.

Maína Junqueira disse...

Careca, esses passeios 'vips' são tudo para uma menina. Privilegiada a sua princesa.

Bom dia das mães para a patroa e para vocês.

Careca disse...

M.J., obrigado e tudo de bom pra você também.

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