quinta-feira, 29 de maio de 2008

A orelha cortada de Van Gogh



Ninguém sabe direito como os mitos começam. Até porque é difícil alguém estar ali, ao lado do mito, sabendo que aquilo é um mito nascente. Existem bons chutes sobre a origem dos mitos. E como eu também gosto de dar chutes, acho que os mitos começam com um equívoco qualquer. Uma presunção errada sobre alguma coisa desconhecida, com uma atribuição de qualidades exageradas a essa coisa. É uma invenção sobre a realidade.

Veja John Lennon, por exemplo. Lá em Liverpool. Metido a tocar guitarra, a líder de banda. Lucy, a menina mais bonita da escola não ligava a mínima para ele. O diretor da escola, Mr. Mustard, achava o Lennon insuportável. Os professores do Lennon riam dele. E o Lennon ali, numa boa, só pensando em submarino amarelo, “me aguardem”.

Quando ficou famoso, a campainha do Lennon não parava de tocar. Cheio de gente pedindo autógrafo.

_Aê, Lennon, me dá um autógrafo? – eles diziam. E isso deixava o Lennon muito puto da vida porque ele detestava dar autógrafo. Dava piti. Queria dar porrada em fotógrafo e o escambau. Tem artista que é assim, fazer o quê?

A campainha tocava e lá fora estava cheio de gente querendo música. As meninas todas querendo uma canção. E o Lennon todo zen, “I am the walrus”. Aí o Lennon foi morar nos States para ficar bem longe daquela gente atrasada. Nem adiantou a Rainha pedir para ele ficar.

Mas nos States a perseguição dos fãs continuou. O Lennon agora era de paz, não queria saber de ninguém chateando, pedindo autógrafo toda hora. Já tinha cansado de brigar com gente que queria rasgar sua roupa. Ele saía na rua e ia tirando o casaco, uma bota, a camisa, uma meia, até chegar no carro. Se o percurso fosse grande, ele chegava só de cueca no automóvel. Às vezes, menos. O motorista e a Yoko não ligavam. E foi numa dessas, depois que os Beatles acabaram, que a Yoko teve a idéia de tirar a roupa para uma capa de disco.

Os Beatles acabaram mas a aporrinhação dos pedintes de autógrafos continuava. O Lennon foi morar num hotel, onde os porteiros tinham instruções para não deixar ninguém chatear os artistas. E ali tinha artista pra dedéu, a maioria participava da filmagem de O Bebê de Rosemary. Aquela mulher do Sinatra que estrelava o filme, a Mia Farrow, tinha viajado com os Beatles para a Índia. Ela vivia torrando a paciência do Sinatra, do Lennon, da Yoko e do Roman Polansky pra eles adotarem crianças vietnamitas. Depois, isso deu no que deu.

Mark David Chapman era o mala que vivia correndo atrás de autógrafos da Mia Farrow. Os porteiros já tinham manjado o caboclo, mas tirante o revólver na cintura, ele parecia ser só um insistente inofensivo. Porteiros sabem tudo de segurança. Até que um dia, depois de uma semana atrás do autógrafo da Mia Farrow, sempre levando esnobada, o Chapman vê o Lennon de costas, na saída do hotel.

_Aê, Mia, me dá um autógrafo? – disse o Chapman. O Lennon fingiu que não ouviu e deixou o casaco cair no chão. E já ia tirar uma bota quando se virou para o Mark Chapman.
_Lennon? Me dá um autógrafo? - disse o Chapman. E deu no que deu. Foi por isso que o Chapman alegou legítima defesa no seu primeiro depoimento, destruído pela CIA e pelo FBI junto com umas fotos comprometedoras do Lennon, da Yoko e um polvo.

Quer ver outro mito que ninguém ligava a mínima? Van Gogh. Pintava que nem um doido, tinha irmão marchand e tudo, mas nada. Não vendia nem na feirinha hippie de Paris. O único que viu ali a chama do gênio foi outro gênio, o Gauguin. Mas ninguém ligava a mínima para o Gauguin também. Então ficaram os dois gênios da pintura, lado a lado, disputando para ver quem pintava mais e de um jeito mais original que o outro. No final, o Van Gogh cortou a própria orelha e deu de presente para o Gauguin. Não sei o significado disso.

Um amigo meu me disse que era um tributo do Van Gogh ao Gauguin. Mas isso só teria sentido se os dois fossem músicos, eu acho. Outro amigo meu me disse que na verdade o Van Gogh queria mesmo era ter cortado o nariz, porque o Gauguin não tomava banho. Só que achou que não ficaria bem ser doido, pintor, pobre e sem nariz.

Não dá para ter certeza. Nas histórias e biografias, essas partes fundamentais nunca são bem esclarecidas. E a cabeça da gente acaba misturando as coisas.

E qual é o significado disso? Não tenho a menor idéia. Mito, quanto mais obscuro, mais cheio de verdades.

10 comentários:

Anônimo disse...

Careca

Ouvi outro dia de um médico que o Van cortou a orelhe pq sofria de zumbido... como a mulher dele é uma das maiores especialistas desta doença no Brasil eu acreditei além de achar uma boa versão. Não é criativa ou engraçada como a sua mas quem sabe é a verdade.

Abraço do Alopético.

Anônimo disse...

tem um mito também de um tal blogueiro careca que não gosta de falar o nome dele e nem quem é.

Careca disse...

Alopético, o diagnóstico da médica mulher do seu amigo médico é a prova viva de que a realidade supera a ficção em criatividade e graça. Um abraço,

Careca disse...

Franka, esse mito é legal. É que nem a máscara do Zorro. Dá para ver o bigodinho. Na Internet, se procurar bem, você descobre fácil.

Anônimo disse...

Careca, adoro seu blog. Eu o descobri no da Franka. E o da Franka descobri lendo a Revista da Folha. Eu divido os mitos em duas classes: os mitos em construção e os mitos perfeitamente formados. Os primeiros são esses ainda vivos, que a multidão segue: Madonnas, Michael Jacksons etc (exclua BBBs, por favor). Os segundos são aqueles que se foram, de preferência tragicamente, porque aí superam mesmo a dimensão humana e são reconstruídos a ponto de muitas vezes não reconhecermos mais suas personalidades: Elvis, Lennon, Senna (meu mito-herói-ídolo, confesso, gostava - e gosto - do "homi" até mesmo quando ele fazia bobagem, tipo, encher o Irvine de porrada... rsrsrs) Bem, eu sempre fui fã do Senna, muito antes do povo ter reduzido o menino a um garoto que ama o Brasil e as crianças carentes. Aliás, esse reducionismo em relação ao meu ídolo, em particular, me deixa absolutamente revoltada. Desculpe o tamanho do comentário, mas gostei do tema! Abração. Janaína.

Careca disse...

Janaína, como sou fã de listas, é lógico que também me amarro em classificação. Gostei da sua. E também sou fã do Senna.Um abraço,

Unknown disse...

Não quero comentar sobre mitos, só quero fazer uma perguntinha, já que vc gosta da Jessie Baylin. Vc não gosta da Patsy Cline? Eu amo....não acho que elas sejam parecidas, mas a Jessie me faz lembrar da Patsy.
Se nunca ouviu, ouça e diga se gosta.
DollKa

Unknown disse...

Ahhh...a que eu gosto mais da Patsy Cline, é Crazy....

Careca disse...

Dollka, não conheço, vou procurar ouvir a Patsy Cline e depois digo aqui. Abração,

Unknown disse...

Ah...desculpa...eu aqui mais uma vez...rsrsr A Patsy já morreu faz muito tempo...uma pena, mas deixou coisas lindas
BjkAs

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