sexta-feira, 9 de maio de 2008

A fantástica máquina de bobagens do Careca



Um dia, algumas pessoas vão me perguntar como é que eu conseguia escrever essas bobagens. Eu inventarei uma mentira. Direi que é difícil. E ao mesmo tempo vou pensar assim: “É nada, escrever bobagem é mais fácil que soltar pipa”. Direi que é preciso um esforço hercúleo para juntar uma porção de polissílabos e depois torcer para aquela massa de palavras fazer algum sentido e, com um pouco de sorte, ser engraçado. “Mentira da grossa, hein, xará!” - pensarei. Direi que eu passava horas em profunda meditação para descobrir uma bobagem nova para escrever. “Não abusa que um raio cai na sua cabeça, hein, malandro!”. Será uma maneira tosca de valorizar essas mal traçadas.
Só vocês, da minha Kombi de leitores, saberão a verdade. Como eu me comprometi a só dizer la verité, nada mais que la verité nesse blog, tenho de confessar que tenho uma fantástica máquina de ditar bobagens. Quer dizer, às vezes ela é mais uma máquina de criticar bobagens do que de ditar bobagens.
Comprei essa máquina numa feirinha hippie aqui perto de casa. A moça que me vendeu falou que ela estava com defeito, que aquilo era do marido dela, que nem poderia vender. Era uma moça pequena, cheia de tatuagens e piercings. Tinha mais argolas de metal numa só narina do que o símbolo das olimpíadas. E mais buracos na orelha do que um dedal. Era tanto anzol que ela poderia abastecer um pesque-pague só com o que tinha no rosto. Aliás, se ela enfiasse o rosto num aquário pegava pelo menos uns cinco peixes no arrastão.
_Tantos piercings no nariz eu nunca tinha visto – eu falei, só para ser simpático.
_São catorze – ela comentou, orgulhosa.
_Caramba, deve ser um horror quando você espirra, não é não?
_Na verdade, nem era para essa máquina estar aqui, misturada com as outras engenhocas – ela disse, mudando de assunto. Ela perguntou se eu não queria levar um anel de caveira no lugar daquela maquininha. Ou um duende, ou um sapo, feito de durepóxi. Uma marica, em formato de dragão? As pedras dos olhos do dragão eram vermelhas e brilhavam um bocado.
_Quanto é? – eu perguntei, pronto para barganhar o preço. Em feira hippie eu sempre ofereço metade do preço estipulado e acabo pagando três quartos do valor inicial. Ou uma vez e meia. Na maior parte das vezes é uma vez e meia. Tá bom. Sou um péssimo negociante. Geralmente pago o dobro do que a coisa custa. Mas só percebo isso depois de pagar.
_O dragão? O sapo? Ele é muito doido, esse sapo, ó – insistiu a moça. Acho que ela realmente acreditava que aquilo era artesanato.
_Não, essa engenhoca de puxar corda – eu disse, tentando fazer a coisa funcionar. Eu puxei a corda até o negócio estalar.
_Isso aí tá quebrado, moço. E não está à venda – ela disse, meio com raiva. Mas eu não poderia desistir daquele troço. Era um treco besta, desengonçado.Eu quase podia ouvir as primeiras bobagens sendo sussurradas.
_Moça, dou cinco reaus nesse tropeço – falei, sacudindo aquele troço como se fosse um barman.
_Ô Careca, isso vale, no mí-ni-mo, 50 reais – ela resmungou.
“Olha só! Basta não ter cabelo que até a Moby Dick anoréxica da feira hippie quer tirar vantagem” – eu pensei. Mas decidi me manter fiel ao plano de barganha.
_Pago quinze reaus nesse barato e quero o anel de caveira de brinde - eu disse, puxando a corda mais um pouco. “Rapaz, essa mulher tem mais buraco de agulha do que bola de beisebol”.
_Se tu quebrar a cordinha vai pagar 50 reais – ela rosnou.
Foi só falar. Tléc. Morri em 50 reais e ainda paguei mais cinco pelo anel de caveira. Caramba! Todo mundo quer ficar milionário às minhas custas.
O marido da moça, um hippie do tamanho de um paquiderme dos grandes, chegou quando eu estava numa outra banquinha, falando com uma hippie menos fisgada, uns dez metros de distância. Sou ruim à beça para fazer leitura labial, mas percebi quando a hippie porta-anzol apontou o indicador cheio de anéis de caveira na minha direção. Eu só tinha três opções: 1- usar o meu extraordinário poder de persuasão; 2 – ficar parado e macio feito um bife; 3- correr feito louco. Decidi correr feito um louco alucinado. Em tudo na vida a gente tem que dar upgrade. Até na saída pela direita.
Foi assim, então, que eu consegui uma engenhoca de ditar bobagens para mim. Eu só preciso puxar a cordinha, que eu remendei naquele dia mesmo, e ouvir a minha máquina. Eu escrevo um pouco e puxo a cordinha. Quanto mais eu puxo, mais bobagens eu escuto. Aparentemente, esse saco de risadas não tem fundos.

8 comentários:

Anônimo disse...

hahaha, a parte da mulher arrastão é engraçada demais.

Careca disse...

Franka, mulher arrastão é uma boa imagem, posso usar?

Anônimo disse...

careca, você está autorizado a usar todos as bobagens dos meus posts quando quiser contanto que me dê crédito, e o único combinado será que eu também estou autorizada a usar as bobagens do seu posts contanto que eu te dê crédito.
essa autorização vale até a data que eu te desautorizar ou que você me desautorizar.
assinado: lucia a franka.
assinado: (aqui você assina)

Mwho disse...

Careca,
Gostei do "ficar parado e macio como um bife" - acho que me identifiquei...
Abraço,

Careca disse...

assinado: Careca do Caminho do Careca.

Careca disse...

Mwho, você me deu uma excelente idéia! Abraço,

Maína Junqueira disse...

Não tinha lido essa.
Agora mostra a geringonça de ditar bobagens.
Eu tenho uma aqui mas ela anda emperrada e não larga o meu pescoço.

Beijos!

Careca disse...

Salve M.J., a minha também falha, mas eu fico insistindo. Bjs

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