quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Celular fechado

Sinal fechado é do Chico Buarque? Acho que sim, mas não importa. Aquele improvável diálogo de dois amigos no sinal de trânsito, um de BMW e outro de Ferrari, está cada vez mais difícil de acontecer.

É preciso, de qualquer modo, atualizar o cancioneiro popular e a canção do sinal fechado. Teria que ser alguma coisa do tipo "Celular pós-pago". Os dois protagonistas, bem na linha Pacheco(Passat, Chevrolet e Corcel, lembra? se falariam por celular, no sinaleiro, de vidros fechados, de medo de assalto. De olho em todos os lados, para não ganhar multa por falar ao celular. Estariam surpresos de não se verem há tanto tempo e ainda manterem o mesmo número de celular.

(Caramba, vou continuar depois, esse meu teclado chinês está falecendo)

É, minha querida Kombi de leitores, ficou complicado mesmo. Estou tendo que teclar três vezes a mesma coisa, o que é chato e atrapalha a linha de raciocínio.

Mas queria fazer o registro de um telefonema que recebi hoje, voltando do trabalho, do grande amigo Mário Salimon. Tinha um bocado de tempo que não nos falávamos e deve ter mais de ano que não nos vemos. Daí a lembrança de Sinal Fechado. Eu estava no meio de um trânsito cheio de espertinhos vencedores, levando fechada, e não consegui conversar direito com meu amigo. Foi muito bom falar contigo, Mário. Já memorizei o número no meu celular. Mas esse teclado está realment complicado. Ô.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Os desenhos do meu filho

Meu filho vem me mostrar um dos desenhos que fez. Sou um pai velho e tudo o que ele mostra me enche de orgulho. Ele tem seis anos e me admira. Não sei como, consegui me tornar uma referência para ele. Uma espécie de modelo. Sei que ele observa todos os meus gestos. Ele gosta de me imitar. É uma enorme responsabilidade. E a melhor maneira de exercer essa responsa é não ficar ligando muito pra ela, mas ficar sempre ligado. Na verdade, eu tenho mais de quarenta anos e um enorme medo de desapontar o meu filho. Sei que isso vai acontecer, e acontece todos os dias, aos pouquinhos, mas procuro ser cuidadoso. Sei que não posso me derramar em elogios. Isso iria provocar uma canseira no menino. Também sei que não posso ser muito crítico, para não tolher a criatividade. A indiferença é um crime. Muito entusiasmo é pior do que o desdém. É difícil. Decido pelo tom de voz interessado e curioso:

_Uau!Achei massa esse lance aqui e as cores também são muito legais, amarelo e vermelho, puxa!

_Que bom que gostou, Pai!

Acho realmente admirável o uso que ele faz das cores. Gosto de verdade das soluções complexas que ele cria para inventar uma perspectiva. E me emociono com a forma apressada como ele desenha cabeças, braços e pernas. Ele tem uma preocupação com umbigos. Ele não se esquece de desenhar umbigos. E orelhas. Já desenhei um monte de pessoas e cabeças, mas não me preocupo com orelhas. Ele não, ele sempre faz os desenhos com orelhas. E umbigos.

Ele pinga o pontinho do umbigo sobre as camisas e roupas de super-heróis, de vez em quando. Acho que tenho culpa nisso. Lembro de uma vez ter dito que o Super-Homem não tinha umbigo, porque era um extraterrestre. E não havia garantias de que lá no planeta dele as coisas também funcionassem do mesmo jeito, com as cegonhas trazendo os bebês depois que os pais faziam sexo. Com as barrigas crescendo e as abelhas e flores numa orgia interminável de pistilos e pólens. Mas não lembro de falar nada sobre orelhas.

É um desenho que mostra uma luta. Um dos seus heróis prediletos em batalha contra um monstro gigantesco. Ele anotou, sobre o monstro e o herói, a medida de cada um. O herói, uma pequena bolinha cinza, com orelhas, tem apenas 15 centímetros. O monstro tem 300 centímetros. E é realmente grande e tenebroso, em vermelho, amarelo e preto, as horrendas orelhas negras e pontudas.

_As orelhas têm pelos, né? E cadê o umbigo desse? - eu pergunto, apontando para a pequena pelota cinza.

_Não dá pra ver, pai, ele está de costas.

Talvez seja apenas um truque da memória, uma imaginação mais fértil. Mas um dia eu talvez também tenha falado assim com meu pai.Com a tranquila autoridade daquilo que eu ainda não sei. Com a segurança da minha inexperiência. Com a certeza de que existem mesmo respostas para todas as perguntas, especialmente para as que não foram feitas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O projeto Querer Menos

Dentre o monte de projetos que eu acho bacanas, mas que acabo deixando na gaveta, figura a ambiciosa “Operação Querer Menos”. Esse projeto consiste em deixar de querer possuir um monte de coisas que não cabem no meu orçamento. Ele também consiste em deixar de querer possuir um monte de coisas que cabem no meu orçamento, mas que não me fazem nenhuma falta. Perceba que existe um diferencial clássico desse projeto com a quase tradicional “lista de postergação de compras”.

Ninguém vive para ter coisas. Mas sem algumas coisas não se vive. Acho ótimo quando consigo manter uma rotina bem firme e atada às necessidades básicas. Simples e frugal.

Entretanto, por mais que eu esteja precisando fazer um corte radical de gastos, não se trata de economia e nem de poupança. Esse projeto consiste, principalmente, em deixar de querer. A minha operação é sobre a vontade. É deixar de querer ou querer menos.

Não é um ascetismo sobre o desejo. É mais um exercício sobre a minha vontade.
Obviamente, fazer as malas é a parte mais difícil dessa viagem. Entendo que o projeto exige primeiro uma espécie de limpeza mental. Reduzir o pensamento ao essencial. Usufruir da preguiça cerebral sem dor na consciência. Mas com preservação de qualidade do raciocínio. Sem nada de doideira, nem de lisérgicos. Essa purificação do pensar seria como reduzir a bagagem para o que é essencial, como se faz antes de uma peregrinação.

E é aqui que sempre empaco. De todas as coisas geniais que foram ditas e escritas por seres humanos geniais, o que é você faria questão de não apagar da sua cabeça? Qual seria a primeira coisa que você diria aos homenzinhos verdes do espaço logo após ser abduzido? Qual livro você levaria para a leitura noturna, na escalada do Everest? Se te fosse concedido um último pedido, para quem você dedicaria a música? Qual música? Ou seja, coisas importantes e fundamentais. Pelo menos para os homenzinhos verdes.

Tem muito tempo que estou com o Projeto Querer Menos na gaveta. E é bem verdade que só me lembro dele quando me pego ambicioso demais. Quando começo a querer aceitar riscos que faço melhor em não aceitar.

Ou talvez esse projeto seja só um pouco de covardia.

Ou prudência. Na dúvida, é melhor ficar na gaveta. Os homenzinhos verdes podem esperar.

domingo, 27 de setembro de 2009

Auto-retrato do Careca hoje de manhã



Sim, tem dias que eu acordo e acho que sou um T-Rex com pneumonia aguda. Só passa quando o dia acaba.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A volta da Franka

Ela voltou. Depois de insistentes pedidos da legião de fãs, Lúcia Carvalho voltou a postar com a sinceridade, bom-humor e simplicidade de sempre. Ela, que é colunista famosa de jornal grande, que é íntima de artistas de renome internacional, inclusive teatrólogos e teatrólogas, que já escreveu livros e peças, voltou a blogar. E está em grande forma.

Lúcia Carvalho, a pessoa que inventou a Franka, é uma arquiteta que tem o dom da palavra. Tenho enorme respeito por ela. Gosto de ler a Lúcia diariamente. Suas pequenas e grandes histórias, as sacadas bem-humoradas, a petulância comedida das suas ironias, me ajudam a encarar a rotina do dia-a-dia com outros olhos, mais humanos, sem tanta soberba. Lúcia é gentil. Desperta sorrisos generosos.

Nunca nos vimos. Mas eu, o Careca, de tanto visitar o blog dessa Franka, me considero amigo íntimo dela, do Zé(marido), do João(filho), da Ângela(irmã) e até de alguns outros visitantes que sempre deixam comentários no blog.

Algum dia, daqui a uns cem anos, essa será conhecida como a era de ouro dos blogues. E o blog da Franka, pode ter certeza, vai ter um capítulo especial depois que os arqueólogos desenterrarem os HDs.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Santo de casa

A coisa mais difícil do mundo é atender pedido de família. Não é difícil por má vontade. É pela coisa de fazer caprichado, bem feito, para agradar a quem pediu e todo o resto. Nesse quesito, admiro profundamente minha mãe e a mãe da minha mulher. Elas atendem aos pedidos com a maior desenvoltura, coisa que eu ainda não consigo fazer direito. No aniversário da minha filha, por exemplo, as duas avós fizeram coisas de cair o queixo. O bolo foi feito com desenho caprichado pela minha sogra. As cocadas foram feita pela minha mãe. Todo mundo achou o máximo, as duas foram super-elogiadas e minha filha adorou.

Comigo a coisa não funciona desse jeito. Primeiro porque eu não sei cozinhar, nem fazer bolo, nem cocada. Segundo, porque eu desde sempre me meto a besta e digo que sei escrever e desenhar. Então os pedidos acabam sendo de coisas relacionadas. Em geral, é cartão de aniversário. Meu pai, meu irmão e minhas irmãs sabem escrever uns cartões de aniversário super bonitos, com mensagens edificantes em diversos parágrafos encadeados. Coisa com início, meio e fim, parábola, metáfora e moral no estilo Padre Vieira. Eu também achava que era bom nessa coisa. Mas já caí na real. Hoje sei que eu me embolo todo, não consigo passar de duas linhas e no final acabo optando por "Feliz Aniversário". É uma lástima. Já fracassei na escritura de tantos cartões de aniversário que minha mulher nem me pede mais para escrever cartão para as tias e os afilhados.

Antigamente ela bem que tentava:
_O menino é seu afilhado, escreve uma coisa bonita pra ele, é uma data importante, e coisa e tal - ela falava. Em geral, eu suava frio nesses dias de escrever coisa importante e não saía nada inteligente. Só recado pomposo, mensagem lateral, palavras de escanteio. Os melhorzinhos pareciam inspirados em bula de melhoral infantil, coisa ruim mesmo.

E depois, numa época em que eu comecei a desenhar e a achar que sabia desenhar, comecei a receber pedidos para desenhar alguma coisa. Eram pedidos de gente da família que ouvia as minhas bravatas e que queria incentivar. Sabe como é, ninguém que dinamitar um potencial. Metido a besta, como eu sou, entregava os desenhos já com sugestão de moldura.

_Esse daí pede um "passipatú" branco largo, de uns vinte centímetros, com vidro anti-reflexo e moldura dourada. Vai ficar muito bom perto daquela sua reprodução do Picasso - eu dizia. É óbvio que nem os parentes me aguentaram, depois de uns tempos.

Por isso, foi com grande surpresa que recebi, no início da semana, o pedido da minha irmã para escrever uma carta para meu sobrinho.

_Mas é carta de quê, irmã?

_É só uma carta. Pode escrever qualquer coisa.

_Mas eu sou ruim nisso, você sabe, eu suo para escrever cartão de aniversário...

_Não é aniversário. E você vive dizendo que tem um blog. Então é só fingir que está escrevendo no blog.

_Tenho quantos dias para entregar?

_Só até amanhã.

_Pô, o deadline está muito em cima.

_É pegar ou largar.

_Tudo bem, eu pego:

"Querido sobrinho,
Você é uma espécie de herói lá em casa. Ser herói não é uma coisa que acontece facilmente, você sabe. Os heróis têm que batalhar muito, é dureza. Mas eu, sua tia e seus primos achamos que você está indo muito bem. Você é o sobrinho mais velho, o primo mais experiente, maior e mais forte.

Tudo porque as coisas acontecem primeiro com você. Isso começou, eu acho, com as fraldas. Você foi o primeiro a usar fraldas descartáveis na família. E também o primeiro a deixar as fraldas descartáveis, o que é ótimo. Você também foi o primeiro a ganhar aquela famosa bola que faz barulho de presente. Você sabe, aquela bola maluca. Ela solta uns barulhos esquisitos quando muda de posição. E ela sempre muda de posição. Parece o anúncio de uma invasão planetária, a explosão de um sapo reclamando. Você foi o primeiro bebê da família a ganhar aquela bola. E também foi o primeiro a fazer todo mundo enjoar dela. Tenho erisipela toda vez que eu vejo aquela bola.

De qualquer maneira, isso não diminui o seu caráter pioneiro. Aliás, isso aconteceu mais vezes, esse pioneirismo. O lance das fraldas, por exemplo, foi bem interessante. Sua mãe, que, como você bem sabe, é minha irmã, a pretexto de ensinar aos irmãos as coisas que todos nós deveríamos saber, fez questão que trocássemos algumas fraldas suas. Usadas. Pra valer. O resultado disso é que demorei a ter filhos. Tive primeiro que perder o olfato.

Para resumir, você é o primeiro, o exemplo. Embora não tenha pedido para ser o exemplo, você não tem fugido dessa responsabilidade, o que é ótimo. E tem se saído super-bem, o que é melhor ainda. Você é um bom exemplo.

É difícil ser exemplar. Todo mundo presta muita atenção, não se pode enfiar o dedo no nariz, coçar alguns lugares. É um saco, às vezes. O mais chato de ser “exemplo” é também o mais legal. Você tem imitadores. Seguidores. Exerce uma liderança. Influência. E você tem sido uma influência positiva. É bacana. É melhor do que brincar de “seu mestre mandou”. Mas tudo isso também pode ser bastante embaraçoso se você não estiver a fim de ser imitado. Acontece. Eu conheci um cara que fazia de tudo para não ser imitado, mas mesmo assim, era imitado em tudo o que fazia..."

Escrevi três laudas e meia. O texto empaca tanto que parece a mula de "os caçadores da arca perdida". E só tenho até a tarde de amanhã para entregar. Ou talvez eu compre um daqueles cartões bem legais, em três dimensões. Socorro!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Voltando aos poucos

A explicação prometida
Precisei viajar a trabalho, não levei lap-top e o hotel cobrava 40 centavos por minuto para uso da internet.

Banheiro com musiquinha
Está provado, em algum manual de gerenciamento de recursos humanos, que a música acalma e relaxa o ser humano. Mas isso não elimina o fato de achar super-estranho entrar no banheiro de um prédio público e escutar música ambiente. Jazz. New Age. Kenny G. E até "As tears goes bye" dos Stones. E na sequência, "Don´t go change", na voz de Barry White.

Rafael, o cãozinho
Quando cheguei de viagem, minha filha estava na aula da balé. Ela chegou pouco depois, mas primeiro correu para abraçar Rafael, nosso novo cãozinho Shitsu. Fiquei com ciúmes de um cão, é preciso admitir.

domingo, 20 de setembro de 2009

sábado, 19 de setembro de 2009

O Careca e a mania de dar tiro no pé

Sabendo procurar, a Internet está cheia de ofertas de download de revistas para trabalhos manuais. Eu gosto muito de trabalhos manuais. Só não tenho muito tempo para os trabalhos. Mas adoro ler sobre o tema. Tenho preferência para trabalhos em madeira. Móveis, caixas e marchetaria. Aí fico fantasiando sobre as coisas que farei em madeira, quando tiver tempo, é claro. Penso em estantes glamourosas, em prateleiras para a colocação de badulaques, em gaveteiros para os meus desenhos, armários para as tranqueiras.

Mas penso bem de leve, porque na verdade não há nada que realmente seja um obstáculo para começar a fazer esses trabalhos desde já. Só preguiça. Falando bem francamente, na maioria das vezes eu e você reunimos todos os requisitos e apetrechos para fazer qualquer coisa que se queira fazer. Desde que se remova o último componente. O último e principal componente é o mais importante: remover o auto-boicote. Quando eu aperto o botão de remover o auto-boicote, tudo fica mais fácil. O problema é só me dar conta de que é preciso apertar o botão e acionar a boa-vontade. É como parar de dar tiro no pé. Isso é uma coisa que, efetivamente, depende de você parar de andar com o dedo no gatilho. Não tem nada a ver com o fato de assumir uma postura pacífica ou deplorar a guerra. De fato, você pode ser um belicista e nunca dar um tiro no pé.

Isso vale pra quase tudo. Mas vale inclusive, e talvez principalmente, para escrever. Muitas vezes a gente toma uma decisão e nada acontece. Em outras, a gente se decepciona. E raramente, mas também já foi registrado, a gente tira a sorte grande. Para todos nós, até mesmo as menores coisas podem adquirir magnitudes inimagináveis.

Isso aqui é só um blog, eu digo para mim mesmo, mas sempre fico roído de remorso por ficar dois dias sem postar. Peço desculpas.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um ponto fora do L

Lá estou eu, novamente, na fila da loteria. A mega-sena acumulada atrai dezenas de pessoas que querem ficar milionários. Eu me sinto indiano, muito indiano. E a fila, como sempre, fica no meio do caminho das pessoas, no shopping. E as pessoas, como sempre, continuam a achar o Careca aqui com cara de passagem. Para a Índia, rá, rá.

Ali estou eu, na fila para fazer a minha fezinha. E a autoridade chega.
A autoridade é um guardinha de shopping. Ele usa uniforme. Tem porte militar. Barriga encolhida. Ventre preso. Quepe com distintivo, brasão, sei lá o quê. Ele cisma com a fila. Olha para mim, o único careca.

_Por gentileza, o senhor poderia fazer fila aqui, nessa direção?

_Claro, sem o menor problema – eu digo. Eu sempre tenho o maior respeito pelas autoridades. E me dirijo para onde o guardinha do shopping aponta. Com as duas mãos perfeitamente paralelas, ele traça uma linha imaginária acompanhando uma larga faixa preta que existe no piso do shopping.

_Saquei, é pra ficar em cima da linha, né? – eu digo, fazendo cara de careca inteligente. Frankenstein sorri, num lampejo de superioridade.

Mas aí a coisa encrenca. O cara que estava atrás de mim, um Baixinho Magrelo com Barriga, não havia prestado atenção. Autoridades são loucas por atenção.

_O senhor, por gentileza, poderia fazer fila aqui, atrás desse outro senhor? – disse o guardinha. Com educação. Mas dava pra notar que o sujeito não ia admitir não como resposta. O Baixinho colocou as mãos cruzadas sobre a barriga, como quem busca apoio no umbigo.

_Estou bem, aqui onde estou. Muito bem – ele disse, ao mesmo tempo em que os meus sensores de alerta interno piscavam mais do que o robô de Will Robinson (Perigo! Perigo!).

O resto da fila, que não queria saber de confusão, foi logo se alinhando atrás de mim. Havia assim uma fila em ponto L, com um Baixinho fora da fila. Graficamente, a situação poderia ser descrita da seguinte maneira:

. L

Eu comecei a assobiar baixinho. Fiu. As duas pessoas que estavam na minha frente estavam focadas nos guichês dos caixas, esperando a vez. As pessoas atrás de mim começaram a conversar potocas, buscando assuntos em voz alta, para disfarçar constrangimento. Guarda e Baixinho com Barriga se olharam durante um prolongado minuto. Os dois caras da minha frente andaram, foram cada qual para um guichê. O próximo era eu. Depois o Baixinho.

Aí o Baixinho disse para o guardinha.

_ Já fez o seu jogo, seu guarda?

Não ouvi a resposta, porque era a minha vez de apostar. Mas quando eu saí de lá e estava na escada rolante, olhei para trás. E lá estava o Baixinho, um ponto fora do L, vigiado pelo guardinha. Nenhum dos dois parecia inclinado a mudar de posição.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Uma porção de bolinhas

Desenhar jabuticabas é muito difícil. Estou fazendo uma porção. Tento fazer algum tipo de realce, algo diferente. Mas por mais que me esforce são apenas bolinhas pretas desenhadas numa linha torta, nem fica parecendo um galho. Digo para mim mesmo que são jabuticabas. Tento colocar um roxo bem escuro, para ver se melhora. Não adianta. São apenas bolinhas pretas, não parecem nada com jabuticabas. Aí tento desenhar todas numa vasilha. Fica parecendo um monte de bolinhas pretas numa vasilha. É um beco aparentemente sem saída.

Aí reduzo a velocidade. Capricho na forma arrendondada. As jabuticabas fazem um biquinho, bem pequeno. Brilham muito, parecem enceradas e ao mesmo tempo aveludadas. Às vezes, pequenas manchas aparecem na casca. Às vezes, um minúsculo sinal na casca é sinal de que uma vespa está alojada lá dentro, traiçoeira. Nos livros do Monteiro Lobato, sempre tem um menino do sítio que leva uma picada. Eu mesmo levei uma picada de vespa, mas tive sorte, não foi na língua. Lembro de comer muitas jabuticabas num pé que havia na casa de uma tia, minha madrinha. Uma vez fomos numa fazenda, com muitos e muitos pés de jabuticaba. Foi lá que vi, pela primeira vez, um camaleão. Jabuticaba tem gosto de infância.

E talvez por causa das lembranças que me envolvem, eu fico satisfeito com o desenho que fiz. É uma porção de jabuticabas, unidas num ramo, com poucas folhas à vista. As manchas nas cascas, as diferenças de tons de cinza nos ramos e no galho, me deixam satisfeito.

Aí minha filha vem sentar ao meu lado.

_Pai, eu também gosto de desenhar bolinhas. Mas eu prefiro as coloridas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Fredo, o traidor

Em agosto, eu e minha mulher demoramos três finais de semanas revendo a trilogia do Poderoso Chefão. A saga dos Corleone é uma das melhores coisas já feitas no cinema. E assistimos aos sábados, com direito a pipoca e luzes apagadas, no aconchego do sofá. A sessão de vídeo em casa exigia uma preparação específica, quase um ritual, de fazer as crianças dormirem com antecedência, mas sem pressa. De preparar a pipoca com o tempero correto. De deixar um edredon no jeito, se fizesse frio. Essas coisas legais.

E aí, no final do segundo episódio, você sabe, a mãe Corleone está morta e no velório Michael faz um sinal bem de leve com a cabeça para um sujeito que está prestando a maior atenção ao abraço dele em Fredo. E você saca que é o fim do Fredo. É um momento de alta tensão.

Eu já vi o filme várias vezes, mas o primeiro passo hesitante do Michael em direção ao Fredo quase sempre me deixa em dúvida, como se o filme fosse mudar. Parece que ele vai dar uma porrada no Fredo. Mas aí seria uma catarse e quem sabe ele até perdoasse o irmão, né? Ao invés disso, o Michael, dá pra gente ver, está engolindo tudo e não vai deixar passar nada não. Nem tem música, de tanta tensão. Ou tem música, mas eu fico tão absorto que nem ouço nada. Nessas horas, não sei o motivo, eu sempre tenho que dizer alguma coisa nada a ver.

_ Eu sempre achei o ator que faz o Fredo igualzinho ao bartender dos Simpsons, o Moe. O cara parece que saiu de um cartoon – eu disse.

_Nossa, ele mandou matar o próprio irmão? Que bandido! – disse a minha mulher.

E depois na sequência, vimos o Fredo rezando no barco de pesca no lago, onde aquele cara que recebeu o sinal do Michael prepara uma arma. Michael olha pela vidraça da sala onde trabalha como Godfather. Ele vê tudo dali. Também foi ali que Michael disse que o Fredo não significava mais nada para a família.

_Canalha! Que cara mais frio! Mandou matar o próprio irmão! – diz a minha mulher, furiosa com o Michael Corleone.

_É, mas ninguém teve nenhuma dó do Michael, que quase morreu duas vezes por causa do Fredo!

_Ele é um fraticida! Como você pode defender um fraticida! – reclama a minha mulher.

_O Fredo é um idiota fraticida, parricida, matricida e familicida total. Se eu fosse o Michael, ele tinha dançado quando ainda estavam em Cuba, no meio da revolução.

Não tenho a menor pena do Fredo. É puro cartoon, o Fredo. Parece o patrão do Homer, com um bigodinho e sem a inteligência macabra.

domingo, 13 de setembro de 2009

Um cão de companhia

A Operação Vira-Lata foi desencadeada no sábado, quando compramos o Rafael, um cãozinho Shitsu de dois meses e meio, com pouco mais de 17 centímetros de puro pelo. Estamos todos apaixonados pelo cachorrinho. É uma raça super-caseira, essa. Não faz barulho. Presta muita atenção. Minha filha está contente.

_Paiê, o Rafa lambeu o meu olho.

Meu filho está contente.

_Pai, o Rafa nem alcança o pleisteichion. É massa.

Minha mulher está contente.

_Careca, o Rafa só faz xixi e cocô no jornal.

E eu estou muito contente.

_O Rafa não gosta muito de andar - eu digo.

Na verdade, o Rafa não aguenta muito esforço físico, qualquer brincadeirinha o bicho já fica esticado no chão, pronto para uma soneca. É um perfeito cão de companhia. Se você está a fim de cochilar, o Rafa te acompanha. Se você está a fim de tirar uma soneca, o Rafa também está. Se você não quer fazer nada, o Rafa também não quer. Se você está com preguiça até de reclamar, o Rafa está do seu lado, numa boa. Grande Rafa.

sábado, 12 de setembro de 2009

Rafael, nosso cachorro

Rafael, nosso cachorro

Nós iniciamos o planejamento da Operação Vira-Lata em janeiro desse ano, quando minha filha anunciou que gostaria muito de ganhar um cãozinho. Por minha vez, para ganhar ao menos um pouco de tempo, por diversas vezes sugeri outros animais de estimação.

_Filha, que tal um outro bicho? Cachorrinho dá trabalho...
_Não, paiê, eu quero um bicho que abane o rabinho.
_Um peixe dourado? Peixe vive abanando o rabo.
_Não, paiê, eu queria um cachorro. Cachorro lambe a mão da gente.
_Peixe é bom, tem peixe que até beija a gente, o beijoqueiro.
_Não, paiê, cachorro é melhor.
_E que tal um hamster?
_Não, já tem um na escola.
_Um papagaio? Um coelho? Uma tartaruguinha?
_Não. Não. Não. Quero um cachorro.
_E um gato?
_A vovó já tem um gato.
_E sua prima já tem um cachorro.
_Não, paiê, é ela. É mulher. A Laura tem a Prin-ce-sa. É menina, entendeu?

Não sei vocês, mas às vezes eu sinto que nós, homens, somos vistos como seres limitados intelectualmente pelas meninas que ainda não completaram cinco anos. Depois dos seis anos, é óbvio, todas as meninas nos olham como se fôssemos seres rudimentares, comida de plantas carnívoras.

Depois de várias repetições variadas do mesmo diálogo, eu passei a evitar o assunto.

_Paiê, eu quero um cachorro de presente de aniversário.
_É, tá. Olha lá uma girafa pedindo carona!
_É sério, paiê!
_Sei.
_Paiê!
_Rá,rá, conta outra!

Mas a última palavra, é claro, é da ala feminina da família. Como sempre acontece, toda vez que eu começo a achar que um assunto já foi superado, ele volta, de uma maneira definitiva. E hoje de manhã, ele voltou. E depois do almoço, eu e a minha mulher saímos para comprar o Alloysio, como eu disse que ele iria se chamar. Para resumir, ficamos em dúvida entre um Schnáuzer e um Shitsu. Durante mais de vinte minutos enalteci os Schanáuzers. Então, minha mulher deu um sorriso de lado e eu percebi que ela havia chegado à melhor decisão.

É da raça Shitsu. Muito lindo. Mas a minha filha decidiu rebatizá-lo de Rafael. Eu ainda tentei argumentar.
_Mas Rafael é nome de gente!
_Eu sei paiê, a gente vai chamar ele de Rafa!
_Ah, bom!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Brindes do Careca

Quero agradecer a você. Obrigado.
O blog Caminho do Careca está completando dois anos por esses dias. Não é nada, não é nada, foram quase trinta mil visitantes únicos e 48 mil pageviews. Média diária de 50 visitantes.
Tenho um orgulho danado desse blog. Tenho um orgulho danado de ser lido por um monte de pessoas que nunca vi pessoalmente. E também por um monte de pessoas que gostaria de ver mais, mas é a vida, é a vida.
O blog não mudou desde que nasceu. A única coisa que mudei foi a lista de blogs recomendados aí do lado. Está aumentando. Devagar. Mas aumenta. Também atualizo a Rádio Careca, uma vez por mês. Em geral, troco a cor do rádio, ou o modelo, quando atualizo a lista de músicas.
Continuo bastante assíduo com as atualizações diárias. Tenho sido bastante disciplinado, mesmo com crashes e hds queimados. Onde moro, não sei o motivo, a energia elétrica oscila um bocado. Vai ver, tem gato.
Queria agradecer especialmente a dois caras que sempre me prestigiaram. Dois leitores que prestam atenção ao que acontece no blog. Que estão ligados no Caminho do Careca. Os dois únicos sujeitos da Kombi de Leitores que realmente se filiaram como Seguidores e mostraram ali, com foto e tudo, com a cara e a coragem, que realmente curtem o Caminho do Careca e não têm o menor juízo.
Bono e Velho Tom, valeu! Estarei enviando, a cada um, uma camiseta personalizada (Eu Coração Caminho do Careca). Para a minha amiga Franka, que não se filiou mas de vez em quando ainda fala bem de mim, vou mandar uma caneta Bic personalizada (Eu Coração Caminho do Careca). A cambada que ainda não se filiou à minha Kombi, rá, rá, terá que aguardar o super-sorteio de um adesivo para colar em vidro(Eu Coração Caminho do Careca) previsto para feito quando eu comprar um cartucho de tinta colorida para a minha impressora, em outubro.
Brincadeira.
Não, é sério.
Obrigado.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Brasa e sardinha

Fiz uma viagem relâmpago e estou só a capa do Batman. Foi uma boa viagem, produtiva. Mas estou super-cansado. É uma sensação inglória. Viagens rápidas são sempre cansativas. Mas no final, a sensação de produtividade acaba sendo substituída por clichês. O relato de viagens é quase sempre uma descrição de que você faria melhor se tivesse ficado e resolvido tudo por telefone. É preciso cuidado ao realizar viagens. Senão a coisa fica parecendo inócua, como se alguém estivesse afastando a sardinha para outra brasa.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Seja feita a sua vontade

Iniciantes - Raymond Carver - Encontrei o livro original de contos do Raymond Carver. "Iniciantes" tem todos aqueles contos que serviram de base para o genial filme Short Cuts, do não menos genial Robert Altman. Foi pelo filme que cheguei aos livros de Carver. Depois, voltei ao filme e vice-versa.

Foi assim. Os contos de Iniciantes, na primeira publicação americana, foram cortados pela metade pelo editor. Mesmo assim, o livro foi um campeão de vendas. Aí publicaram no Brasil. Mesma coisa. Depois Carver morreu, Altman morreu e ninguém falou em mais nada. Mesmo assim, Carver continuou a vender horrores. E as pessoas ainda se lembram de Altman. Aí a segunda mulher de Carver recuperou os originais e reeditou tudo, como Carver queria. E depois, publicaram no Brasil. Como sou um tolo que gosta dos sensacionais contos de Carver, que só se livrou do álcool aos 40 anos e que morreu 10 anos depois, fui lá e comprei.

Com um pouco de sorte, leio neste final de semana.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Xadrez e ping-pong

Paira no ar uma nova onda para aprender e ensinar a jogar xadrez. Meu filho se entusiasmou. Ele já sabe todos os nomes, onde ficam e os movimentos das peças. Coisas mais complexas, como o roque, ainda não ensinei. Lembro de quando meu pai me ensinou a jogar xadrez. Foi um perito, pois conseguiu me dar a impressão de ser capaz de vencê-lo algumas vezes. Durante muitos anos jogamos xadrez. E, de vez em quando, eu tinha a ilusão de vencer. Mas mesmo nas melhores partidas, lá no finalzinho, uma jogada que eu nunca antevia garantia um empate. Uma saída honrosa para nós dois.

Quando fiquei adulto, nunca mais consegui vencê-lo. Jogávamos variações sobre as mesmas aberturas, os treze ou catorze primeiros movimentos quase iguais.

Aí começamos a jogar ping-pong. Séries de vinte e um. Empate em vinte pontos era a regra. Aí jogávamos intermináveis prorrogações de "melhor de dois". Às vezes por mais de uma hora.

Já faz tempo que não jogamos nem ping-pong, nem xadrez. No próximo domingo, quem sabe...

domingo, 6 de setembro de 2009

Ilustração no paint





Com o crash do computador, perdi o software de ilustração que usava. Não tenho mais os discos de instalação, ficaram em alguma caixa no tempo da reforma do apê. Restou o bom e velho paint. Aos poucos, vou me readaptar.

Ainda com as mesmas idéias fixas: flores, baleias, anzóis, peixes, ondas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Super-heróis a caminho da escola

Você se acostuma a acordar cedo bem rápido. Num instante você está tão ansioso quanto eles para entrar no carro e ir para a escola. Em geral, escutamos rock´n roll ou Marisa Monte. Música velha. Nunca lembro de descer com um CD para tocar no carro. Aliás, CD já é coisa de velho. Hoje em dia os carros todos têm DVD player com entrada USB. Tela removível. Toca MP3, MP4, sei lá mais o quê. O meu ainda é um CD Player-Toca-fitas com disqueteira no bagageiro, um estilo muito convencional em 1998.
É uma antiguidade. E o toca-fitas parou de funcionar em 2000, nunca entendi o motivo. Uma vez eu quis tentar fazer uma gambiarra, adaptar um MP3. Quando falei nisso com o cara da instalação de som ele começou a rir. Aí eu desisti. Aprendi com o John Travolta, em Pulp Fiction, que a melhor forma de ser démodé é em francês: tenho uma “antique”, uma “vintage” no meu carro.

Mas hoje, como estamos um pouco enjoados dos discos que ficam na disqueteira, vamos conversando o caminho inteiro. E dentro do carro, o diálogo segue uma lógica própria. Às vezes entram respostas para perguntas que foram feitas na semana anterior e que tinham ficado sem resposta. Outras vezes entram perguntas sobre coisas que eu deveria estar sabendo, mas que eles só conversaram com a minha mulher. E para complicar ainda mais, quase sempre há uma mudança abrupta de assunto. É preciso estar atento e forte.

_Pai, vamos continuar a brincadeira de inventar super-herói? – pergunta a minha filha, que vai fazer cinco anos em breve. Ela quase sempre pergunta primeiro. Minha filha não gosta de ficar em segundo plano e por isso tenta iniciar os diálogos dentro do carro. De algum modo ela sacou que a conversa é conduzida por quem puxa o assunto.

_Claro! Senhoras e senhores, respeitável público, aí vem a super... supeeerr.... supeerrr..... qual é o nome da super, filhota? – eu pergunto, fazendo voz de locutor de rádio e dono de circo.

_Super-Rosa! – e brilham os seu lindos olhos no espelho retrovisor.

_Mas é claro! Super-Rosa, a heroína de todos os fracos e oprimidos está na área e quem derrubar é pênalti! Ela tem o superpoder da rosa ... ela tem o superpoder da rosa.... como é o superpoder da Rosa, filhota?

_É um raio cor-de-rosa que faz todo mundo ficar gostando de todo mundo, até os maus. E aí todo mundo fica do bem – ela me explica, com paciência.

_Uau! Esse raio é super, mesmo!

_Agora eu, agora eu! Eu queria ser o Super-Kraken.

_Senhoras e senhores, aí vem o Suuuuuper-Kraken! Ele é grande, ele é do bem, ele parece um polvo gigantesco. Ele ééééééé o Suuuper-Kraken! E o que ele faz, filho?

_Ele pega os que são do mal e arranca as cabeças.

_Caramba! Esse Super-Kraken é mesmo do bem? Ele não dá nenhuma chance para os do mal? Afinal, de cabeça arrancada ninguém pode ficar do bem.

_Não, paiê, quem está inventando sou eu. E o Super-Kraken vai arrancar as cabeças e pronto.

_Pôxa, mas e se ele errar e arrancar uma cabeça de quem é do bem por engano? Aí o Super-Kraken terá feito mal não é mesmo? E quem é Super deve fazer o bem, ainda mais sendo super e coisa e tal.

Ele pensou por alguns segundos.

_Tá bom, ele acerta uns super-cascudos em todo mundo. Quem for do bem não morre.

_Suuuuuper-Kraken!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Tudo é metáfora, menos dente

Neste ano, meu filho de seis anos iniciou a troca de dentes, os de leite pelos definitivos. O primeiro dente-de-leite ele ficou curtindo a queda, prolongando até a gente enjoar de ver. Era um dentinho muito bonito, da mandíbula inferior, quase na frente.

Ele namorou a queda do dente com tudo a que tinha direito, fazia relatos de como o dente amolecia diariamente, de como não conseguia mastigar algumas coisas. Reclamava de pão, carne e até maçã sem casca. Evitava o lado do dente até para falar. E passava o dia amolecendo o dente com os dedos e depois com a língua. No final, o dentinho ficou parecendo uma portinhola para cachorro, igual às que a gente via nos desenhos animados e filmes americanos. O dente balançava para dentro e para fora. Mas nada dele se decidir a arrancar aquele pedaço de marfim.

Eu e a minha mulher já havíamos conversado sobre o tema e decidido não intervir. Mas depois de duas semanas vendo aquele dente balançar, um dia na hora do almoço eu me ofereci para tirar o Júlio eu mesmo. Quem é Júlio? Ora, depois de duas semanas, o dente já tinha nome e sobrenome, Júlio Iscárie Otis.

_Filho, eu posso tirar o dente, do mesmo jeito que eu vi no cinema. A gente amarra um ferro de passar bem pesado numa ponta da linha. E na outra, a gente amarra o Júlio. Aí, é só jogar o ferro pela janela. Não dói nada, eu já tirei dente assim, estou de prova.

Ele nem me respondeu. Balançou a cabeça e protegeu o dente, cobrindo a boca com as mãos enquanto eu falava em ferro de passar.

_Pensando bem, ferro de passar hoje em dia não pesa quase nada. Mas a gente podia amarrar um piano no Júlio e jogar pela janela, que tal?

Mesma reação. Balançou a cabeça e continuou a proteger o dente.

_A gente não ia conseguir um piano, mesmo. Mas e se a gente amarraaaaai.... eu disse, depois de levar um leve chute de aviso da minha mulher por baixo da mesa.

Graças a esse sinal secreto, percebi que era melhor não continuar com esse assunto na hora da refeição. Até porque minha menina, que vai fazer cinco anos agora em setembro, já olhava para mim de olhos arregalados.

_Careca, te manca! Parece que está planejando torturas para o menino. Sua filha está assustada! – sussurrou a minha mulher, acertando outro sinal secreto na minha outra canela. Esse doeu.

E com a força da psicologia desse argumento, mudei de assunto. Falei do tempo. Falei de futebol. Falei da importância de se cumprir o prometido. Falei de ética. E aí meu filho voltou a falar do Júlio.

_ Paiê, o Júlio vale quantas moedas para a Fada dos Dentes?

_Fada dos Dentes? – indaguei, tolamente, antes de levar mais um sinal secreto na canela. Ela fez o V de vitória para mim e aí a mensagem se tornou mais clara.

_Vale duas moedas, filho – eu disse, piscando para a minha mulher, que pela força do sinal secreto, é uma especialista em cotação de dentes no mercado de fadas.

E eu me levantei bem a tempo de evitar mais uma pergunta e um sinal secreto na minha canela. Eu sou um cara sensível. Eu percebo quando alguns assuntos são doloridos.

_Está tudo muito boom. Está tudo muito beem, mas eu realmente, realmente, preciso voltar para o trabalho.

Toda essa conversa aconteceu há mais de um mês. Agora meu filho acaba de arrancar, por conta própria, o seu terceiro dente de leite, todos da parte de baixo. E nesse pequeno lapso de tempo, a cotação da Fada dos Dentes já aumentou. Na segunda-feira, a Fada deixou vinte mangos.

_Caramba, pai! E esses eram os pequenos da parte de baixo, imagina os dentes da frente!? Vai dar pra comprar um nintendo!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Careca enrola mais uma vez com as curtas

Miopia
Minha visão periférica está mais restrita. Minha miopia agora também é hipermetropia, eu enxergo pouco lá longe e aqui perto eu tenho que pedir ajuda aos meus colegas universitários. É um horror.

Venda fracassada
Ouvi falar de um sujeito que colocou os pais à venda num site dos Estados Unidos. O anúncio dizia algo assim: “Depois de cinqüenta anos de bom uso, é hora de seguir em frente. Aceito loura de menos de 40 anos em bom estado.” O sujeito conseguiu uma oferta de 290 dólares, mas decidiu não prosseguir com a venda por razões sentimentais.

Pré-sal
Essa não é uma questão superficial. Alguém terá que ir ao fundo dessa matéria. É bem verdade que vão gastar os tubos em prospecção.

Blogs morrem
Jôka , do Avenida Copacabana, declarou que o fim dos blogs já chegou ou está próximo, um dos dois. Pôxa, justo agora que eu estava começando a pegar o jeito?

Aniversário de 40 anos da Internet
Vivaaa!

E o futuro não é mais como era antigamente
Franka, a Lúcia Carvalho do Frankamente, comentou outro dia que eu tenho nostalgia do presente. É verdade, Franka. Também tenho uma memória bem fraquinha. Se eu não escrever logo, esqueço rápido.

Praias das capitais desse Brasil

Estou com saudade de praia. Aí faço rapidamente uma retrospectiva mental de praias das capitais brasileiras que conheço. É, é uma tremenda enrolação, esse post.

Aracaju – tem a praia de Atalaia. Esse nome significa sentinela, ou posto de vigia. E a praia é enorme. Você anda, anda, anda, anda e aí para. Quando você está parado, por um milésimo de segundo o vento também para de soprar. E você torra. A margem de areia é gigantesca e não tem sombra em lugar nenhum. Vá de guarda-chuva. Passe um litro de protetor de pele. Não esqueça o boné. E em Atalaia, você anda, anda, anda e chega em Atalaia Nova. E aí anda, anda, anda, anda e chega em Atalaia Velha, que é quase igual, só um pouco mais ...idosa, eu diria.

Brasília – não tem praia. Só tem uma prainha e é melhor não ir lá.

BH – não tem praia. Por enquanto. Vão fazer uma, projeto do Niemeyer.

Florianópolis - sem sombra de dúvida, as melhores praias entre as praias de capitais brasileiras. E ainda tem rodízio de camarão. Ou tinha.

Fortaleza - é muito legal. Tem a praia do Futuro. Você está na praia do Futuro e começa a andar. Aí anda, anda, anda, anda e continua na praia do Futuro. Você pode andar o dia inteiro que vai continuar na praia do Futuro. Ô praia comprida. É a praia com o melhor nome jamais colocado numa praia. Você sempre vai estar nela, a não ser que você se acabe. Aí você é um sujeito sem futuro na praia.

Goiânia – não tem praia, mas tem praça. É só dobrar no queijinho, logo ali, ó.

Maceió – gosto muito das praias de Maceió. Sem a menor sacanagem, acho as praias dos resorts exclusivos de lá muito agradáveis. Mas é cansativo correr dos seguranças na areia.

Natal – gosto muito das praias de Natal, também. Ainda volto lá. O único problema é que cismam com a minha cara e sempre querem me vender bonés nas praias de Natal. Eu não compro e pego insolação.

Recife – tem a Praia Grande. É agradável. Tem recife. Caixotão. Uma vez quase me dei mal.

Rio – tem as praias mais bonitas do mundo, as pessoas mais bonitas do mundo, as pessoas mais mais. É bonito.

Salvador – é quente. E a praia é bem quente. E o povo é quente. E o acarajé é quente.

São Luis – é bem legal, a cidade. E tem praia que não acaba mais. A melhor é onde tem uma casa do senador. Para chegar lá, desça no aeroporto do senador, pegue a rua do senador e vá até o fim, não entre em nenhuma ruela do senador. Passe pelo balão do senador, ao lado do shopping do senador, na avenida senador e siga em frente, até a TV do senador. É ao lado de onde construíram a rádio, o jornal, o hotel, o supermercado, o complexo imobiliário, o motel, a igreja, o cinema, o outro shopping, o aviário, o boteco, a sinuca, o salão, o centro de convenções, o palácio, a casa da mãe e o museu do senador. Fácil, fácil.

SP – também tem praias belíssimas, São Vicente, a Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém, Pitangueiras, Perúíbe e Ilha Comprida, Bertioga, Ubatuba, Caraguatatuba, Ilha bela. Mas você não vai a São Paulo por causa da praia. Nem por causa das pessoas. Nem por causa da beleza. Vai porque ali tem dinheiro. Ou médico. Ou parente. Ou para ir embora do país. Ah, e agora só pode fumar na rua.

Teresina - tem aquela do Hotel Tambaqui. Já faz muito tempo que fui, não me lembro direito, ressaca, essas coisas.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Os olhos de Malcom Macdowell em laranja mecânica

No trabalho, a turma está sempre procurando um motivo para faltar. Os mais jovens, vivem ficando doentes, é uma coisa incrível. E sempre trazem atestado.

_Olha, Careca, olhai o meu atestado.

_É bonito, é bonito! – eu elogio. É melhor não contrariar a juventude.

Aí esse meu colega começa a falar de uma mancha no olho. Mostrou para todo mundo. Ninguém sabia o que era.

_E aí, Careca, você sabe o que é isso? – ele perguntou, bem debaixo da luz. Lembrei logo da cena em que Alex, o anti-herói interpretado por Malcom Macdowell em Laranja Mecânica, implora para não usarem Ludwig Van Beethoven no seu tratamento anti-violência.

Vi uma mancha na beirada do olho. Sei tanto de manchas no olho quanto de física quântica. Alex, grita, chora, os olhos arregalados. Ludwig não!

_Nossa, precisamos chamar um padre! – eu disse, para a alegria da galera.

_Pô, Careca, não teve a menor graça!

_A única solução é a eutanásia. Não se preocupe. Dizem que no olho dói só um pouco, mas depois de morto você nem vai se lembrar.

Nunca sei quando parar uma gozação.

Lembro de ter lido “A Laranja Mecânica” em inglês, porque o professor tinha dito que era muito difícil. Não foi nada difícil. As acochambrações de palavras do A. Burguess são divertidas e fáceis de entender. Foi um dos poucos livros que comprei do Chiquinho, que na época mantinha um sebo improvisado no CA de Economia.

Frase do dia