sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz 2011!

Desejo a todos um feliz 2011!

E aqui não abro exceções. É amplo, geral e irrestrito.

Esse foi um ano de profundas transformações na minha vida.

Muitas coisas boas aconteceram.

Coisas ruins também pintaram, mas sem ligar muito para a balança, o saldo foi positivo.

Espero continuar a dividir um pouco do que eu vislumbro pelo caminho no próximo ano, que começará daqui a pouco.

Tenho grandes expectativas e espero muitas e boas realizações.


Um grande abraço e boas palavras!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O modelista

Entrei numa loja de aeromodelos na tarde de hoje. O dono é um personagem famoso na cidade, outro dia apareceu em matéria de página inteira no jornal. Comprei duas ripas de madeira balsa para fazer uns reparos.

Demorei quase uma hora dentro da loja porque o dono fica puxando conversa. É um cara legal. E fez questão de procurar em dúzias de caixas de aeromodelos já montados. Sem que eu pedisse, entrou em busca de uma hélice para o meu Corsair, que estava mutilado. Revirou caixas e mais caixas, soprou poeira, emendou história em cima de história. Até que encontrou. E me cedeu uma hélice de um outro modelo de plástico.

Muita gentileza dessa pessoa, não precisava.

Agradeci profusamente e me mandei. Ah, e também comprei uma serra japonesa que sempre quis ter. Presentes de natal atrasados para mim mesmo. Agora é batalhar um tempinho para usar as novidades.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Toc, toque e subwooffer

Só vimos o aviso depois de apertar a campainha. Floyd, o schnáuzer do Cabeça, desatou a latir desesperadamente.
_Ele não gosta da campainha - explicou a Mulher do Cabeça.
_Deveríamos ter feito toc-toc - eu disse, em pedido de desculpas.

_Cabeça, é verdade que você se hospedou na Pousada do Toque?

_É, lá na Praia do Toque, um lugar muito bacana. Por quê?

_Foi legal, Cabeça?

_Foi, por quê?

_Deu tudo positivo, Big Head?

_Vá @#@!#@%#%#%@#%#$%##$$¨$¨!


Esse foi apenas um dos bizarros diálogos travados ontem à noite, quando a nata da sociedade brasiliense esteve reunida "chez Cabeçá" para as comemorações do quadragésimo quinto aninho do cara.

Estavam quase todos lá e quem faltou terá que esperar o final de 2011 para outra igual. O Cabeça serviu uma coleção de cervejas importadas para os convivas, que saíram de lá muitos felizes e enrolando a língua. Também foram servidos canapés e guloseimas em profusão. Os comes incluíram pálpebras de colibri ao mel de abelhas de Sumatra pisoteadas por virgens escandinavas seminuas ao som de Ravi Shankar.

Em outro momento prosaico da festança, descobrimos, eu e Rodrigão, que o subwooffer de trocentos mil dólares do som HD totally hi-fi hiper-duper-super-duca do Cabeça não estava funcionando.

_Como não está? - se irritou o Cabeça.

_Não está - confirmou o Rodrigão.

_Aposto como ele não leu as instruções - eu disse.

_Eu li sim - disse o Cabeça.

_Então você pulou a parte do subwooffer - eu disse, diplomaticamente.

_Cara, isso está ligado, super-ligado - insistiu o Cabeça.

_Vamos procurar uma opinião isenta - eu disse.

E o Igor confirmou que não estava funcionando. Depois eu convenci o Rodrigão de que o Cabeça tinha ligado o subwooffer no receiver, por engano. Mas pouco importa. Os discos de vinil do Hendrix são ótimos, mesmo sem o subwooffer.

A festa foi deliciosa. Parabéns, Cabeça.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Adelino que está no skate

São várias faixas estendidas no início da subida do setor policial sul. Milhares de pessoas passam pelo trecho todos os dias.

"O Adelino que está no skate agradece a ajuda e deseja a todos um feliz Natal". O mendigo que atua na área fez uma mega-produção de agradecimentos. As faixas verdes são quadradas e grandes. As letras são garrafais. No meio da faixa está desenhada a figura de Adelino, amputado, sem as duas pernas, sobre um skate. Fiquei impressionado.

Todos os anos, as ruas de Brasília se enchem de mendigos para o Natal e Ano Novo. Eles montam tendas de plástico preto e esperam as doações das pessoas nos semáforos.

Governantes já fizeram campanhas na cidade para que os cidadãos não dessem dinheiro para os pedintes. Ao invés disso, deveríamos todos ligar para um número da assistência social, para que as pessoas carentes recebessem atendimento profissional e especializado. Acho que isso nunca, jamais, em tempo algum, funcionou, mas a propaganda oficial fazia a gente quase acreditar que as coisas funcionavam. Coisa muito parecida com...com agora.

Em outros tempos, os governantes montavam estruturas para receber os migrantes de Natal ainda na rodoviária, para despachá-los de volta. Hoje em dia tudo isso parece acabado. Acho que nenhum governo faz mais nada, só distribui o dinheiro diretamente para os carentes, sem intermediários.

Dentro dessa lógica fica mesmo muito difícil dizer para o cidadão não dar esmola. Como não fazer o que o Estado já faz a torto e a direito? Muitas vezes mais a torto e a gente torta que a direito, de acordo com alguns críticos. Pelo que vejo, no entanto, a pobreza permanece, a despeito de algumas leituras muito otimistas dos números e estatísticas.

_Careca, você é míope - dirão alguns.

_Sim, Pedro Bó, mas as meninas do Leblon não olham mais pra mim, eu uso óculos.

Muitos usam crianças para aumentar o efeito compaixão. Em mim, o efeito é o contrário, mas como dizer não para uma criança de cinco anos que lhe estende a mão em meio ao choro?

Passei a andar com pacotes e pacotes de bolachas. Ao invés de moedas, dou um pacotinho de bolachas para as crianças.

_Uma moeda, tio?

_Não, quer bolacha?

_Ô.

_Pega aí.

Fiquei sem bolachas para o lanchinho rápido no trabalho durante novembro e dezembro.

Mas com o Adelino é diferente. Ele não é um garoto. Está no mesmo cruzamento há pelo menos quatro anos. Eu mesmo já contribui com algumas moedas. Teng! Ting! Teng! Fizeram as moedas na latinha do Adelino. Toda vez que passo por ali eu diminuo a velocidade, com medo de não ver o Adelino deslizando sem pernas sobre o asfalto. Uma vez tirei um fino do Adelino, sem querer. Até fiquei com raiva do Adelino.

_Pô, Adelino, quase que eu não te vejo, rapaz!

Ele precisava mesmo aumentar a visibilidade. Mas parece que resolveu dar um salto. Adelino que está no skate investiu pesado no marketing da mendicância. São muitas faixas. Se a coisa der certo, tenho certeza de que no próximo ano Adelino fará, no mínimo, um outdoor.

domingo, 26 de dezembro de 2010

The Decemberists - Don't Carry It All



The Decemberists - Don't Carry It All

Here we come to a turning of the season
Witness to the art towards the sun
The neighbor´s blessed burden within reason
Becomes a burden born with all in one

And nobody, nobody knows
Let the yoke fall from our shoulders
Don´t carry it all, don´t carry it all
We are all our hands and holders
Beneath this bold and brilliant sun
And this I swear to all

Monument to build beneath the arbors
Pond to glint the towers toward the trees
But every vessel pitching hard to starboard
Lay its head on summer´s freckled knees

But nobody, nobody knows
Let the yoke fall from our shoulders
Don´t carry it all, don´t carry it all
We are all our hands and holders
Beneath this bold and brilliant sun
This I swear to all
And this I swear to all

Wreathed the trillium and ivy
Laid upon the body of a boy
Lazy will the love come from its hiding
Return this quiet searcher to the soil

So raise a glass to turnings of the season
Watch it as it arcs towards the sun
And you must your neighbour´s burden within reason
And your labors will be borne when all is done

And nobody, nobody knows
Let the yoke fall from our shoulders
Don´t carry it all, don´t carry it all
We are all our hands and holders
Beneath this bold and brilliant sun
And this I swear to all

sábado, 25 de dezembro de 2010

A fada dos dentes tira folga no Natal

Minha filha, que agora tem seis anos, perdeu dois dentes de forma não usual no início deste ano. A coisa aconteceu numa disputa com uma coleguinha na escola. Pelo que me contaram, foi assim: ela mordeu um pedaço de pano. A coleguinha puxou com força e levou o pano e dois dentes junto. Doeu e sangrou muito. Foram os primeiros dentes que perdeu, a coisa aconteceu fora da hora e de uma maneira ruim. Para se ter uma idéia, a diretora, duas assistentes e quatro professoras foram mobilizadas para receber a minha mulher, chamada para buscar a menina. Depois descobri que o pedaço de pano era uma gravatinha de boneca. Essa foi a versão mais inteligível da história. Desde então, o assunto "dentes da princesinha" sempre foi tratado com muito cuidado aqui, na Família Careca.

Na véspera de Natal, outro dente de baixo resolveu se soltar. A princesinha e o irmão haviam pedido para passar a noite com os primos, na casa da irmã da minha mulher. Parece que está escrito em algum lugar que nós, os pais, não teremos a honra de testemunhar a queda de dentes dessa menina. Desta vez, o dente se soltou depois de ficar sendo balançado com a língua por umas três semanas. Ontem, o dente finalmente deixou a resistência de lado e partiu. Ela não sentiu nenhuma dor, mas ao ver o sangue, desatou a chorar. A tia contou que o fenômeno chororô durou umas duas horas, com altos e baixos, de acordo com a reação do público presente.

Ficamos sabendo de tudo na hora do almoço da véspera de Natal, quando ela exibiu o dente, orgulhosa, embrulhado num exagero de papel. Decidimos colocar numa caixinha especial de madeira, que eu mesmo fiz, com entalhes e marchetaria. O resto do dia foi dedicado aos preparativos natalinos, de maneira que eu acabei me esquecendo da fada dos dentes.

_Paiê, a fada dos dentes não veio!

_Deve ter sido por causa do Natal, filhota. As fadas não trabalham, você sabe.

_Ué, e por quê?

_É para não ter confusão. Senão é fada trombando com Papai Noel, elfo batendo em rena voadora, o tráfego aéreo intenso, é uma loucura. Assim, filhota, até por questões de segurança, as fadas recebem férias coletivas na véspera de Natal e só voltam ao trabalho no domingo.

_E por quê o Papai Noel não deixa uma moeda no lugar da fada?

_Putz, porque o negócio do Papai Noel é brinquedo, filhota. A mágica dele é boa pra isso. Se ele resolvesse deixar dinheiro pra dente, as crianças corriam o risco de ganhar dentes de brinquedo, não ia ser legal.

_Ah, bom - ela disse.

E depois eu fiquei pensando que se o Papai Noel entregasse dinheiro pelos dentes, eles seriam fabricados na China, não durariam três meses, tocariam músicas irritantes e as pilhas não estariam incluídas, é claro.

_Paiê?

_O quê?

_Da última vez a fada deixou uma nota de vinte reais pelos dentes.

_Putz, isso tudo? - eu disse.

_É, paiê. E também tinha um bilhete pedindo para eu deixar dez reais de troco.

_E você deixou?

_Não, paiê, eu não sei ler ainda.

Minha mulher me disse que a fada dos dentes fez a previsão de inflação anual chegar onde nunca antes neste país havia chegado.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal a Todos!



Augie March - One Crowded Hour

Feliz Natal à Franka, ao Bono, MWHO, Salimon, Selva, Maria, MJ, Mônica, Cynthia, Gravetos e a todos da Kombi de Leitores e suas famílias. Boas palavras a todos!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Está tudo ótimo

Eu converso com um primo em segundo grau que cursou o primeiro semestre de engenharia civil numa universidade federal. É um rapaz super-inteligente. Ele está muito empolgado com o curso. É estudioso, passou entre os cinco primeiros colocados no vestibular e tirou as notas máximas em todas as matérias neste semestre. Não é do tipo nerd, é antenado, vai aos shows, paquera, pratica esportes, etc. O garoto é um tremendo modelo.

-E o que está achando da universidade? - eu pergunto.

-É ótima. Tudo muito bem organizado e ficando ainda melhor. O reitor é ótimo e vem fazendo uma excelente administração, o campus está se expandindo, muito prédio novo, laboratórios, tem um restaurante novo para a engenharia que é uma beleza - ele responde.

-Caramba, que maravilha! Que surpresa boa! Puxa vida, confesso que não esperava ouvir isso. No meu tempo os laboratórios eram uma comédia, os professores viviam insatisfeitos com o salário, as greves estouravam a torto e direito, a área meio queria mandar mais do que a área fim, o campus era inseguro, furtos eram frequentes e a comida do bandejão não era lá essas coisas. Como é a comida desse restaurante de vocês?

_Er. O restaurante ainda não está funcionando. Mas é tudo novinho, de primeira qualidade. A gente vê pelas janelas. Tiveram um problema com a licitação. Tem mais de um ano que não conseguem resolver esse problema, mas está tudo ali, prontinho para funcionar. Tem umas coisas para arrumar, mas é tudo bem organizado. Vai ser rápido.

-Aposto que é uma beleza. E as aulas? Retorna em fevereiro?

_Isso. Mas estão falando em nova paralisação, puxada pelos funcionários. Os alunos devem se solidarizar com a paralisação por conta do pagamento de um gatilho emperrado de um tal plano Bresser retroativo. É uma reivindicação mais do que justa e os estudantes decidiram apoiar o movimento. Os professores se dividiram. Antes de fechar o semestre e rodar a folha de dezembro, os funcionários fizeram um dia de paralisação de advertência e se reuniram com o reitor - disse o meu primo.

_E? - eu disse.

_O reitor é ótimo, ele garantiu que ninguém terá um dia sequer cortado do salário. Depois disso, não sei, mas parece que o movimento de paralisação ganhou força e agora já se fala em retorno só depois de março. Mas não tem problema, porque não vou viajar.

_Vai fazer o curso de verão?

_O que é isso?

_Nada. Esse reitor é mesmo muito bom - eu digo.

_Ele é ótimo - disse o meu primo.

_Nó!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Serendipidade do Careca

Outro dia, quando estava navegando easy ryder pela internet eu me deparei com essa tal palavra nova, a serendipidade. É bem legal. Se-ren-di-pi-da-de. Treinei umas trocentas vezes para poder falar sem gaguejar, mesmo assim ainda tropeço nas sílabas, de vez em quando. O significado da palavra é "descoberta afortunada", ou encontrar uma coisa boa por acaso. Um monte de artigos na internet faz uso da palavra para tratar de descobertas científicas e sacações geniais dos inventores de coisas boas e úteis. É uma palavra do bem. E foi por isso que eu cismei com ela, porque outro dia escrevi aqui sobre as boas palavras.

Na ocasião não me lembrei de uma outra pessoa que me cumprimentava desejando boas palavras. Eu sempre a chamei de Irmã, porque é parecida com a minha irmã e tem o mesmo nome. E também porque ela tentou ser freira mas não conseguiu. Um dia eu a encontrei na fila do Detran, para marcar a prova para renovar a carteira de motorista. Estava com a cabeça careca, parecia raspada na máquina 1, as pessoas olhavam para ela como se estivesse doente. Os cabelos não estavam crescendo de um jeito legal, os tufos eram irregulares e descoloridos. Também pensei que ela estava doente. Só muito depois me toquei que ela havia tentado novamente ser freira, mas havia desistido.

Eu e a Irmã fomos colegas de universidade e de trabalho em alguns empregos. Ela começou a me contar como tinha pingado de emprego em emprego alguns anos antes e de como havia tomado a decisão de entrar para um convento, para a clausura. Falou do convento, de como era bonito, de como achava a rotina encantadora. Mas a todo momento ela desviava o assunto para me fazer perguntas, sobre os meus filhos, a minha irmã de verdade e a minha mulher. E foi estranho porque ela me pediu as fotos dos meus filhos, umas fotos 3x4 que eu carregava na carteira. Mas acabamos por conversar rapidamente, porque eu me lembrei que precisava fazer alguma coisa e ela tinha uma pessoa para pegar.

Ela dirigia um gurgelzinho na ocasião. Já estava escuro e eu a acompanhei até o carro. Era um Gurgel legítimo, pequeno e quadrado. E a pintura ainda estava boa para um carro tão velho. Fiquei surpreso com o carro e comecei a puxar a conversa de novo para o passado. Lembrei a ela que na última vez que nos vimos ela havia me desejado boas palavras. Ela sorriu e me lembrou as coisas direito. Ela havia desistido de um contrato de trabalho de dois anos para uma organização internacional. Ela havia desistido de um bom salário. Na verdade, naquele dia, na última vez que nos despedimos ela havia começado a decidir entrar para a clausura. Eu fui uma das últimas pessoas a ouvir a sua voz por quase três anos, ela me disse.

Depois disso, uma vez ela me ligou no telefone de casa, no fixo, não foi no celular. Foi só para me desejar boas palavras.

Serendipidade, para mim, talvez também seja descobrir alguma coisa que eu sempre soube, mas não prestei a devida atenção.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Os melhores do Natal

Vou listar apenas os três primeiros que me vieram à memória e que sempre tenho vontade de reler em dezembro:

1 - Oscar Wilde - O gigante egoísta - Não é um conto ambientado no Natal, mas sempre me lembro dele nessa época do ano. Há alguns anos tenho as obras completas de Wilde pela Editora Saraiva, em papel bíblia. Está em algum lugar por aqui, na minha estante. Se não me engano, foi meu amigo Ruble quem me deu de presente. O final deste e de outros contos do livro sempre me deixaram melancólico e com um aperto no coração.

2 - Paul Auster - O Conto de Natal de Augie Wren - Harvey Keitel fez o papel de Augie em Cortina de Fumaça, "Smoke". Mas como li o livro antes de ver o filme, quem ficou grudado no pelo de Augie Wren, pelo menos na minha cabeça, foi a de um sujeito parecido com o Paul Auster. Esse sujeito persegue um ladrãozinho de livros pelas ruas e só consegue pegar a carteira do larápio onde encontra uma identidade e um endereço. É um rapaz negro. O narrador vai à sua procura ladrão e acaba por visitar uma velha cega. O que acontece antes, durante e depois é tão mágico quanto os quadrinhos de Calvin e Haroldo.

3 - John Cheever - O Natal é triste para os pobres - Esse conta a história de um ascensorista que vai recebendo presentes de todos os moradores do edifício onde mora, em New York. É hilário, triste, sério e gozado. Sempre me deixa com a vontade de ler mais coisas do John Cheever.


O problema de ter saudades dos livros é a minha estante desorganizada. Demoro horas para achar o livro que estou procurando. Nesse meio tempo, esqueço o livro que procuro e começo a folhear outro que me chamou a atenção. Aí leio um parágrafo bacana e resolvo começar este outro livro, que também é sensacional. Depois me lembro que já existem três livros no banheiro, meu refúgio secreto e inexpugnável de leitura. Dois são para disfarçar e impedir que a Rose - a universitária e faz-tudo que trabalha aqui em casa - complete a bagunça de vez na estante. Já expliquei o estratagema em outros posts. Um dos três livros, Plexus, eu realmente estou lendo. E está realmente muito bom.

Mas se vocês, ó minha Kombi de Leitores, estiverem a fim de ler livros legais neste Natal, podem embarcar em qualquer desses três daí de cima. É batata.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O equilíbrio distante do Careca

Todo ano eu faço uma lista das coisas boas e das coisas ruins que aconteceram. As coisas boas e as coisas ruins acontecem todos os dias, sei bem disso, mas algumas coisas boas e outras ruins ficam mais firmes na lembrança. É sempre um exercício interessante. Seria super-bom se conseguisse fazer as duas listas sempre do mesmo tamanho e com a mesma facilidade, mas não me lembro de já ter sido assim tão simples. Em alguns anos, a lista de coisas ruins fluiu fácil, quase mecânica. Em outros anos, a lista de coisas boas é que foi feita rapidamente. Em outros, foi difícil pesar os prós e os contras, o máximo que aconteceu foi um equilíbrio distante(É lógico que não tenho um quinto da elegância do Renato Russo e não sei italiano).

Para fazer a lista de coisas ruins, eu listo as pessoas que morreram(sim, isso começa a se tornar obrigatório), as doenças que as pessoas queridas tiveram, os apertos, provocações, sapos, desaforos e os problemas difíceis que me deixaram um pouco mais careca. E então vem a lista de coisas boas. Sou um otimista tímido, tenho que retirar uma grossa camada de preconceito pessimista de cima dos fatos para reencontrar as coisas boas e bacanas que me aconteceram. Então as duas listas ficam prontas.

Aí eu começo a comparar. Os nomes dos que morreram, os nascimentos e as coisas que nasceram, das novas amizades até as idéias e historietas. Sei que sou um pouco maluco, às vezes coloco na mesma ordem de grandeza as pessoas e as coisas ditas pelas pessoas que me cercam. E uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Mas em geral faço a comparação certinha: as doenças e as recuperações. As brigas e as reconciliações. Os dias de mau-humor e os dias de bom-humor. Os meses mais felizes e os mais melancólicos. As melhores expectativas e as grandes frustrações.

E é bem besta chegar à conclusão do equilíbrio das coisas, mas é isso mesmo, nem tanto ao mar e nem tanto à terra. Não posso me queixar e não me queixo, um mínimo de estoicismo é fundamental para se manter a dignidade. A diferença é que eu prefiro, cada vez mais, me lembrar mais das coisas boas. Não que isso signifique, de alguma maneira, que eu esteja deixando de ser ranzinza e resmungão. Não senhor, não senhora. A rabugice é como o hábito do escorpião. E tem a vantagem de não provocar ferimentos fatais.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Jet - She´s a genius



Jet - She´s a genius.

É mesmo.

De cabeça para baixo

Alguém me falou que tomar água em jejum, logo depois de acordar, faz muito bem para a saúde. Eu acredito e bebo dois copos de água em jejum todos os dias.

Outra pessoa me disse que para acabar com as manchas nos dentes é preciso evitar o café. Eu evito, mas não muito. Meus dentes jamais serão brancos novamente.

Um cara disse que faz muito bem para a próstata urinar em pé e ao mesmo tempo levantar os calcanhares do chão, até doer as panturrilhas. Eu adotei o método e minhas panturrilhas vivem doloridas.

Uma outra pessoa me disse que faz bem para a saúde beber uma taça de vinho tinto todos os dias. Eu acredito, mas um ser humano que gosta muito de mim uma vez me falou que beber todos os dias faz de você um alcoólatra. Além disso, eu não gosto tanto de vinho assim.

Uma amiga me disse que largou o cigarro e que só fuma de vez em quando, sem se sentir culpada. Eu me sinto culpado só de pensar em acender um cigarro. Eu vivo dizendo para mim mesmo que sou um viciado em cigarro e que um viciado jamais se cura. Eu sei que só consigo manter o vício interrompido se ficar sem fumar. Tenho a cabeça dura o suficiente para achar que vou conseguir ficar sem fumar até o dia que eu quiser. E consigo.

Um grande amigo me disse que as pessoas devem dormir de lado, procurando manter a coluna reta paralelamente à linha da cama. O uso de um pequeno travesseiro entre os joelhos ajuda muito a se conseguir o alinhamento correto. Nunca me lembro do pequeno travesseiro antes de ir dormir. Em geral durmo torto e desalinhado, mas durmo pesadamente durante seis horas. Minha mulher diz que eu ronco. Uma vez acordei à noite assustado com um barulho à noite e descobri que era eu mesmo. Mesmo assim digo para a minha mulher que jamais escutei o meu próprio ronco, o que não chega a ser inteiramente mentira. O monstro que ronca não sou eu.

Pessoas que acham que eu estou em péssima forma física vivem me dando conselhos para fazer ginástica e correr. Sei que não estou em péssima forma física. Eu poderia ser capa da Tiozão do Chopp. Sei que jamais terei uma barriga de tanquinho. Já me conformei com isso. Não gosto de correr. Mas gosto de andar. Um monte de gente diz que a distância percorrida é o que importa e não o tempo em que a distância é percorrida. Não levo isso muito a sério porque um passeio relaxado e distraído não tem o menor efeito sobre a forma física. Entretanto, desconfio das pessoas que dizem que andar devagar não vale nada. Vale sim, faz um bem danado para a cabeça e é ótimo para escutar música, assobiar ou simplesmente prestar atenção na respiração.

Gosto de nadar. Gosto de remar. Adorava andar de caiaque no lago da cidade. Remava durante horas. Uma vez o caiaque virou comigo quando remava próximo à margem, enquanto eu escutava o walkman. Perdi o walkman, bebi água pra caramba, levei um dos maiores sustos da minha vida, mas consegui sair do caiaque e voltar a remar. Felizmente eu havia prendido os óculos com um elástico. Se os tivesse perdido, certamente teria me apavorado e, no mínimo, bebido muito mais água do que bebi. Depois dessa virada no caiaque passei a evitar remar longe da margem. Durante algum tempo, se eu tivesse pesadelos eles certamente terminariam com o caiaque virando. Desorientado, eu tentaria subir desesperadamente, com todas as forças, até tocar o fundo com as duas mãos e só então perceberia que estava de cabeça para baixo.

Um amigo me pergunta se eu me importo com as festividades de fim-de-ano. Eu digo que as datas festivas são realmente muito importantes e que eu as valorizo à beça. Eu digo também que a maioria das pessoas de todo o mundo pensa dessa maneira e é bom que seja assim. Uma longa cadeia de serviços e produtos são criadas e fortalecidas em função das datas do calendário cristão e das outras, que são muito especiais, como aniversários, casamentos, formaturas, confraternizações e férias. Disse também que temos uma longa cultura de celebração da memória e da lembrança. E teria dito mais coisas, mas ele já me olhava como se tivesse tido uma revelação ou se escutasse um louco.

E então se passaram vários dias e ninguém se interessou pelo que eu poderia dizer. Quando isso acontece durante muito tempo, começo a duvidar de mim mesmo e costumo me perguntar se eu realmente tenho algo a dizer. É um troço meio cíclico, acabo me convencendo de que não importa, o processo é o que importa, é o caminho e a busca permanente que trazem algum sentido para as coisas que fazemos. E o significado é intangível e efêmero, quando acreditamos que será possível captura-lo para uma dissecação minuciosa ele se esvanece como fumaça no ar. Nessas horas me vem novamente a sensação de estar mergulhando como se buscasse a superfície e a salvação, sem saber que estou indo na direção oposta e errada.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A dedicação da oposição

Li na Folha que os oito governadores do PSDB se reuniram e disseram que não farão oposição.

“Por mais de duas horas, Geraldo Alckmin, eleito por São Paulo; Antonio Anastasia, reeleito em Minas; Beto Richa, eleito no Paraná; Marconi Perillo, por Goiás; Siqueira Campos, em Tocantins; Anchieta Júnior, em Roraima; e Simão Jatene, no Pará; trataram dos rumos políticos do partido, ao lado de Teotônio Vilela, reeleito em Alagoas e anfitrião do grupo.” Ao ler a notícia, liguei imediatamente para D. Crédula, a bela velhinha intelectual que acredita que no Brasil ainda existem políticos na oposição.

_D. Crédula? Ficou sabendo da reunião dos governadores?

_É claro. Que turma aguerrida! Que atrevimento! Que audácia! Fiquei orgulhosa, não precisava tanto. Isso é que é resistência cívica! É um time de atacantes!

_Mas D. Crédula, o Sérgio Guerra falou que os governadores não vão fazer oposição.

_É claro, o Sérgio foi de uma esperteza peripatética. Ele, com astúcia subliminar, deixou a situação pasma por fingir acintosamente que não existe inteligência no comando oposicionista, quando é possível ler claramente nas entrelinhas e até entre os perdigotos proferidos que a oposição está onde sempre esteve.

_ Onde? Em São Paulo? Em Minas?

_Sim e também alhures e algures.

_Em Alagoas também?

_E também em Pernambuco, onde a vitória da oposição foi esmagadora.

_Mas D. Crédula, o candidato da oposição não venceu em nenhum dos mais de 160 municípios de Pernambuco. Nenhum.

_É, talvez tenha havido exagero na campanha oposicionista entre os pernambucanos. É o preço a se pagar pela veemência. O Aécio e o Sérgio são mesmo exagerados.

_Mas D. Crédula, o Jarbas Vasconcelos foi o único a fazer campanha para o Serra no estado. E ele é do PMDB, partido do vice da candidatura da situação.

_Pois é, a influência de Aécio sobre os governadores do Nordeste é tão absoluta que conseguiu atrair e cooptar o Jarbas.

_Como?

_ É o mesmo que acontece agora, quando Aécio manobra com argúcia para acalmar os arroubos da oposição extremada, sem freio nem peias, que poderia levar a um confronto antes do momento adequado. Ao mesmo tempo, espertamente, Zezim finge uma postura esquiva e sumida, quando sabemos que está atuando intensamente nos bastidores para assegurar lugar privilegiado no cenário de guerra que se avizinha.

_Será mesmo?

_Todos os sinais já foram dados. A oposição já inverteu o debate. Ao invés de reagir a provocações e humilhações contínuas, os guerreiros Aécio e Serra inovam e se sobressaem propondo o diálogo, o debate político de alto nível e abrangente. Essa coligação de governadores, que aos olhos do leigo pode parecer no primeiro momento exibir oito palermas amedrontados no canto do ringue, revela uma postura moral mais profunda e transcendental. Isso é algo que ficará enraizado no coração do povo brasileiro. Ao sublimar a covardia de uma maneira tão despudorada, os governadores da oposição mostram que estão firmes, embora pareçam resfolegar como subalternos quadrúpedes à espera da hora de buscar os chinelos do dono. É até uma maldade o que essa oposição está fazendo. Os estragos serão terríveis.

_Para quem?

_Não se preocupe, essa conta será paga.

_Já sinto no meu próprio bolso – eu disse, antes de desligar.

E depois eu fico pensando que os governadores conversaram sobre os assuntos da Carta de Maceió por mais de duas horas. É muita dedicação. É muito esforço. Devem ter ficado muito, muito, muito cansados.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Cida

Minha amiga Cida morreu nesta quarta-feira após fazer um cateterismo. Na última vez em que nos vimos ela estava animada e parecia feliz. Cida sempre foi uma mulher de fibra, de convicções firmes. Era corajosa, impetuosa e cabeça dura. E também era generosa e gentil. Vou sentir muitas saudades. Fique com Deus, Cida.

Dan Osman



Toda vez que vejo esse vídeo eu penso que estou muito satisfeito com os meus níveis de testosterona. Especialmente na hora do pulo, em 1:04.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Que venha o recesso

O colega no trabalho disse bem alto pra todo mundo ouvir.
_Cansei de preto!
_Calma aí – eu disse.
_Olha o racismo aí – grita um cara lá do fundo. É o C3PO, é claro.

E o meu colega insistindo. É um cara novo na empresa. Vive fazendo coisa de adolescente e gracinha. Acha que assim consegue se enturmar. O problema é que já deve ter mais de trinta anos. Estamos revisando um documento para publicação e esse cara fica aporrinhando.
_Cansei de preto, porra! E o que é que vocês têm com isso?
_Se liga, mano, não fala... – disse o Mr. Flowers.
_O fato é que eu estou cansado de preto. Cansado. Não agüento mais. Cansei de preto, porra!
_Vai devagar, cara...
_Olha, é o seguinte. É a minha opinião, sacou? Ninguém tem nada com isso. Tem gente que gosta. Eu mesmo já gostei. Mas tudo tem um limite. Agora cansei. E eu tenho o direito de falar. Cansei de preto, porra!
_Não fale alto – disse o Mr. Flowers.
_E como você queria que eu falasse?
_Se vai falar besteira, o melhor é ficar calado – eu disse.
_É, em boca fechada não entra mosquito – disse o Mr. Flowers.
_Vai me dizer que você gosta de preto? – disse o colega.
_Eu gosto e tenho o maior respeito – disse o Mr. Flowers.
_A quê?
_A preto – disse o Mr. Flowers.
_Eu também tenho respeito. Só que eu não gosto mais. Cansei. É possível respeitar e cansar, não é? Pois então, cansei de preto.
_Cara, eu é que já estou ficando cansado dessa conversa – eu disse.
_Mas de preto, não cansa, né?
_O que cansa é o preconceito – disse o Mr. Flowers.
_É, mas você, Careca, vive andando com um preto, eu vi! E você, Flowers, já me disse que acha lindo – disse o colega.
_Eu devia lhe estapear a lindeza agora mesmo – disse o Flowers, perdendo a paciência.
_Seu carro, ô mané! Seu carro é preto, que eu vi! – disse o colega.
_...

Dez minutos depois, o novato tenta novamente.
_Você já cheirou Coca?
_Tem o mesmo cheiro da Pepsi – eu disse.

E o novato ficou em silêncio novamente.

_Você já tomou ....
_Eu não tomo nada, eu bebo – disse o Mr. Flowers.

O recesso do final do ano está bem próximo.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Boas palavras

_Filho mais velho tem que dar o exemplo - dizia a minha mãe.

Eu não sou o mais velho, então eu ficava tranquilo. Mesmo assim, uma vez perguntei ao meu pai o motivo.

_O exemplo vem de cima, filho - ele me explicou.

Eu entendi. Era a mesma lógica do homem-aranha. A grandes poderes correspondem grandes responsabilidades. E os meus irmãos mais velhos eram bastante poderosos para mim. O que, na minha interpretação enviesada, me conferia pequena ou nenhuma responsabilidade, o que viesse primeiro. Em geral, era nenhuma.

Eu era baixo, magro, franzino, óculos de fundo de garrafa, pés chatos e asmático, o que também contribuía para o estereótipo de bom menino. Eu não devia ser um menino mau, mas estava sempre metido em encrenca, brigava o tempo todo e vivia achando que a culpa era minha. Rapaz, como eu me sentia culpado quando era menino! Os motivos podiam ser bem banais, mas a culpa era gigantesca. Se sobrava fígado no meu prato, eu não estava sendo bom porque os pobres não tinham o que comer. Desperdícios eram pecados graves e mortais. Sobras eram motivos para sermões apocalípticos. Descuidos com uniformes e calçados geravam horas de reclamações.

Se eu ficasse doente, as primeiras dez perguntas eram uma mera rotina para verificar o que é que eu estava fazendo de errado. Se eu falasse coisas como "droga" ou "desgraça" estaria fatalmente atraindo coisas negativas para mim, por livre e espontânea vontade. Na minha cabeça, eu estava sempre à beira da blasfêmia, andava no fio da navalha para ser condenado de vez, ao fogo dos infernos. O contrário não funcionaria automaticamente, caso eu falasse coisas como "felicidade" e "quero ser milionário". Ser bacana, gentil, educado e bom não garantiam passaporte carimbado para o céu se as ações não fossem, do mais profundo do coração, genuinamente bacanas, gentis e boas. E meu coração de menino duvidava cruelmente de si mesmo e da mais genuína das bondades.

Às vezes, minha mãe ficava com raiva e dizia que eu era uma peste. Meu irmão vivia dizendo que eu era uma peste. E eu mesmo achava que era uma peste. Depois minha mãe vinha e me dizia que não ligasse, que eu era um bom menino. Meu irmão dizia que eu era uma peste mesmo. Mas era só ciúmes, eu sabia.

Nesse tempo, meu pai me dizia que existiam palavras boas e palavras más. As palavras más eram más. As boas palavras eram boas. Muito tempo depois é que eu percebi que existem também umas palavras cinzas, descoloridas, que ficam nas frestas e cantos das coisas que dizemos e das coisas que não conseguimos dizer.

Ainda hoje eu torço para encontrar e dizer as boas palavras. As que iluminam e engrandecem e que nos inspiram. As que dão um aperto no coração, mas que ainda assim precisam ser ditas.

_Boas palavras! - eu desejo para mim mesmo.

_Boas palavras! - eu desejo para todos vocês.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Um trecho do discurso do Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa

(...)
"Quem duvida que a literatura, além de nos levar ao sonho da beleza e da felicidade, nos alerta contra toda forma de opressão, pergunte por que todos os regimes empenhados em controlar a conduta dos cidadãos, do berço ao túmulo, a temem tanto a ponto de estabelecerem regras de censura para reprimi-la, e vigiam com tanta suspeita os escritores independentes.

Fazem isso porque sabem o risco que correm ao deixarem que a imaginação flua pelos livros, como quão sediciosas se tornam as ficções quando o leitor compara a liberdade que as torna possíveis e que nelas se exerce, com o obscurantismo e o medo que o pressionam no mundo real. Queiram ou não, saibam disso ou não, os criadores de fábulas, ao inventar histórias, propagam a insatisfação, mostrando que o mundo é mal feito, que a vida da fantasia é mais rica que a rotina cotidiana. Essa constatação cria raízes na sensibilidade e na consciência, torna os cidadãos mais difíceis de manipular, de aceitar as mentiras que querem fazer com que aceite, de que entre cassetetes, inquisidores e carcereiros vivem mais seguros e melhor.

A boa literatura cria pontes entre pessoas diferentes, fazendo-nos gozar, sofrer ou nos surpreendermos, nos une sobre as barreiras das línguas, crenças, usos, costumes e preconceitos que nos separam. Quando a grande baleia branca sepulta o capitão Ahab no mar, o coração dos leitores se oprime do mesmo modo em Tóquio, Lima ou Tombuctu. Quando Emma Bovary toma arsênico, Anna Karênina se joga do trem e Julien Sorel sobe ao patíbulo; e quando, em El Sur, o urbano doutor Juan Dahlmann sai daquela vendinha do pampa para enfrentar o punhal de um matador; ou percebemos que todos os moradores de Comala, o povoado de Pedro Páramo, estão mortos, o abalo é semelhante no leitor que adora Buda, Confúcio, Cristo, Alá ou é agnóstico, vista terno e gravata, túnica, quimono ou bombachas.

A literatura cria uma fraternidade dentro da diversidade humana e apaga as fronteiras que erguem entre os homens e mulheres a ignorância, as ideologias, as religiões, os idiomas e a estupidez."
(...)

Peguei daqui. Tradução: Damian Kraus e Antonio Alberto Dias Castro.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A velhinha que acredita na oposição

Numa pequena cidade do interior do Brasil, lá na fronteira de Minas com São Paulo, vive uma linda velhinha que acredita que neste país ainda existem políticos na oposição. Dona Crédula é uma intelectual que não desanimou após as eleições. Ela mantém, confiante, uma vela acesa para o santinho do Serra, a quem chama de carinhosamente de Zezim. D. Crédula atribui a derrota de Zezim às declarações fortes e incisivas do candidato contra a situação, se é que eu entendi direito.

_No sentido neoweberiano do schumpeterismo exacerbado, Zezim talvez não tenha se rendido a um abstracionismo beneplacitário com a necessária ênfase. Tinha que ter sido mais propositivo nas declarações, nos discursos e nos debates. Aliás, utilizando uma linguagem mais chula, me desculpe, Zezim deveria ter esclarecido com mais concretude aos adversários oponenciais que ele estava, de acordo com o papel histórico que lhe coube, participando com servilismo canino ao processo. Ou seja, ele daria a terceira e a quarta face a tapa, como mais tarde o fez.

_Ele pegou pesado demais, D. Crédula?

_Excessivamente. Além disso, talvez tenha sido um pouco renitente ao tentar construir sua imagem por dissuasão cognitiva da imagem do outro, ao utilizar reflexos e imagens iconográficas que remetiam a um cabeludo barbudo, ao invés de um imberbe calipigiano e com olheiras. Quando a propaganda é boa demais, o povo compra a televisão.

D.Crédula gostou do vídeo de estréia na campanha eleitoral. Aquele em que Zezim usou a imagem do PR.

_Foi lindo e inteligente. Uma metáfora perfeita do desconstrutivismo abstrato que psicodelicamente se espera da social-democracia mais evoluída e pró-sustentabilidade. Infelizmente, esse aproveitamento simbólico e sub-reptício da imagem presidencial de outrora não recebeu o devido reconhecimento do público, que interpretou tudo como uma desinteria imagética despropositante.

_Mas sustentabilidade não é discurso da Marina?

_Sim, em parte, e isso explica a ocorrência da segunda etapa do processo sufragitário. Há que se considerar a propedêutica salutar da uso polissilábico na construção de expressões de uso comum, mas que nem por isso são ou deixam de ser mais ou menos inteligentes, quiçá verossímeis.

_Hã?

_A presença da Marina foi muito importante para ressaltar as possibilidades de diferentes abordagens político-sociológicas numa primeira fase de votação. Na outra, verificamos que, ao contrário do que se pensava, a cor verdejante de uma candidatura não estava atrelada a uma palpabilidade conceitual que expressasse qualquer coisa que fizesse um mínimo de sentido. Tudo era um vamos ver, vamos estudar. Mesmo assim sou obrigada a reconhecer que foi um dos principais motivos para a realização do segundo turno.

D. Crédula também gostou do engajamento e apoio da turma tucana e democrata na campanha do Zezim.

_Guerra, Maias, Yeda, e até o Jereissati foram esplêndidos. Mas Aécio poderia ter aliviado um pouco. O superuso da imagem do Zezim na campanha mineira provocou um efeito reverso obliterado pé-de-pato mangalô três vezes. Aécio mencionava, de passagem, o nome de Serra a cada duas semanas. Às vezes mais. Três semanas. É preciso relativizar e reduzir a doses homeopáticas o poder de transferência do Aecim. Usado sem parcimônia, da maneira descabida e desenfreada como foi, há que se esperar externalidades negativas. O sujeito que iria votar no Zé mudou de idéia na última hora porque já estava cansado de usar lupa para ver o tucano na propaganda do Anastasia. Como bem sintetizou o Aecim, "a lição dada teve o bis e o tri merecidos".

_E agora, D. Crédula?

_Agora é seguir unidos para a próxima, ou, quem sabe, 2018. Zezim e Aecim estão em evidente sintonia, cada um no seu canto, sem se falar há uns dois meses, conchavando com os demos de sua predileção. Essa estratégia oposicionista foi muito bem-sucedida em um país próximo à Suazilândia. Ela consiste em evitar ao máximo confrontar a situação com fatos e assuntos do dia-a-dia. Abandonando a população ao esculacho diário, será possível constituir um projeto apedêutico que garanta a vitória da social-democracia. Ou não.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A caixinha de Natal do Careca

O espírito natalino já baixou lá em casa. A árvore está montada e Rafael, o cãozinho shi-tsu da minha filha, marcou presença na área. Como a árvore foi montada sobre uma mesinha inacessível, Rafa fez um protesto líquido bem eloqüente na perna da cadeira, de frente para a árvore. Também comprei um monte de presentes com o cartão de crédito, dividindo tudo em parcelas a perder de vista. E escrevi um monte de vale-presentes, o que não é novidade.

Neste Natal, a minha nova invenção, que transmito para todos vocês da minha kombi de leitores no melhor espírito natalino, é o "vale-caixinha". Todo mundo sabe que nessa época do ano, existe uma grande quantidade de caixinhas de Natal oferecidas para todos nós. É o padeiro, o lixeiro, o porteiro, o motorista, o moto-boy, a faxineira, o lavador de carros, o entregador de pizza, o bombeiro, o vigia, o flanelinha que vigia a tua vaga, a moça do caixa da farmácia, a moça do caixa da padaria, o jornaleiro, um monte de gente no sinaleiro, enfim, a galera toda quer garantir um Natal mais farto e não hesita em pegar a primeira caixa de sapato que encontra pela frente para fazer um embrulho bem chinfrim e começar a extorquir trocados dos outros pobres. Para enfrentar essas hostes da caridade alheia, que é minha e sua, inventei o "vale-caixinha".

É muito fácil fazer um "vale-caixinha", basta seguir as instruções. Pegue uma folha de papel qualquer e escreva em português sindical: "Te devo uma merreca". Se preferir, o vale também pode ser feito com letras de forma cursiva, com a mensagem "Fica para outra vez" ou "Agora não, por favor", como achar melhor. Mantenha o papel dobrado e ao alcance da mão. Assim que a caixinha estiver próxima, enfie rapidamente o vale na abertura. Saia rapidinho dizendo "de nada, de nada, coisa à tôa, não por isso".

Hoje usei dois vales-caixinhas com a frase "Se manca, amigão", porque os caras estavam com sapatos melhores do que os meus. Isso aprendi com Balzac. Em "Ilusões perdidas", Honorè ensina ao personagem principal que para se avaliar um homem, é preciso primeiro olhar para os pés do sujeito e avaliar o calçado. E os caras estavam usando uns sapatos de couro bem bacanas, com fivelas prateadas, que dizem ser a última moda em Milão. Se bem que se eles estivessem descalços eu também teria usado os mesmos vales, porque estou sem um centavo no bolso.

Amanhã pretendo estrear uma nova mensagem no "vale-caixinha": "a felicidade não tem preço". Fiz dez vales. Não vai dar nem para o período da manhã. No período da tarde talvez eu só desenhe uma carinha sorrindo no papel.:)


P.S:"Vale-caixinha" é um produto registrado do Careca.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O Milésimo post do Careca

É este aqui. Completo nesse instante o milésimo post do blog. Fico logo me imaginando com a mesma alegria do Pelé, pulando e dando socos no ar. É, o milésimo gol foi de pênalti, o goleiro quase pegou e o Pelé estava gripado. Dizem que ele nem contava em fazer o milésimo, porque em vários jogos foi armado o circo para a ocasião e o Rei do Futebol saía de campo sem colocar a bola na rede.

Acho que é mentira. O Pelé jogava bem à beça. Além disso, o importante é a mensagem do Rei: love, love, love.

Comigo, guardadas as devidas proporções, deixando claro que não sou rei de nada, o sentimento é o mesmo: love, love, love.

E também posso dizer que estou gripado.

Para marcar essa ocasião especial, além de estar socando o ar tem bem uns dez minutos, gostaria de fazer uma citação especial:

"De repente, fica claro para você que, quando Deus criou o mundo, Ele não o abandonou para ir sentar-se em contemplação - em algum lugar do limbo. Deus fez o mundo e nele entrou: eis o significado da criação."

Não, isso não é de nenhuma Papa. É da página 47 de Plexus, do Henry Miller.


Num trecho anterior, ele também escreveu:

"O passado(de Mona) era um sonho fabuloso que ela distorcia à vontade. Ninguém jamais devia tirar conclusões do passado - um modo nada confiável de avaliar as coisas. O passado, na medida em que equivalia ao fracasso e à frustração, simplesmente não existia."

Dessa milésima postagem, minha caríssima kombi de leitores, é possível tirar duas conclusões:

1 - Henry Miller não era muito religioso, mas também não era ateu.

2 - Mona, a mulher de Henry Miller, poderia ser Presidente da República Federativa do Brasil.

Planejei cuidadosamente o que blogar quando chegasse ao meu milésimo. Mas eu não previ que os pulos e os socos no ar fossem me deixar com cãibras. Ai. E não dá para ser melhor do que o Rei.

É isso aí: love, love, love.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Jackson Jackson - Love Man



A turma do The Cat Empire se separou. Aí surgiu o Jackson Jackson.
É o pop australiano na cabeça.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O problema de voltar a ler

O problema de voltar a ler é que diminui o tempo para escrever. E o tempo já está muito curto para qualquer das duas coisas. Cortei TV. Cortei ouvir muitos discos. Cortei o aeromodelismo. E o resto, que não é desimportante, não dá para cortar. De vez em quando, é preciso brincar de um jogo de tabuleiro ou de cartas com as crianças, por exemplo. E ultimamente, o Can-can tem feito muito sucesso aqui em casa. Tem também o jogo da memória. Minha filha é tão extraordinariamente boa nesse jogo que começou a ficar sem graça.

Tentamos xadrez, algumas vezes, mas ainda não sei despertar entusiasmo nas crianças com esse jogo. A lembrança de mim mesmo aprendendo lições indeléveis de xadrez com o meu pai sempre me assalta nessas vezes. Mas não chego aos pés dele como professor e as crianças se entediam rapidamente.

Existem um monte de jogos de tabuleiro. Torrinha. Damas. Banco imobiliário. Quebra-cabeças. Também desenhamos e rabiscamos no papel, só para relaxar. Com tanta atividade, sobrava pouco ou nenhum tempo para leitura noturna e blogar. Por isso, em geral, eu blogava e depois ia ler um romance policial rapidinho, antes de dormir.

E aí me deu uma saudade grande dos livros grandes, os que fazem pensar. Deixei os policiais de lado. Afastei o Helman Melville. As aventuras de Gulliver. Eu me concentrei em Dostoéivsky e Miller. Estabeleci uma ordem de prioridades. Ler primeiro o que estivesse à mão dos dois. Corri para a estante e lá estava Plexus, brilhando de novo, ainda embalado. É o segundo da trilogia, mas não importava mais. Sei que vou reler tudo de novo quando acabar. É por isso, então, que ultimamente tenho sido bem desleixado com o blog.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

The Transatlantics



Post 990 - O nome da música é Tea Legs. O grupo se chama The Transatlantics. Jazz funkeado de primeira qualidade que combina com a minha preguiça de escrever na noite de hoje.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Easy to be hard - Cheryl Barnes





É a música mais bonita de Hair. É a que coloca a pulga atrás das nossas orelhas. É a que faz a gente pensar que todo o filme foi feito para ela. E talvez tenha sido mesmo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A técnica do Didi reverso e os segredos do Careca

As pessoas que trabalham comigo, em média, são mais jovens do que eu uns dez anos. Isso, por um lado, é bem legal. Fico sabendo mais sobre os discos novos, os livros que a moçada anda lendo. Aprendo expressões que estão na moda e difundo gírias velhas, como putzgrila. Mas em geral, é meio solitário ser mais velho do que essa "garotada". Às vezes me chateia, porque faço referências a coisas que eles não conhecem e recebo um monte de caras de paisagem em resposta.

O grupo de pessoas mais velhas, da minha faixa etária, responde melhor a essas referências mas isso também não me anima. Esse grupo é até meio gregário, mas não me sinto muito próximo desses caras. Alguns tiveram filhos mais tarde, como eu, mas a maioria é de gente que se dedica muito à carreira. São pessoas que prezam muito o sucesso profissional. E por isso sacrificaram vida pessoal, família e bom humor. São muito vaidosos e dão um jeito de começar quase todas as frases com "eu".

Alguns são visivelmente depressivos, alternando momentos de euforia com crises de irritação profunda. São emotivos, pedem desculpas com facilidade e também se esquecem rapidamente das grosserias que acabaram de cometer. Não têm pudor. Dão um jeito de lhe contar coisas cabeludas para pedir o seu segredo. Eles nem se importam muito com o segredo em si e muitas vezes se esquecem de que já contaram aquele segredo outras vezes. O importante é checar se você não vai dar com a língua nos dentes.

Escolado, eu fujo dessa galera deprê como posso. No minuto em que os segredos são ensaiados, eu saco do meu celular e peço um segundo para uma ligação urgente. É o contrário do que fazia o Didi, dos Trapalhões, lembra? Quando o Didi queria falar alguma coisa com uma pessoa qualquer, ele fingia jogar o lápis no chão para chamar a atenção da pessoa.

_Ô psit, caiu o lápis aqui...

Então o Didi cochichava no ouvido do Zacarias ou do Mussum.

Eu faço o contrário. Tiro o celular do bolso e cochicho primeiro nele, como se estivesse recebendo uma misteriosa ligação particular. Eu fico franzindo a testa, pisco forte e peço para o meu interlocutor imaginário esperar um pouco.

_Por favor, aguarde um instante...sei...eu sei...eu falo num minuto... só um instantinho...

E com gestos indico para o sujeito que quer contar o segredo que depois eu volto, que preciso resolver o assunto da ligação, que é urgente, é urgente.

A mania de querer contar segredo para mim atinge a turma dos jovens de outrora e também a garotada.

No início achei estranho. Depois comecei a pensar e perceber que as pessoas deprês dos dois grupos não estão interessados em contar segredos para mim. É bem possível que eles estejam achando que eu é que tenho cara de quem está louco para dividir um segredo, jogar uma conversa fora, só para passar o tempo e criar uma falsa sensação de intimidade. Quem sabe?

Para tirar a dúvida, entrei no elevador com um colega da turma dos jovens de outrora, o Mr. Flowers.

_O que é isso na sua boca? - ele disse.

_Uma reação alérgica a abacaxi. Meu lábio inchou e rachou - eu disse.

_É, na sua idade as alergias aparecem da noite para o dia, tem que ter cuidado - ele disse.

_E como vocês lidavam com as alergias, no seu tempo? - eu disse.

_No meu tempo? Como assim? - ele disse.

_No seu tempo as alergias eram comuns? - eu insisti.

_Não me lembro - ele disse, desconfiado.

_Ou é segredo? - eu disse.

E imediatamente o Mr. Flowers sacou o celular.

_Um segundo só, é uma ligação urgente.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sobre a campanha pela volta do hífen

Não é bem a volta do hífen. Seria mais correto falar da antiga regra de uso do hífen.

Sou um saudosista, confesso. Mas veja autorretrato. É assim que se escreve pela regra da reforma ortográfica. Eu prefiro mil vezes auto-retrato. Até o corretor automático de texto concorda comigo. Com autorretrato, ele fica vermelho de raiva. Eu também fico irritado com o novo auto-retrato. Parece fora de foco. Eu fico achando que é em 3D, sobra “r”.

Autossustentável é outra que me deixa mais vermelho que o corretor automático, quase roxo. O “s” extra que a nova regra obriga me deixa com a impressão de que um militante do movimento verde está se aproximando para me cuspir por causa de crimes ecológicos que eu nem cometi. É bem verdade que não sou nenhum santo. Mas os pecadilhos verdes que cometo não são tantos assim, eu juro que troquei as sacolas plásticos por caixas de papelão. O problema é que nunca tem caixa quando eu faço compras.

Autoanálise eu vivo fazendo, mas à moda antiga, amparado pelo hífen, ouvindo o conselho de poucos e bons amigos e amigas. Autocontrole nunca tive muito, por isso não importa a maneira como escrevo. Quanto a antirracista e antissocial , considero essas duas novas ortografias aberrações impostas pelo mau gosto de dicionaristas recalcados, que deveriam ser presos ou, no mínimo, obrigados a fugir pelos esgotos pluviais de obras do PAC em morros pacificados.

Minissaia também parece grande demais com o acordo ortográfico. Eu tiraria pelo menos um “s” para ficar de bom tamanho. Antivírus é outra. Dá vontade de espirrar todas as vezes que vejo escrita sem hífen. E por causa do espirro chegamos a ultrassom. A nova redação parece reforçar o poder sonoro, parece ecoar nos ouvidos não é ? Então. Só que ninguém nunca escutou o ultra-som. Rá. Rá. Ele é usado para formar imagens, lembra? Hein? Hein? Ultra-som, bebês, exames super-legais...ops.

Pela regra nova, hiper, inter e super só podem ser usados com hífen nas palavras que começam com h ou r. Acho um super-absurdo, um hiper-abuso que só pode ter partido de pessoas que deveriam estar er... in-ter-na-das, na falta de um inter melhor.

Outro que mudou com a nova regra é o velho e bom sub, que eu costumava usar a torto e a direito com qualquer substantivo ou infinitivo que eu quisesse hum, subverter. Agora só pode hífen depois de sub quando a segunda palavra começa com b, h ou r, como em sub-base de batráquios do sub-reino dos sub-humanos panacas que adoram mudar as regras por falta do que fazer. Além de ser uma regra prá lá de sub-besta, fica bem difícil inventar uma música para decoreba com essas iniciais sem ofender algum mineiro. Outra regra que complica a feitura de música é a que só deixa usar hífen com pan e circum com segundas palavras começadas com h, m, n ou as vogais a,e,i,o e u. Eu mesmo só sei disso porque fui esperto e mandei tatuar essas letras no meu pulso esquerdo, que eu sempre consulto quando estou em dúvida.

O uso obrigatório de hífen depois de qualquer vice, no entanto, me parece bastante aceitável. Posso conviver com ele. Só não sei se o Temer conseguirá. Rá.Rá.

Por último, não gosto do novo jeito de usar mini sem hífen, como em minirreforma. Não é preconceito. Só parece que não consertou nada. O r extra parece um tijolo colocado por pura preguiça por um pedreiro pirracento. Parece o sinal de uma infiltração perigosa, que fará a palavra inteira se desmoronar. Prefiro mini-reforma. Mini mesmo. E por ser tão pequena, bem que poderiam ter deixado isso de lado, né?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A vaidade dói

Ela é minha colega de trabalho. Na saída, em frente ao elevador, eu pergunto:

_Vai viajar?

_Não, por quê? - ela estranha.

_É por causa da mala de viagem à sua frente. Em geral, quando as pessoas estão com a mala de viagem, com alça telescópica e tudo, é porque pretendem viajar - eu disse.

_Ah, mas não é o caso. Estou com dor na coluna e a mala é só para levar e trazer os papéis para o trabalho - ela disse.

_Caramba, você trouxe a enciclopédia britânica aí?

_O quê?

_Nada. Mas essa bolsa enorme não pesa? - eu disse.

_Pesa - ela disse.

_E por quê não a prende na alça telescópica da mala? - eu disse.

_Vaidade - ela disse, com uma careta de dor.

-Cruzes - eu disse, sem querer.

domingo, 28 de novembro de 2010

Copa do Mundo? Olimpíadas?

Sim, nós temos a hospitalidade. Sim, nós temos um povo maravilhoso. Mas convenhamos, não dá para fazer uma festa de arromba desse jeito. Em três anos e meio o Rio estará livre dos crônicos problemas de segurança, sem falar da infra-estrutura de recepção e hospedagem? Em três anos e meio, o Distrito Federal terá aeroporto, estádio e hotéis suficientes para abrigar 300 mil pessoas numa Copa do Mundo? São Paulo terá condições de fazer a mesma coisa? E ainda teremos transposição de São Francisco, trem-bala e pré-sal?

Não sei. Acho que não. Não vai dar pé.

Não custa lembrar que há dois anos se espera a conclusão do alargamento de uma pista de ligação entre Taguatinga e o Plano Piloto, aqui, no Distrito Federal. O lugar que tem educação, saúde e segurança bancados com recursos federais não oferece serviços de saúde e educação compatíveis. Em termos de segurança, só estamos bem até a próxima fatalidade. Os assassinatos mais terríveis ficam sem solução. Agora se descobre que o déficit do Governo do DF chega a 800 milhões de reais e já se fala em atraso no pagamento do 13 salário dos funcionários da educação, segurança e saúde. Ninguém tem culpa de nada. Ninguém é responsabilizado.

Na pressa para chamar a atenção e "garantir" a obra, o desmazelado governador tampão local mandou botar pra quebrar no estádio Mané Garrincha. Não era grande coisa, mas agora é só um punhado de cacarecos.

Novamente, ninguém será responsabilizado. Ninguém tem culpa de nada.

Acho que deveríamos, urgentemente, repensar a coisa, chamar a turma da Fifa e do COI e dizer, olha pessoal, foi mal, mas não vai dar.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A guerra contra os traficantes no Rio de Janeiro

Eu queria ter lançado hoje uma campanha pela volta do hífen. Mas as imagens do Rio de Janeiro não me saem da cabeça. Eu gosto do hífen à moda antiga, antes da reforma ortográfica. Dá uma coesão mais equilibrada para as palavras. Acho que nunca usei direito, mas gosto daquele hífen. Infra-estrutura, por exemplo. Acho que fica mais legal com hífen. E no Rio de Janeiro, falta muita infra-estrutura.

Não conheço muita coisa do Rio e não tenho a menor noção dos problemas da cidade. Mas acho que falta infra-estrutura. Simplesmente porque falta infra-estrutura em todas as grandes cidades do país. Também faltam oportunidades e empregos, a educação é precária, os hospitais estão lotados, o transporte público é uma droga,a população desconfia da polícia e a corrupção, o nepotismo e os baixos salários afetam negativamente a qualidade de tudo. Os políticos só se importam com o calendário eleitoral. Todo mundo quer o seu pirão primeiro.

Não consigo imaginar o que vai acontecer no Rio. O noticiário destaca que desta vez, diferentemente de outros incidentes espetaculares, a população consegue perceber claramente quem é do "bem" e apóia as ações dos policiais e militares. Mas se a situação é mesmo de guerra contra os narcotraficantes, a coisa está só começando. Até onde sei, também não vi nenhuma menção a diálogo entre a Prefeitura e as outras instâncias de governo. Só ouvi falar de Governo Federal e Governo Estadual conversando e combinando ações. Seja como for, tomara que uma instância não boicote a outra.

Também torço para que as tradicionais calamidades que assolam as grandes cidades(chuvaréu, deslizamentos e enchentes)não venham complicar ainda mais a vida do povo do Rio de Janeiro, onde tenho excelentes amizades. São pessoas do bem. Muitas delas nunca vi pessoalmente, só acho que conheço porque frequento os blogs. Sou besta e de tanto ler as coisas dessas pessoas, acabo por considerá-las amigos e amigas do peito. Tomara que estejam todos bem e em segurança.

Começarei outro dia a campanha pela volta do hífen.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Greve de jardineiro engorda

Brasília é uma das cidades mais cheias de gramados que eu conheço. Todas as superquadras são gramadas. E é realmente um privilégio poder andar de manhã, bem cedo, em volta do gramado. Todos os dias eu passeio com o Rafa, o cãozinho shit-tsu da minha filha. No início, quando essa tarefa sobrou para mim, achei um saco. Mas hoje curto à beça o passeio com o cachorrinho.

A quadra é bem arborizada, existem algumas árvores frutíferas, como mangueiras, e de manhã é bem bacana porque é possível ver e escutar muitos pássaros. Já vi de tudo. Do currupião ao canário. De vez em quando chove, e por isso eu passeio de guarda-chuva. Mas no Planalto Central, basta uma chuvinha de nada para a grama crescer feito doida e virar matagal. Em poucos dias, o gramado amarelo ressecado se transformou em verde esmeralda.

Aí começou uma greve na empresa que cuida dos jardins da cidade. Era Novacap, mudou para Belacap, ou um nome parecido. Dezenas de jardineiros cruzaram os braços. O gramado da minha quadra sobe rapidamente. De manhã, o Rafa mergulha entre as moitas de gramado. Os pássaros enlouquecem. Cada pulo em moita levanta uma nuvem de insetos, comida fácil para os passarinhos. Os bichos estão gordões. Outro dia vi um João-de-Barro com dificuldades para entrar na casa dele.

A grama alta também dificulta o passeio com o Rafa. É que muita gente põe o empregado para passear com o cachorro. E os empregados não colocam a mão na massa, não recolhem o cocô do cachorro do patrão nem que a vaca tussa. Mas além dos empregados, muito patrão também faz cara de paisagem. Eu vejo muito marmanjo e muita dondoca fingindo que o cachorro não fez nada. Nessa hora dá vontade de ter um pitbull.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Jabutis

Ouvi falar de uma campanha para que o Chico Buarque devolva o Prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Ficção que ganhou neste ano. Depois ouvi falar da campanha contrária, para que o Chico fique com o Jabuti.

Não assinei nenhuma das petições on-line.

O Chico tem um índice de acerto ao Jabuti impressionante. Ele escreveu quatro livros e levou Jabutis em três deles. O primeiro foi em 1992, por Estorvo. Em 1995, publicou Benjamim - que não ganhou Jabuti. Em 2004, foi premiado com Jabuti por Budapeste. E agora, por Leite Derramado, Chico leva o seu terceiro Jabuti. De quebra, levou também um Jabuti pelo 2º lugar na categoria romance. Assim, fechando as contas, Chico tem na estante três Jabutis "grandes" e um Jabuti de 2º lugar.

_O que você acha? - eu perguntei para o Mr. Flowers, meu colega de trabalho.

_Na minha humilde opinião, deveriam ficar vigiando o Chico e assim que ele publicasse um livro já fossem logo correndo para fazer a entrega do Jabuti - ele disse.

_E você, Odara, o que você acha? - eu perguntei. A Odara é uma colega nova, muito louca. O nome é fictício, é claro. A Odara me lembra aquela música do Caetano.

_Eu vou assinar a petição para que o Chico fique com mais de um Jabuti, mas só se ele quiser, né? Eu gosto mais é de coelhos - disse a Odara.

_Também acho que deveriam fazer um arrastão nos Jabutis dos anos anteriores para entregar para o Chico - disse o Mr. Flowers, sem que eu perguntasse.

_Eu amo o Chico. Muito - disse Odara.

_Sou mais a Marieta - disse o Mr. Flowers.

_Pelo Chico, eu também comeria jabuti - disse Odara.

_Cuidado com a dor na coluna - disse o Mr. Flowers.

É um assunto polêmico.

E como fiquei muito preguiçoso de polêmica depois de Caçadas de Pedrinho, vou ficar na minha, sem proselitismo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pés tímidos

No trabalho, uma amiga vem mostrar o esmalte das unhas pra outra, que tem um cubículo perto do meu.

_Nossa, que linda!- diz a amiga.

_É laranja choque, última tendência - diz a outra, rindo de orelha a orelha, orgulhosa.

_E por quê as unhas dos pés são de outra cor? - pergunta a amiga.

_É um esmalte clarinho, bem transparente - diz a outra, sem responder.

_Sim, mas a cor é diferente por causa de quê? - insiste a amiga.

_É uma corzinha discreta, ué, combina com os meus pés tímidos...

Eu ri, sem querer.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O Careca e a polêmica de Caçadas de Pedrinho

Kombi, a Cynthia me mandou a mensagem abaixo em função de dois posts anteriores, a respeito de um parecer do MEC sobre o Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato.

Careca,

Embora eu tenha inicialmente concordado com vc, a questão realmente é outra. Em primeiro lugar, trata-se de um parecer efetuado por professores universitários (não por burocratas) em resposta a uma denúncia de um cidadão com base nos critérios estabelecidos pelo próprio MEC para a compra dos livros a serem distribuídos nas bibliotecas das escolas públicas.

Segundo avaliação do parecer, obras clássicas como aquelas não podem e não devem ser banidas das escolas, mas, em conformidade com o que estabelecem o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Parametros Curriculares Nacionais, as Leis de Diretrizes de Base, dentre outros, as obras distribuídas nas escolas não podem conter estereótipos de raça/cor, sexualidade etc.

O problema, então, é como conciliar a legislação com a importância de clássicos que, devido ao período em que foram escritos, não atentavam para isso nas obras infantis. E acho, sinceramente, que o parecer do MEC foi perfeito nesse sentido: recomendar que os professores sejam formados de maneira a poder trabalhar essas questões em sala de aula e que a editora responsável pela impressão dos livros que serão adquiridos pelo MEC para compor as bibliotecas das escolas (e apenas essa!) coloque uma nota mencionando estudos sobre (como se trabalhar) a presença de estereótipos na literatura infantil. Em nenhum momento o parecer qualifica a obra de racista (como vc e eu afirmamos com base na Falha de São Paulo), sugere seu banimento ou alteração no texto original.

Por que vc não dá uma olhadinha no parecer? Tá disponível no site do MEC.

Bjs!




Cynthia, tenho o maior respeito por você, professora dedicada, pesquisadora, livros publicados e intelectual de boa cepa. Você é um ser humano inteligente e que gosta de debater as coisas com clareza e objetividade. Gosto de você pacas. Se você mudou de idéia é porque está profundamente convencida de que sua primeira impressão foi equivocada. Eu, por minha vez, mantenho a minha opinião, porque estou profundamente convencido de que a minha primeira impressão funcionou como uma bagatela de fliperama. Toda vez que desconfio do governo eu me sinto com se um monte de luzinhas se acendessem e pipocassem barulhinhos maneiros na minha cachola.

Mas se a questão realmente é outra, em parte ela é a mesma: “as obras distribuídas nas escolas não podem conter estereótipos de raça/cor, sexualidade etc.” Concordo contigo que do ponto de vista do dirigismo central, faz o maior sentido a resposta dos scholars. Para mim, no entanto, a coisa toda tem jeito de censura, parece com censura, tem um “não” de censura e um “parecer” com o maior jeitão de censura. Por isso, continuo achando que o ocorrido é nebuloso, tem versões estapafúrdias e conflitantes, e por isso mesmo constitui vitória da censura e da obtusidade politicamente correta.

Não consigo pensar num bom motivo para que uma obra distribuída na escola não possa conter estereótipo de raça/cor, sexualidade ou etc. É como dizer ao músico que ele só pode compor músicas sem gritos de ié-ié-ié. Ou ao Donald que não pegue a varinha de marmelo para dar uma surra nos sobrinhos. Ou falar para um pintor que ele não deve pintar líderes políticos e religiosos sendo torturados e assassinados. Cacilda! Toda a arte ocidental teria que ir para o oblívio porque Cristo não poderia ser representado na cruz. E não estou dizendo que os clássicos são intocáveis. Nada disso. Os clássicos nem de longe representam unanimidade. Acho que obras literárias e artísticas, infantis ou não, podem conter estereótipos de qualquer coisa e ainda assim serem muito instigantes, transcendentes, inteligentes, belas, enriquecedoras e super-legais.

Professores também podem ser burocratas. E se houve parecer, ele foi burocrático e deixou em aberto precedente para novos questionamentos espúrios e enviesados em relação aos clássicos e aos não-clássicos. Estamos falando de livros para crianças, onde a idéia geral é, “ei, crianças, leiam porque é um hábito maravilhoso que abre um mundo fantástico para a vida de vocês”. O que está em risco é que novos bananas questionem a distribuição de livros de Orígenes Lessa, Esopo, os Irmãos Grimm, Malba Tahan ou qualquer outro escritor por uma alegação besta qualquer. E desse modo, professores vão burocraticamente responder de modo burocrático que “ei, as criancinhas só poderão ler isso aqui se os professores forem bonzinhos e bem formados, se tiver debate antes e depois da leitura, se todo mundo lavar as mãos e se o livro tiver uma nota dizendo isso e mais aquilo, viu.”

Sem brincadeira, você acha mesmo natural que uma comissão de professores universitários seja chamada para escrever um parecer sobre um livro infantil, clássico ou não? E que esses indivíduos determinem que o livro seja precedido por uma nota a título de contextualização ou que remeta a novos textos sobre o tema? E que isso seja pré-condição para que o livro seja distribuído depois de impresso pela gráfica contratada pelo governo? Sinceramente, não consigo imaginar Alice no País da Maravilhas com a circulação e distribuição em escolas condicionada a notas de autoridades da educação do Reino Unido. Ou Peter Pan. Oliver Twist. Dom Quixote. O Corcunda de Notre Dame. Viagem ao Centro da Terra. Vinte Mil Léguas Submarinas. A Ilha do Tesouro. Robinson Crusoe. O Conde de Monte Cristo. Os Três Mosqueteiros. O Máscara de Ferro.

Mas a lista continua. Imagine Os Meninos da Rua Paulo com uma enfadonha nota contextualizando as brigas de turmas na Hungria. Moby Dick com a nota sobre o terrível hábito de caçar baleias dos baleeiros. Capitães de Areia e o uso da capoeira legitimado pela injustiça social. O Menino Maluquinho, a eliminação de hospícios e a liberação de maníacos homicidas nas ruas. Nááá. Nem vou falar de Edgar R. Burroughs, e o meu favorito da infância “Tarzan, o rei dos Macacos.” Clássico como esse, jamais entrará em lista de livro de nenhuma administração.

Notas e pareceres desse tipo, com toda a franqueza, só me fazem pensar em regimes totalitários e dirigismo central. Burocracia lenta e paquidérmica.

Acho que o Governo Federal não deveria estar metido com a impressão e distribuição de livros infantis. Sou a favor da liberdade de escolha pelas próprias escolas(pais e mestres) entre os livros que estão no mercado. Nas escolas privadas funciona muito bem. Com isso feito regionalmente, com a possibilidade de escolhas locais, as chances de maior pluraidade e inclusividade seriam maiores.

Acho que o Governo Federal não deveria estabelecer uma lista única de livros a serem distribuídos. Isso também cheira a controle de mercado. Por mais isento que seja o processo licitatório, o governo favorece a criação de uma gráfica supervencedora, além de garantir a aquisição de erros de editoração e logística similares aos que assolam o Enem. E falo isso numa boa, como uma possibilidade concreta que a prática já mostrou que existe, mas que um monte de gente, boa ou não, não admite e não dá o braço a torcer para o que já ocorreu. O Governo Federal, mal-acostumado com o sucesso do sistema de repasse direto de recursos aos cidadãos pelas bolsas-moles e sem contrapartida, está bypassando a federação. Agora, em tudo, quer dar uma beiçola para os governos estadual e municipal e age sozinho, sem cooperação e sem articulação, com concentração de recursos, acumulação de erros velhos e novos, e palha alta e seca, favorável ao fogo da corrupção.

Acho mais um montão de coisas. Sobretudo, acho que essa história está mal-contada e por isso fui até lá, seguindo a sugestão da Cynthia, à procura do parecer no site do MEC. Não achei o parecer, confesso que também não procurei muito, só uns 15 minutos. Achei a notícia abaixo, que reproduzo:


CNE voltará a analisar parecer sobre obra de Lobato
Quinta-feira, 11 de novembro de 2010 - 14:44
O Ministério da Educação devolveu ao Conselho Nacional de Educação (CNE), nesta quinta-feira, 11, o Parecer nº 15/2010, sobre a obra literária Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. A autoria do parecer é da Câmara de Educação Básica (CEB) do CNE.

A Câmara de Educação Básica, conforme nota transcrita a seguir, pretende fazer nova análise do parecer em sua reunião ordinária de dezembro. Será verificada, então, a existência de pontos que possam, eventualmente, ter sido mal-interpretados.

A nota:

“A Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), reunida no dia 9 de novembro de 2010, debateu sobre a repercussão do Parecer CNE/CEB nº 15/2010, tanto na mídia em geral quanto em manifestações diversas, favoráveis e contrárias, que foram recebidas ou veiculadas pela internet.

“A CEB, assim como o Conselho Nacional de Educação, reafirma seu compromisso com a defesa da mais ampla liberdade de produção e de circulação de idéias, valores e obras como máxima expressão da diversidade e da pluralidade ideológica, estética e política no regime democrático vigente em nosso país. Consequentemente, repudia e combate toda e qualquer forma de censura, discriminação, veto e segregação, seja em relação a grupos, segmentos e classes sociais, seja com relação às suas distintas formas de livre criação, manifestação e expressão.

“O CNE, em sua análise das questões trazidas a este conselho sobre o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, no referido parecer, não excluiu, não desqualificou e não depreciou a obra analisada. A CEB, no cumprimento de suas obrigações legais e regulamentares, tão-somente recomendou e dispôs sobre os cuidados necessários ao seu aproveitamento com fins educativos.

“A CEB considera, de todo modo, que o debate provocado pelo parecer está sendo importante por trazer à luz a questão do racismo e dar visibilidade às formas de preconceito e de discriminação ainda subsistentes na sociedade brasileira. Assim, a partir da devolução do parecer pelo MEC, a CEB procederá à devida análise do mesmo em sua reunião ordinária, em dezembro, a fim de verificar se existem pontos que possam ter sido eventualmente mal-interpretados quando de sua primeira publicação.”

Assessoria de Comunicação Social


Depois de ler "(...)e dispôs sobre os cuidados necessários ao seu aproveitamento com fins educativos" eu pensei comigo mesmo: porra, como é lindo o burocratês. Cuidado necessário tem o maior jeitão de “uso restrito”, de “medicamento controlado” e também de “mantenha fora do alcance das crianças.” Numa boa.

E assim, a polêmica ficou para dezembro.

Bjs, Careca

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Outra sacanagem

Outro dia escrevi aqui sobre a babaquice feita com um livro do Monteiro Lobato, o Caçadas de Pedrinho, acusado e rotulado de racista. Teve muito marmanjo por aí defendendo essa sacanagem. Li até uns caras que se dizem professores defendendo a iniciativa, ou dando uma de deixa-disso, cheios de "não é bem assim" e "veja bem".

Ora, como diria meu velho e bom amigo Natal, "pra cima de muá, não". Medalha é medalha. Sabão é sabão.

O que ocorreu foi que um grupo de burocratas (eles existem no executivo, no legislativo, no judiciário e principalmente fora, na fila do gargarejo) rotulou um clássico de racista. O grupo também recomendou que as escolas o retirassem das prateleiras das bibliotecas e impediu a distribuição de novos exemplares. E para completar, os sábios burocratas também decidiram que para o caso de alguns miúdos conseguirem pegar um exemplar escondido, as novas publicações da obra deverão conter um prefácio estupefaciante escrito por um gênio da contextualização. Esse gênio vai explicar porque o livro é racista e também porque o Visconde de Sabugosa é obviamente pansexual: essa é fácil - foi comido, roído e babado pelo porco Marquês de Rabicó.

Agora um juiz proibiu a distribuição de um livro porque um dos cem contos ali reunidos, do Ignácio Loyola Brandão, foi considerado obsceno. Se esse tipo de coisa pretensamente correta prevalecer, estamos fritos. No meu tempo de menino, é óbvio que surtiu o efeito contrário. Nos anos 70, a rebeldia era quase uma obrigação da juventude. Só li Zero, do mesmo Loyola Brandão, porque na orelha do livro dizia que o escritor estava careca de ter livro proibido.

_Deve ser jóia - eu pensei, com a gíria da época. Mas não era como o Primo Basílio, que minha mãe tinha dito para não ler ainda, que era livro de adulto. Também não tinha metade das sacanagens dos romances de José Lins do Rego ou do Jorge Amado. Ou do Velho Testamento, onde rola de tudo, até incesto com estupro duplo de um ancião(Noé). Mas gostei de ler o Loyola e tenho o maior respeito pelo escritor.

Sacanagem. Lembro do Maristinha, onde estudei. O professor Djalma manda a Ana Theresa ler Ana Terra, do Érico Veríssimo. Nesse dia, era a parte em que o Índio sobe as mãos sobre as coxas de Ana, como se fosse uma caranguejeira...A Ana da minha sala parou na metade, vermelha. Aí a Socorrinha continuou a leitura, numa boa.

Sacanagem pura é um conto do Loyola e também outros 99 contos estarem proibidos de chegar até as escolas. Não sei, não. Do jeito que a coisa vai, com a turma da academia silenciando ou imitando foca de circo antigo para tudo que é besteira da alta burocracia, é melhor tratar de ampliar as estantes. E também reler Farenheit 451do grande e genial Ray Bradbury.

Para os meus filhos, já está no quarto, em lugar nobre e acessível, a coleção completa de Monteiro Lobato. Foi um presente dos avós argutos, sempre inteligentes e instigantes. Do Ignácio, tratarei de comprar obras completas. Também vou correr atrás de um desses livros de 100 contos. E assim farei. Para cada obra proibida, tratarei de correr atrás de um exemplar. A cada recomendação negativa, a leitura atenta e crítica. Dez pessoas que falam fazem mais barulho do que dez mil que silenciam, dizia Napoleão.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Subway - It´s only mistery - Eric Serra



Do filme Subway.

Sobre doações, trocas e tratos

Ultimamente poucas coisas novas têm me chamado a atenção. Continuo dispersivo e pouco focado como sempre, mas em geral exercito a minha dispersão sobre coisas que não são de ontem. Isso também vale para o meu guarda-roupa. Está chegando a hora do ano em que é fácil organizar as doações de roupas. O que passou muito tempo guardado, vai para uma outra pessoa. Minha mulher me vigia nessa hora:

_Vai dar essa camisa? Mas foi presente de Fulano!- ela diz.

_Fulano que me desculpe, mas quase não usei essa camisa. Vai para uma pessoa que usará - eu digo.

_Está tão novinha - diz ela.

_Ficou guardada o ano todo, não vou usar, não adianta.

_E por quê não trocou? - ela pergunta.

_Eu queria trocar, mas você não deixou, lembra?

_Porque o Fulano veio nos visitar uma semana depois de dar o presente, lembra?

_E você me fez usar a camisa quando ele nos visitou, lembrei.

_E por causa disso você tirou a etiqueta da loja - ela diz.

_E isso me fez perder o direito de troca, nem tentei reclamar.

_Tem gente que dá um jeito de colocar a etiqueta de novo - diz ela.

_Nem pensar. Comigo não. Isso é trambique.

_É legítimo, está dentro do período de troca - ela diz.

_É nada. Troca é quando a gente não gosta e não usa. Tirou da embalagem, fez careta e levou para a loja - eu digo.

_Não, senhor. Troca é devolver a mercadoria dentro do prazo de devolução - diz ela.

_Tudo bem, pode ser. Mas se eu usei uma camisa a noite toda, acho que não tenho direito de devolver no dia seguinte. Isso é antiético.

_Hum, isso é pre-gui-ça de ir até a loja devolver, isso sim.

_Tem razão, é preguiça de usar a cara-de-pau. Mas agora já venceu o prazo e não vou usar a camisa. Vou doar para alguém no Natal, tá legal?

_E o que vai fazer com essa calça jeans aqui? Está puída, esburacada...

_Adoro essa calça jeans.

_Está rasgada!Por quê não doa essa calça?

_Cacilda!Porque eu adoro essa calça jeans, já disse. Esses puídos e buracos são naturais, sabe quanto tempo leva para uma calça jeans ficar assim? Denner, Yves Saint-Laurent, Kalvin Clein e Christian Dior precisariam de uns três anos de ralação de calça para conseguir esse efeito.

_Parece que você caiu do ônibus e foi arrastado. Essa calça é um lixo!

_Mais um motivo para não doar para ninguém. Não se doa lixo.

_...

_...

_E se a gente fizesse um trato?- ela diz.

_Que trato?

_Eu te dou uma coisa se você não usar mais essa calça - ela diz.

_O quê? Agora?

_Que tal? É pegar ou largar?

_Eu pego, eu pego...

(Muito tempo depois)
_Grude? - eu digo.

_O quê?

_O que você acha aquela minha camisa ali?

_Qual? - ela pergunta.

_Aquela do colarinho puído, que você vive reclamando quando eu ponho...

_Quer fazer outro trato?

_O ser humano é bom nisso - eu digo. É muito importante manter as coisas em foco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Coisas pequenas e tolas

Dois livros que li fervorosamente aos vinte e poucos anos: Zen e a arte da manutenção das motocicletas e O Guia do Mochileiro das Galáxias. Não me lembro patavina de nenhum dos dois, mas encontrei o "Guia" e estou tentando ler novamente. É meio bobo, não consigo achar muita graça. E além disso, o "Guia" descrito no livro já existe e se chama "IPad". Numa das passagens, o mochileiro narrador explica que para se saber qualquer coisa sobre qualquer coisa, basta digitar o nome daquilo no Guia para encontrar a resposta. No início dos anos 70, quando o livro foi escrito, e até mesmo quando o li pela primeira vez, nos anos 80, isso parecia mesmo uma coisa de outra galáxia. Agora não faz ninguém levantar a sobrancelha. Ser velho, já dizia o álbum de figurinhas, é se surpreender pouco.

Estou lendo muito pouco, o que é sempre uma pena. Desde que comecei a usar um óculos multifocal estou com dificuldade para concentrar na leitura. É um óculos mais. Os olhos ficam mais incomodados por mais tempo e mais rapidamente. Talvez não me adapte e passe a utilizar dois óculos. E por conta disso, me distraio facilmente, perco o fio da meada e mudo de assunto o tempo todo, além de esquecer o que estava fazendo um minuto atrás. Faço agora uma parada estratégica para ler o parágrafo daí de cima e continuar a falar sobre livros esquecidos.

Sim, ó minha querida kombi de leitores, estou fazendo um esforço enorme para me lembrar dos livros que li e já me esqueci do que se tratam. Um dos principais é "O Alvo Móvel", do John D. Mcdonald. O cara é fera. O livro é sensacional. Mas sempre preciso ler a orelha do livro para me lembrar do que acontece ali dentro. E o que é pior. Às vezes eu entro numa livraria, vou para a sessão de livros de bolso super-baratos da LP&M, olho uma porção de títulos, leio as orelhas e saio de lá com um "O Alvo Móvel" na mão. Por causa disso, tenho um nicho de prateleira na minha estante totalmente dedicada a "O Alvo Móvel".

Outro livro que sempre me esqueço de que já comprei é "Trópico de Capricórnio", de Henry Miller. O livro é ótimo. O escritor é o cara. Mas sempre confundo com o "Trópico de Câncer" e acabo levando repetido. Como resultado, tenho vários "Capricórnios" e nenhum "Trópico de Câncer". E de várias editoras diferentes. Isso sempre me deixa frustrado na livraria, porque sempre esqueço de procurar a Sabedoria do Coração, um livro fantástico do Miller que quero repor na minha estante. O fato é que emprestei para alguém e essa pessoa nunca se lembra de devolver. Ainda do Miller, sempre que saio da livraria é que me lembro de procurar "Nexus". Mas aí já estou cansado de livraria e não entro de novo. O resultado é que nunca completo a trilogia e deixo para iniciar "Sexus" e "Plexus" em outra ocasião.

O terceiro livro de que sempre me esqueço é "O Segredo de Joe Gould" de Joseph Mitchell. Li na biblioteca, há séculos. Dele só me lembro que não deveria jamais tê-lo esquecido, porque é precioso e fundamental.Uma vez, numa madrugada, assisti a uma versão do livro na TV a cabo e foi fascinante. Um conto de um dos livros da Patrícia Highsmith, que também esqueci qual é, trata basicamente da mesma coisa, de escrever sobre o que não pode ser esquecido, ainda que o tema seja pequeno, ínfimo, tolo e nulo. E o Henry Miller, ao falar de si mesmo com tanto despojamento e crueza, talvez estivesse com a antena cósmica conectada com esse modo de pensar. Mas qual seria a conexão com "O Alvo Móvel"? Não sei. Talvez seja apenas uma coisa pequena e tola.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Max, o cão trocado

A vida nunca foi fácil para Max, o pastor alemão que era do meu irmão. Isso mesmo. Era.

Max era um cachorro legal, com pedigree, boa estirpe, mas indômito. O animal não gostava de cercas. Cavava buracos muito profundos. Soltava pelo. Odiava gatos. E de vez em quando subia, literalmente, no telhado. Mas tirante isso, era um excelente cachorro.

O que complicou tudo foram as subidas no telhado. Max subia em qualquer telhado. Sabe a primeira cena de Missão Impossível II, com o Tom Cruise escalando um paredão em ângulo negativo? Então. Aquilo é puro Max. Meu irmão uma vez o resgatou do telhado do vizinho. Por conta disso, Max ficou três meses internado num canil para um treinamento indolor de animais inquietos. Meus sobrinhos ficaram com muita saudade do bicho, mas o meu irmão resolveu estender o treinamento por mais um mês, só para garantir. Depois de cinco meses, Max voltaria para casa, mas aí foi a vez do treinador do cachorro sugerir um periodozinho extra, só para não deixar dúvidas.

_Doutor, já vi cachorro estouvado, mas esse Max ganha de qualquer um.

Após seis meses de internato e treinamento pacífico, à base de alimentação balanceada vegetariana e música new age, Max voltou para casa,aparentemente melhor.

De acordo com os meus sobrinhos, que adoravam Max, o cachorro tinha voltado mais manso que um cordeirinho e mais educado que um inglês recém-matriculado em Oxford.

_Tio, ele está até cumprimentando a gente, dando a pata - eles diziam.

_Claro, ele aprendeu até as quatro operações - eu completava.

_Não, tiô, é verdade.

_Eu acredito, eu acredito.

Mas não era verdade. Max fugiu uma porção de vezes. Arrebentou a cerca elétrica que deveria impedir que ele saísse. Subiu no telhado. Desceu no telhado do vizinho. Cavou um túnel atrás de ossos. Invadiu o quintal do vizinho atrás de um gato.

Max foi reinternado. Por mais quatro meses. Mas não deu certo. Foi o primeiro insucesso do internato. O dono do empreendimento pediu sigilo ao meu irmão.

_Poxa, Doutor. Em dez anos, o Max foi o primeiro e único cachorro que eu não consegui treinar. E ele fugiu um monte de vezes daqui, deu até desânimo.

Na última fuga, ele confessou, Max escapou pelo telhado do canil.

_Nunca tinha visto um cachorro fazer isso, Doutor. Quebrou umas vinte telhas. É um excelente cachorro, Doutor. Daria um excelente reprodutor. Mas não gosta de cerca. E nem de gatos. Conforme combinamos, eu não posso cobrar nada pelo treinamento, mas posso cobrar pelo prejuízo com o telhado.

Meu irmão propôs ao treinador que continuasse com o cachorro. Depois de muita negociação, o sujeito topou. Não sei como foi, meu irmão não se abriu. Mas ao que parece, Max foi trocado por um dobberman e mais uma compensação pelo telhado e futuras cercas. O dobberman é um bicho super obediente. Respeitador de cercas. Convive com gatos. Não gosta de cavar túneis. Não solta pelos. Não sobe em telhados.

_E o Max? - eu perguntei.
_Ele está bem, ele está bem - disse o meu irmão.
_E as crianças?
_Elas vão superar, vão superar.
_E você?
_Sabe, eu gostava um bocado daquele cachorro. Mas tenho que pensar no futuro. E no futuro, nós vamos mudar para uma casa ao lado de um hospital da rede Sarah. Já imaginou o Max invadindo o hospital? Os pacientes de cadeira de rodas fugindo? Pessoas manquitolando em desespero?
_Ele está bem, eles está bem - eu disse.

E deve estar mesmo.

domingo, 14 de novembro de 2010

Frio e sobrancelha

A temperatura está variando muito ultimamente. Hoje de manhã, por exemplo, a temperatura era inferior a 14 graus. E chovia fino. Era daquelas chuvas que se arrastam durante horas, vindas da madrugada. Para onde se olhasse, tudo estava molhado.

Por causa disso, eu usava o meu tradicional casaco de couro. Minha mulher também usava o dela. As crianças estavam na casa da tia, com outros primos. Mantendo a tradição, nós fomos até a padaria onde sempre tomamos café da manhã aos domingos.

Eu peguei o meu suco de laranja e os pãezinhos de sempre. Minha mulher também pediu o café com leite e o omelete. À minha frente, um sujeito com quarenta e muitos anos lia o jornal na companhia da mãe, uma velhinha de cabelos brancos. Ele estava com aquelas camisas de jogging, cheia de furinhos. E a mãe com aquelas blusinhas finas, de renda, muito comuns no nordeste.

Talvez tenha sido a visão dos casacos de couro. Talvez eu tenha feito um comentário em voz alta sobre a temperatura. O fato é que a velhinha começou a chacoalhar de frio assim que eu dei a minha primeira mordida no pão.

Ela se sentou ao lado do filho, trocando de lado na mesa, ficando de costas para mim. Não adiantou. Ela continuou a balançar de frio. O cara não percebeu. De vez em quando, uma rajada de vento gelado fazia a velhinha estremecer.

Em seguida chegaram duas mulheres. Uma devia ser a mulher do cara que não percebia que a mãe passava o maior frio da paróquia. A outra era parecida com o sujeito. As duas explicaram que haviam demorado porque estavam vendo as vitrines das lojas. Viram um monte de roupas legais. E aí repararam que a velhinha chacoalhava de frio.

_Uau, nossa, que frio, coitada! - elas disseram.
_Que dó!Puxa!Tadinha! - elas disseram.

Mas não trocaram de lugar. A velhinha continuou a chacoalhar de frio.

Eu e a minha mulher terminamos o café e saímos dali.

_Caramba, quase levantei para emprestar o meu casaco para a velhinha - disse a minha mulher.
_Eu também! Só não fiz isso porque fiquei pensando no pós-empréstimo - eu disse.
_É, ia ser muito chato pedir o casaco de volta - disse a minha mulher.
_E eu adoro esse casaco de couro - falei.
_Por outro lado, aquelas duas que chegaram estavam de casaco.
_Vai ver era a Vingança Contra a Sogra Mal-amada - eu disse.
_Não, ninguém merece - disse a minha mulher.
_O que achei mais esquisito foi que a velhinha não reclamou.
_Quando eu ficar velhinha, de cabelo branco, eu vou ser bem reclamona.
_Eu já sou resmungão desde já, imagine quando ficar de cabelo branco...
_Que cabelo?
_Sobrancelha...





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Frase do dia