Outro dia escrevi aqui sobre a babaquice feita com um livro do Monteiro Lobato, o Caçadas de Pedrinho, acusado e rotulado de racista. Teve muito marmanjo por aí defendendo essa sacanagem. Li até uns caras que se dizem professores defendendo a iniciativa, ou dando uma de deixa-disso, cheios de "não é bem assim" e "veja bem".
Ora, como diria meu velho e bom amigo Natal, "pra cima de muá, não". Medalha é medalha. Sabão é sabão.
O que ocorreu foi que um grupo de burocratas (eles existem no executivo, no legislativo, no judiciário e principalmente fora, na fila do gargarejo) rotulou um clássico de racista. O grupo também recomendou que as escolas o retirassem das prateleiras das bibliotecas e impediu a distribuição de novos exemplares. E para completar, os sábios burocratas também decidiram que para o caso de alguns miúdos conseguirem pegar um exemplar escondido, as novas publicações da obra deverão conter um prefácio estupefaciante escrito por um gênio da contextualização. Esse gênio vai explicar porque o livro é racista e também porque o Visconde de Sabugosa é obviamente pansexual: essa é fácil - foi comido, roído e babado pelo porco Marquês de Rabicó.
Agora um juiz proibiu a distribuição de um livro porque um dos cem contos ali reunidos, do Ignácio Loyola Brandão, foi considerado obsceno. Se esse tipo de coisa pretensamente correta prevalecer, estamos fritos. No meu tempo de menino, é óbvio que surtiu o efeito contrário. Nos anos 70, a rebeldia era quase uma obrigação da juventude. Só li Zero, do mesmo Loyola Brandão, porque na orelha do livro dizia que o escritor estava careca de ter livro proibido.
_Deve ser jóia - eu pensei, com a gíria da época. Mas não era como o Primo Basílio, que minha mãe tinha dito para não ler ainda, que era livro de adulto. Também não tinha metade das sacanagens dos romances de José Lins do Rego ou do Jorge Amado. Ou do Velho Testamento, onde rola de tudo, até incesto com estupro duplo de um ancião(Noé). Mas gostei de ler o Loyola e tenho o maior respeito pelo escritor.
Sacanagem. Lembro do Maristinha, onde estudei. O professor Djalma manda a Ana Theresa ler Ana Terra, do Érico Veríssimo. Nesse dia, era a parte em que o Índio sobe as mãos sobre as coxas de Ana, como se fosse uma caranguejeira...A Ana da minha sala parou na metade, vermelha. Aí a Socorrinha continuou a leitura, numa boa.
Sacanagem pura é um conto do Loyola e também outros 99 contos estarem proibidos de chegar até as escolas. Não sei, não. Do jeito que a coisa vai, com a turma da academia silenciando ou imitando foca de circo antigo para tudo que é besteira da alta burocracia, é melhor tratar de ampliar as estantes. E também reler Farenheit 451do grande e genial Ray Bradbury.
Para os meus filhos, já está no quarto, em lugar nobre e acessível, a coleção completa de Monteiro Lobato. Foi um presente dos avós argutos, sempre inteligentes e instigantes. Do Ignácio, tratarei de comprar obras completas. Também vou correr atrás de um desses livros de 100 contos. E assim farei. Para cada obra proibida, tratarei de correr atrás de um exemplar. A cada recomendação negativa, a leitura atenta e crítica. Dez pessoas que falam fazem mais barulho do que dez mil que silenciam, dizia Napoleão.
4 comentários:
Careca,
Embora eu tenha inicialmente concordado com vc, a questão realmente é outra. Em primeiro lugar, trata-se de um parecer efetuado por professores universitários (não por burocratas) em resposta a uma denúncia de um cidadão com base nos critérios estabelecidos pelo próprio MEC para a compra dos livros a serem distribuídos nas bibliotecas das escolas públicas.
Segundo avaliação do parecer, obras clássicas como aquelas não podem e não devem ser banidas das escolas, mas, em conformidade com o que estabelecem o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Parametros Curriculares Nacionais, as Leis de Diretrizes de Base, dentre outros, as obras distribuídas nas escolas não podem conter estereótipos de raça/cor, sexualidade etc.
O problema, então, é como conciliar a legislação com a importância de clássicos que, devido ao período em que foram escritos, não atentavam para isso nas obras infantis. E acho, sinceramente, que o parecer do MEC foi perfeito nesse sentido: recomendar que os professores sejam formados de maneira a poder trabalhar essas questões em sala de aula e que a editora responsável pela impressão dos livros que serão adquiridos pelo MEC para compor as bibliotecas das escolas (e apenas essa!) coloque uma nota mencionando estudos sobre (como se trabalhar) a presença de estereótipos na literatura infantil. Em nenhum momento o parecer qualifica a obra de racista (como vc e eu afirmamos com base na Falha de São Paulo), sugere seu banimento ou alteração no texto original.
Por que vc não dá uma olhadinha no parecer? Tá disponível no site do MEC.
Bjs!
Na cartilha onde aprendi o ABÊCÊ "A Casinha Feliz" a frendi que o cedilha nasceu porque vovô conrtou a cabeça do cocó pra fazer uma canja e toda vez que aparecia o ça, ço, çu, era a cabeça do cocó com o cérebro pendurado de mãos dadas com uma letrinha bacana.
E, olhe para mim, me desenvolvi e me tornei um ser humano ótimo.
Cynthia, minha resposta ficou tão grande que acabei fazendo um post.
Bjos,
Sun, "A Casinha Feliz de Freddy Kruegger" é mesmo um clássico da alfabetização.:)
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