Existem contos célebres sobre passeios com cachorro. Verdadeiras obras-primas. Tem o conto do Tchekov, por exemplo. Tem o título do conto jamais lido do alter-ego do John Fante em Pergunte ao Pó, "O cachorrinho riu". Este texto, é óbvio, não é nada disso.
Mas não é por causa da literatura ou pela vontade de escrever que eu passeio com o cachorrinho da minha filha, o Rafa(para quem não se lembra, o Rafa-el é o shi-tsu que ela ganhou de aniversário no ano passado).
Eu passeio com o Rafa porque eu adoro a minha filha e também por causa do passeio com o Rafa, em si. Caminhar com o cachorro não é um prazer à primeira volta. Não senhor. Não, senhora. É um aprendizado com suas dificuldades intrínsecas e exclusivas, incomparáveis a qualquer outro tipo de passeio. Eu, em mais um exemplo, não gosto muito de passear com outras pessoas. A principal razão é que não consigo falar, andar e pensar ao mesmo tempo, isso sempre provoca um tipo de descoordenação nos meus passos e tropeções. Quando isso não acontece, eu acabo por imitar inconscientemente a passada do acompanhante, o que sempre me deixa com a sensação de estar marchando ao lado da outra pessoa. Em consequência, acabo por forçar uma saída do passo encadeado, o que acarreta tropeções e desequilíbrios. A única maneira de evitar as duas coisas é me concentrar no meu próprio caminhar, o que me distrai e deixa a pessoa que me acompanha irritada.
_Pô, Careca, e aí? Não vai responder?
_Hã?
_Eu perguntei o que você acha do rombo de novecentas milhas no PanAmericano?
_É um rombão, né?
_E o que você acha?
_Acho que é muito dinheiro.
_Mas qual é a sua posição?
_Sentado, de longe, observando de queixo caído.
Diálogos como esse são facilmente evitados com um passeio com o Rafa. É bem verdade que ele pensa que é gente, mas ainda não fala. O que evita tropeções da minha parte. Sim, senhor. Ou sim, senhora. A verdade é que passear com o Rafa tem me ensinado coisas muito interessantes e me ajudado a manter o equilíbrio durante as caminhadas. Mas o fundamental é que não sou eu que leva o Rafa para o passeio. É o contrário.
Em geral, o Rafa me leva para passear antes que eu tenha tempo de tomar café. Consigo apenas pegar um pedaço de maçã antes que ele me arraste para uma caminhada de quinze minutos, no relógio, pela quadra. Rafa é pontual, ele sabe que o tempo é curto e dispara pelas escadas. Felizmente, o cordão da carretilha tem cinco metros, senão eu teria que voar sobre os degraus.
Assim que saímos do edifício o Rafa começa a marcar território com xixizadas de diferentes mililitros de acordo com a importância do local. A ponta de meio-fio no início da calçada central é, sem sombra de dúvida, um dos locais mais importantes da nossa jornada diária. Rafa sempre capricha nessa marca. Todos os cachorros do meu prédio, capricham neste meio-fio. É como se todos os cães fossem pichadores e o meio-fio fosse um muro branco esperando por um spray. Não gosto muito de passar por ali, mas é o Rafa que está me puxando. Na sequência do caminho, Rafa levantará a perninha para molhadas e cheiradas alternadas nos lugares mais bacanas do caminho. Existem tufos de gramas especiais, que merecem grande consideração e regadas mais alegres. Existem troncos de árvores que só valem uns pinguinhos mixurucas. E existem os postes meio-termo, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, mas que valem uns pingos a mais. E, no final, existe o lugar superespecial, que tenho que deixar limpo de acordo com o bom senso, as normas legais, as regras da boa vizinhança e a saúde pública. Para isso, a prefeitura da quadra espalhou sacos plásticos para que o cidadão cumpra o seu dever. Eu cumpro.
No caminho diário, o que inclui os dias chuvosos, sempre encontramos outros cachorrinhos. Em geral, acompanhados por outros seres humanos, mal-humorados. Consequentemente, os cães estão sempre irritados e agressivos. O Rafa, não. Ele está sempre de bom-humor e saltitante. Rafa passa numa boa por esses cãezinhos irritados e seus donos mal-treinados. Eu sigo o Rafa e digo, bom dia, bom dia, mas raramente alguém responde. Mesmo assim, o passeio com o Rafa de manhã bem cedo me faz muito bem. Só é chato no domingo.
3 comentários:
Oi Careca. Você já ouviu falar na Power Balance? É a pulseira do equilibrio usada por surfistas, esportistas em geral e pessoas "desequilibradas", como diria minha mãe. Vale a pena analizar. Quem sabe você se enquandra em uma desas categorias...
Keize, me enquadro em todas essas categorias e mais algumas. Onde encontro essa pulseira mágica?
O mais comum é encontrar em lojas de surf e de esportes, más elas tem sido vendidas nesses sites de compra coletiva. Comprei para os meus pais no centro aqui em São Paulo. Eu conversei com algumas pessoas que usam e elas dizem que melhora bastante o equlibrio e até o sono... más não tem nada que comprove cientificamente.
Postar um comentário