sábado, 31 de janeiro de 2009

Uma anfitriã no bis com Adam Sandler



No meio da semana, minha filha, de quatro anos, foi com o irmão e a Patroa assistir ao novo filme com Adam Sandler, “Um faz-de-conta que acontece”. Neste sábado, ela resolveu que eu deveria ir ver o filme com ela. Ela fez um convite exclusivo. Nem a mãe e nem o irmão foram convidados.

_Paiê, você TEM que ver o filme!

Então eu aceitei o convite. Fomos ao shopping todos juntos. Depois de comprar ingressos, a pipoca e o refrigerante, a Patroa e o filhote foram para as lojas de móveis e eu e a filhota fomos ao cinema. Foi a primeira vez que fui a um filme só com UM dos filhos. Em geral, ou estamos em bando, com os primos e amigos, ou então só os quatro.

Outra coisa também me chamou a atenção. Minha filha se portou como anfitriã. Foi ela que fez questão de entregar o tíquete ao bilheteiro, na entrada. Ela tomou a minha frente e foi me guiando na sala do cinema. Foi ela quem sugeriu a fileira em que acabamos por sentar. Mas, gentil como só os anfitriões sabem ser, fez parecer com que eu tivesse escolhido o lugar. Perguntou se eu estava confortável. Perguntou se eu não gostaria de ir ao banheiro antes, para fazer xixi. E também me adiantou que se em algumas cenas eu ficasse com medo, era só dar a mão para ela.

_Eu te ajudo, Paiê – ela disse, compreensiva. Ela sabe que nós, adultos, morremos de medo no cinema.

_Paiê, tem uma cena meio nojenta também. Aí é só fechar os olhos - ela também sabe que nós, adultos, morremos de nojo de algumas cenas de geleca nas cinemas. E nos filmes para crianças, existem montes e montes de cenas de geleca. E nos filmes do Adam Sandler, você pode multiplicar esses montes de cenas por dez.

E antes do filme começar, ela já me fez um monte de recomendações. Mas a principal é que eu deveria desligar o telefone celular, para não atrapalhar ninguém no cinema.

_Estraga o filme – ela disse. E eu desliguei o celular sob o olhar vigilante da minha anfitriã de cinema.

Adorei o filme e dei boas risadas. E minha anfitriã também riu muito, às vezes até por antecipação. E ela também me avisou quando as cenas de medo e de geleca iam aparecer, por isso não me assustei muito e nem precisei de um saco de vômito.

Depois nós conversamos sobre o filme. Sobre as melhores cenas. Quando choveu chiclete. Quando aparece o Zoiúdo. Quando aparece o anão maluco.As mais engraçadas. A melhor música. A melhor careta. Ou seja, conversamos tudo de bom. E o brilho dos olhos dela era tão intenso quanto o brilho dos sorrisos.

E depois eu perguntei:
_Mas por quê você quis ver esse filme só comigo?
_Oras, Paiê, eu sabia que você ia gostar!

É mesmo. Eu deveria saber. Mas eu, adulto, vivo esquecendo o óbvio.




P.S>: No final do filme, eles tocam de novo aquela música sensacional de antigamente :Don´t stop believen , do Journey. Já estava aí, na Rádio Careca. Coincidência pura.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Arrivederte!

Para mim, tudo isso que está acontecendo começou na Copa do Mundo na Espanha, em 1982. O Brasil, depois de ganhar dos argentinos, só precisava de um empate contra a Itália, que chegou à segunda fase sem ganhar um jogo. Mas a Itália produziu uma das maiores surpresas da história dos Mundiais. Eliminou o Brasil nas quartas-de-final da Copa de 1982, com uma vitória por 3 x 2, com três gols de Paolo Rossi, o camisa 20.
Nesse dia, chorei na cozinha da casa de um amigo, o Zálberto. Eu estava a caráter, vestido de Pacheco, camisa 12. Eu e o Zalba ficamos tão arrasados que não conseguíamos falar. As lágrimas amargas de Petra Von Kant não foram tão amargas quanto as minhas, naquela tarde.
Para piorar, na decisão, a desacreditada Itália superou a Alemanha e chegou a um tri-campeonato com um time experiente, uma ótima defesa e Paolo Rossi. E eu perdi um engradado de cerveja apostado com o Zalberto. Pô, até a Alemanha sucumbiu à sorte italiana.
Paolo Rossi vinha de contusão, escândalo de loteria, gripe forte e mau-olhado e mesmo assim foi o artilheiro do campeonato. Ninguém dava nada pelo cara, mas ele foi, viu e venceu. Na época, eu queria participar do Comando Canarinho, uma turma que formamos no boteco para seqüestrar o jogador que tirou a copa do mundo do Brasil.
Planejávamos todos os detalhes em nosso despeito. Iríamos lá para entortar a Torre de Pizza. Em Roma, faríamos tudo diferente dos romanos. Colocaríamos placas em todos caminhos, indicando a direção de Lisboa. Começaríamos um boicote total às pizzas, ao molho de tomate, ao manjericão, à calabreza e a todas as massas, com exceção do spaghetti, que eu não dispenso.
E no meio dos desatinos, entre um copo e outro, jurávamos que a Seleção Brasileira de 1982, que até hoje é considerada a melhor de todos os tempos, tinha sido traída por Toninho Cerezo. Por quê? Ora, basta ver que o Toninho abaixa o meião pouco antes do Paolo Rossi descer em disparada e fazer o primeiro gol. O meião abaixado era o sinal secreto. Se o Cerezo tivesse mantido o meião onde o meião deve estar, o Brasil tinha levado a partida e o caneco. Para mim e para a minha turma de boteco, todos os panacas que se vestiram de Pacheco, Cerezo era culpado. Foi julgado in absentia e à revelia, sem direito a advogado e a apresentação de defesa.
Fiquei 12 anos “por aqui” com os italianos. E com o Cerezo. Felizmente nós encontramos a italianada em outra final, na Copa do Mundo dos EUA, em 1994, quando o Brasil ganhou nos pênaltis de 3X2 . Naquele final de tarde, Baresi e Márcio Santos começaram iguais, chutando pra fora. Fizemos um boneco vodu do Márcio Santos imediatamente, está enterrado até hoje num vaso de plantas. Albertini e Romário, grande Romário, marcaram. Tudo igual, de novo. Aí Evani e Branco fizeram suas obrigações. E Taffarel brilhou. Taffarel pegou um chute do Massaro. Dunga marcou e o Roberto Baggio chutou pra fora. Arrivederte, Itália!!
Naquele dia do Tetra eu estava na casa do Joca. Me derrubaram na piscina. Até hoje não sei como cheguei em casa. Foi a primeira e única vez que me senti um campeão do mundo. De verdade, pra valer. Depois, no Penta, não foi a mesma coisa. Não teve a mesma graça. Daquela vez foi euforia total. Era a desforra, depois de doze anos de um choro dolorido, que me dói até hoje. É só lembrar do Paolo Rossi descendo quase pelo meio do campo, do Cerezo, o meião abaixado. E agora eu leio no jornal da Internet o que está acontecendo. Chamaram o embaixador. Ele foi. Chamaram de novo. Ele foi. E agora está a confusão do extradita. Todo mundo à espera da decisão do Supremo. Os protestos. Acho legítimo, protesto. Mas daí a impedir o jogo amistoso do dia 10 de fevereiro é cruzar o Rubicão!
P.S.: Somente por ocasião do Penta perdoei Cerezo. O torcedor é antes de tudo um irracional. De vez em quando ainda acendo velas para Baggio.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mais algumas notas

Respire fundo, ô Mané!

Galera, o papo é o seguinte. Não me lembro de jamais ter lido manchetes tão terríveis quanto essas dos últimos tempos. Prejuízos gigantescos de empresas gigantes. Milhões de demitidos. Milhares de sem-emprego. As empresas declarando prejuízos monumentais. Jornais e revistas emagrecendo a olhos vistos. A turma da comunicação se entreolhando, farejando cortes de despesas.

Até uma volta para espairecer é problemática. Eu olho para as vitrines das lojas e vejo os vendedores lá dentro, também se entreolhando, feito náufragos na mesma jangada. Já não é mais época de troca de mercadorias. É fim de mês. Todo mundo com grana curta, cartão-de-crédito no limite ou estourado. Ninguém compra nada. O shopping está cheio na praça de alimentação. Comida não se deixa de comprar. Mas os corredores estão cheios de gente se movimentando. Ninguém fica parado. Pouco se olha para evitar a tentação de comprar. As lojas anunciam descontos de 70 a 90 por cento. Poucos se animam. Vamos ver se a coisa muda de figura no final-de-semana. O sábado é 31. Quem sabe a confiança não se restabelece? Vou esperar.

Crise na cultura?
A crise chegou à cultura? A verdade é que existe alguma coisa de errado com a indústria cultural, gente. Estamos sem unanimidade. Ou as unanimidades disponíveis já estão muito velhas e não empolgam mais. Ou talvez a unanimidade já não seja mais possível. Em outros tempos, ali estavam eles, grandes ícones culturais, dizendo pra gente deixar a crise de lado, maneirar e chutar a bunda do guarda, como Carlitos. Talvez já não existam mais grandes ícones culturais, apenas celebridades. Ou talvez já tenhamos transgredido demais e estejamos cansados de chutar a bunda do guarda. Com certeza, já nos cansamos do Carlitos, que virou poema concreto, bibelô, e já não provoca mais riso.

Chaplin virou evocação do belo. E a gente não ri de coisas belas. Beleza, a gente reverencia. Besteira né? Talvez seja coisa da nossa cultura judaico-cristã, como falava o Umberto Eco. Suprimimos o humor, que nos permite rir de nós mesmos e evoluir um pouco. E aí nos levamos a sério demais. Glorificamos só o sofrimento e a superação. Precisamos de menos santos e mais palhaços.


Leviatã
Uma vez conversei com um pensador famoso, respeitado no mundo inteiro. Ele me garantiu que deveríamos temer, acima de tudo, os grandes moguls da política. As celebridades que se voltavam para o poder. As pessoas, carismáticas, que conseguiam nos cativar e mexer com as nossas vontades por meio dos poderosos veículos de comunicação

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Músicas que mexeram com esse velho Careca

Chove lá fora
Ainda me lembro da emoção de ver, dentro de um cinema, Bete Balanço, um filmaço com a Débora Bloch no papel título. Foi um filme que marcou o meu retorno apaixonado aos filmes nacionais. Até hoje me emociono só de lembrar daquela música do Lobão, que ouvi pela primeira vez dentro do cinema. Chovia do lado de fora. Mas não foi por isso que essa música ainda hoje faz eco nos meus ouvidos. Foi uma identificação total, foi quase uma leitura de pensamento, embora a letra não diga quase nada. Talvez seja a guitarra que me transmita a sensação de uma mensagem triste. Talvez seja o que não está dito na letra. Mas ainda hoje gosto de ouvir essa música. E ela sempre me deixa um pouco triste.

A lanterna dos afogados
Havia a lanterna dos afogados, dos Paralamas. Tocava a cada minuto. E a Gal Costa também gravou. Ela também gravou Vida, do Obina Shock. E também havia um monte de roquinhos legais. E havia também as coisas chatas. Paulo Ricardo, que gravou uma versão do Verme e a Lua Cheia (sei lá o nome da música!). Uma vez fui para o Ceará e todo mundo escutava o Paulo Ricardo até a pilha do walkman acabar. Era um saco.

E eu lia os artigos da Ana Maria Bahiana. E eu via o Nelson Motta, na telejornal da hora do almoço. E eu lembro de ver o Nelson anunciar uma turnê do Queen. Rapaz, o tempo voa.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Coisas que eu descobri sozinho

Também não sou de contar vantagem. Mas descobri dos jeitos mais esquisitos que as pessoas podem sempre surpreender você, para pior.

Descobri, por exemplo, que por mais que você se esforce e faça bem feito, ninguém vai elogiar os acertos. E que basta um erro numa montanha de coisas legais para que um mala derrube o castelo.

Se você é solidário com alguém, abra o olho. Esse alguém irá virar as costas quando você mais precisar.

Se você é incapaz de colocar alguém na berlinda, todos os que estão lá lutam para trocar de lugar com você.

Se houver um tapete debaixo dos seus pés, haverá mãos para puxá-lo.

Se você ajuda a quem pode, cuidado com o ódio dos que não conseguiu ajudar. Aguente firme a ingratidão dos que você ajudou.
Todo mundo conhece a piada. O menino vê os dois cachorros na rua, em pleno esforço reprodutivo, e pergunta para a mãe o que é aquilo. A boa senhora, desconcertada, resolve não falar de abelhas e sementinhas. Ela diz que os cachorros são bons amigos:
_ O cachorrinho da frente está ajudando o de trás, que está com as patinhas da frente machucadas, tá vendo?
_Bem que o meu pai diz que basta a gente ajudar alguém para levar ferro por trás...

Os bons sofrem muito mais que os maus. Mas ainda assim é bom ser bom. Só que às vezes dá uma raiva...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Outras notas curtas sobre pouca coisa

A crise, novamente

Embora já estejamos cansados dela, ela não nos abandona. E as empresas aproveitam para embutir na crise todos os planos de reestruturação, downsizing e reposicionamento, que estavam empoeirados e escondidos nas gavetas. Hoje foi dia de degola mundial. Milhares de empregos sólidos se desmancharam no ar.

A volta ao lar

Começo a ter notícias do retorno à Mãe Gentil dos patrícios que moravam alhures. Durante o vamos ver, os empresários e os governos dos outros países preferem começar a degola pelos que não são da terrinha. Nessa hora, fala mais alto o Born in USA/UK na certidão de nascimento. Acontece aqui também, com os bairrismos regionais.

Meu capim barba-de-bode

Uai, uai, meu capim barba-de-bode
Quem tá de cima não desce
Quem tá de baixo não sobe
Joguei meu chapéu pra cima
Pra ver onde ele caía
Caiu no colo da velha,
Cruz-credo, Ave Maria
Caiu no colo da moça,
Era isso mesmo que eu queria.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Quatro notas curtas

No meio do caminho havia um plágio
Será que existe meio plágio? Se existir, eu vou processar a Globo, que pegou metade do nome do meu blog e colocou numa novela. Ou então eu entro com meio processo e exijo uma meia reparação. Se bem que já tenho uma gaveta cheia de meias. E todas reparadas. As que não tinham mais jeito eu joguei fora.

O bom dos cruzeiros
É sempre bom pensar. E cheguei à conclusão de que as pessoas que curtem cruzeiros marítimos não querem chegar a lugar nenhum. O que elas gostam mesmo é de viajar. É de estar em movimento. E devagar. E com um saco de enjôo por perto.

Pescar no Paranoá
O bom de poder pescar é que você de vez em quando pega um peixe. O mais incrível é que os peixes comem qualquer coisa quando estão com fome. Neste domingo, eu estava ensinando meu filho a pescar, mais uma vez. Ele não tem medo de minhoca. Mas tem nojo. Então eu tenho que iscar para ele. Depois de alguns minutos, ele conseguiu fisgar um peixe. Ficou eufórico. O peixe era menor do que um dedo, dos pequenos. Após vários minutos de argumentação ele concordou em soltar o peixe. Dois minutos depois eu pesco um peixe, tão pequeno quanto o dele e muito parecido.
_Pai, esse aí não vale, eu acabei de pescar. Continua um a zero pra mim.

Outra praça do ON, oh, não!
Li no jornal que a população de Brasília protestou contra a possibilidade do poder público construir mais um monumento de autoria do Oscar Niemeyer na Esplanada dos Ministérios. Fiquei feliz de saber que não é só uma cisma besta minha. A redação do Correio Braziliense, que noticiou a possibilidade de mais uma praça da cidade ser assinada pelo ON, foi inundada por cartas, faxes, e-mails, telefonemas, messagens eletrônicas e cartas e papéis amarrados em pedras. Eu, como todo mundo, prefiro um arquiteto mané qualquer, que coloque sombra, banheiro, banco e lugar para sentar, comer, beber e conversar na praça. Nas praças do Niemeyer, o banheiro fica num lugar escuro e longínquo, acessível somente depois que você descobrir onde ficam as escadas. E as escadas ficam longe. Sombra? Nem de toldo. Banco para sentar? Leve o seu. Lixo? Guarde no bolso. Crianças e idosos? Acessibilidade? Esqueça. O homem nunca escorregou no chão que imaginou e jamais pensou em corrimão ou em alguém despencando de vãos livres com a beirada de uma rampa na altura da canela. Lembra do Vampeta rolando na rampa do Planalto? Estava completamente mamado, mas se você perder o equilíbrio naquela rampa o modo Vampeta é o único jeito de completar o percurso sem se quebrar todo. Role.

sábado, 24 de janeiro de 2009

O temível Piu-piu e o patético Frajola



Uma análise no estilo Arnaldo Jabor
Amigos ouvintes, nada como um clássico dos desenhos animados. Aprendi muito com os desenhos do Frajola e do Piu-piu. Aprendi, sobretudo, que o mal mais profundo, perverso e enganador se esconde sob as fantasias aparentemente frágeis, como a de um passarinho amarelo de olhos grandes e sedutores.

Piu-piu ou Twetty era cruel, cruel, demolidor. O gato Frajola ou Sylvester era um honesto e patético animal em busca da sobrevivência. Era muito inventivo e inteligente, mas estava condenado a não ter sucesso. O mundo capitalista e dominado pelas gaiolas de ouro jamais deixaria que um felino, obviamente do terceiro mundo, fanho, com problemas de dicção e cheio de perdigotos triunfasse sobre um pássaro. Frajola é o Prometeu acorrentado da modernidade, é a representação pantocromática do macho em sua crise apoteótica. Frajola nada, nada e morre na praia eterna da sua e da nossa incompetência de macho sul-americano. Sim, porque o Frajola é cheio de curvas e bigodes, mas é Piu-piu que sempre vence, com sua androgenia em amarelo ouro.

Piu-piu surfa na onda do nosso ego embotado pelo trabalho monótono. Ele está sempre numa boa. Poleiro, para aquele passarinho, é balanço. Se Frajola é o mito da perda do seio materno e da luta pela sobrevivência, Piu-piu é a representação eloqüente do sucesso do burguês bissexual, sempre pairando sobre a massa ignara de gatos desejosos e consumidores de Viagra.

Sim, amigos ouvintes, por mais rijo que esteja, Frajola jamais comeu e nunca comerá aquele passarinho, por mais apetitoso que ele seja. Frajola cria os planos mais estapafúrdios para capturar o Piu-piu. E quase sempre consegue. Mas quando o pássaro já está em sua boca, pronto para ser devorado, algo que não estava no roteiro sempre aparece para salvá-lo. Cofres despencam do espaço. Trens-de-ferro descarrilam subitamente. Pianos desabam sobre a cabeça do gato. E nós continuaremos a rir do pobre Frajola. Continuaremos a dar risadas, enquanto o Piu-piu, aquele sim, um bicho malvado, ri por último.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Tony Ramos, feijão, Baby e o Menino do Rio

Não sou muito de assistir TV. Nem mesmo telejornal. Vejo filmes, DVDs, essas coisas. A última novela que assisti mais de um capítulo foi Pantanal. Achei boa, outras pessoas também, tanto que reprisaram, fiquei sabendo. Não é que desgoste do gênero. Acho novela uma coisa genial, o povão se amarra. É a coisa mais próxima de uma identidade cultural nesse país. Novela. Acho que é até por isso que eu não vejo. Não sou muito de cultura popular. Sou metido a sofisticado. De vez em quando ouço até ópera. Embora goste mesmo é de rock´n´roll. E bossa nova. E MPB. E um pouco de jazz.

Então outro dia eu estava parado na sala e meu filho ligou a TV. Vi o Tony Ramos. É um rosto que conheço faz tempo, desde que vi o primeiro capítulo de uma novela. Ele era o filho de um milionário e jogava dinheiro pela janela. Muito dinheiro. Vale tudo. Helena Roitman, essas coisas. Tony é um cara versátil. E peludo. Agora parece que vai fazer papel de indiano. Não faz muito tempo ele fez um grego. Já fez papel de árabe também, tenho quase certeza. Está se tornando um ator para qualquer etnia a leste de Greenwich. É muito bom.

Aí fiquei pensando em identidade cultural. A gente assimila uns conceitos pela metade e acaba se acostumando com eles. Mas essas coisas não fazem muito sentido. A minha identidade cultural não me garante meia-entrada em lugar nenhum há muito tempo. Vai ver, a minha meia-entrada venceu. Pensando bem, meia-entrada também não faz sentido. O preço deveria ser um só, que nem feijão. Estudantes e professores comem feijão e não pagam meio feijão.

E o que o Tony tem a ver com isso? Bem, hoje, no almoço, eu encontrei um pelo no meu feijão. Foi super-desagradável, mas nem reclamei com a Rose, que é a faxineira-cozinheira-monitora-governanta-lavadeira-passadeira e babá daqui de casa. E foi por isso, por causa do pêlo, que eu lembrei do Tony Ramos. E alguém me falou que a nova novela tem um monte de indianos com nome de indianos. E depois eu vi o Tony. E em seguida eu pensei, nossa, onde andará a Baby Consuelo e aquele monte de filhas dela, que têm aqueles nomes todos de indianas e indígenas? E aí chegamos ao Menino do Rio, na voz dela, que fica ecoando na cabeça da gente feito chiclete...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Keanu é um ET



Depois de visitar o blog do Esfarelando Mwho resolvi assistir ao filme “O Dia em que a Terra Parou”. É sem-graça mesmo. Mas acho que o Keanu Reeves encontrou o papel de sua vida. Ele realmente parece um E.T. Talvez até devesse voltar para o disco-voador. Faria inclusive muito bem se voltasse para um disco-voador do Independence Day e explodisse por lá. Na verdade, acho que o Keanu é ótimo para qualquer refilmagem de clássicos de ficção científica ou ficção não científica. Segue abaixo a minha lista de filmes que deveriam ser refilmados com o Keanu:

1 – Frankenstein – no papel-título. Desde que o Frank não fale.

2 - Dr. Jekill e Mr. Hide – no papel de Mr. Hide.

3 – King Kong – na refilmagem da refilmagem, no papel que era do Jack Black, aquele mala sem alça. O que o Keanu tem de inexpressivo o Jack tem de overexpressivo.

4 – Matrix – no papel de Mulher de Vermelho.

5 – Matrix II – no papel de Mulher de Vermelho II.

6 – Guerra nas Estrelas – no papel de Chewbacca.

7 – X-Men I – no papel de Presidente.

8 – X-Men II – no papel de Presidente II.

9 – X-Men III – no papel de Presidente III.

10 – 2001 – Uma odisséia no Espaço – no papel de HAL.

Não. É brincadeira. Eu gosto do Keanu. Se eu fosse o Spielberg eu o teria escalado para fazer o papel do Robô Latin Lover em A.I. – Inteligência Artificial. É verdade. Ele já tem o cabelo emborrachado.

Ou a Fada Azul. A Fada Azul seria melhor.

Também acho que Keanu Reeves seria um ótimo cara para a refilmagem de “O Homem Invisível”.

Foi pensando nesse extraordinário ator que eu decidi fazer a minha lista dos cinco ETs que existem entre nós. São os caras que desceram do disco-voador e resolveram se misturar com os pobres terráqueos. Mas todos são malas como o Keanu.

Só podem ser extra-terrestres: ...

Pensando bem, espero a contribuição de todos para desmascarar esses ETs de uma vez por todas.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Albatroz



Nada como uma ferramenta eletrônica para enfeitar uma coisa.
Estou enrolando para comprar um gadget para desenho.
Talvez no próximo mês.
As coisas que eram muito, muito caras, de repente ficaram apenas muito caras.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Estamos todos bem



É a mais pura verdade. E a foto acima dava até para ilustrar a chuvarada do último domingo. Não foi igual, mas foi muito parecido.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

domingo, 18 de janeiro de 2009

Domingo na chuva



A chuva caía forte e mesmo assim eu resolvi voltar para casa. A ventania já havia desfolhado boa parte das árvores e também derrubado muitos dos galhos mais fracos de todas as árvores às margens da pista. É raro chover assim. Havia tanta água que o sistema de escoamento não estava dando conta. As pistas estavam cheias de armadilhas, com poças gigantescas. Transitar por ali exigia perícia e sangue frio. Um único vacilo e a água entraria pelo escapamento e o carro simplesmente apagaria, no meio da rasa, porém extensa piscina.

Mesmo assim, eu fui. Liguei os faroletes, resoluto. Mas logo ali, depois da primeira curva, uma certeza me assaltou. Eu teria que mudar de caminho. A pista reta que eu costumava usar para voltar, de aproximadamente um quilômetro, havia se tornado num alagadiço com um espelho de trinta centímetros de água. Se eu fosse por ali, certamente ficaria no meio do caminho ao cruzar com um carro mais alto, que provocasse uma ondulação e afogasse o escapamento.

Dei meia volta e segui pelo caminho mais longo, onde a pista parecia menos cheia dágua. Em diversos trechos a água acumulada na pista chegou até um palmo acima do início da porta, mas eu consegui. Até o viaduto, pelo menos oito longos trechos de água foram vencidos graças à minha extraordinária sorte, habilidade, sangue-frio e teimosia. Sim, senhoras e senhores. Venci todos os lamaçais, poções, panelões e banheiras gigantescas que haviam no caminho até o viaduto.

Era ali que os homens se separavam dos poltrões. Que os verdadeiros e legítimos senhores das ruas se distinguiam dos neardentais do volante, dos apedeutas dos pedais, dos amadores flatulentos. O pequeno Ford Ka à minha frente parecia estar fazendo exatamente as mesmas reflexões. O motorista abriu a porta e desceu, apesar da chuva caudalosa. O sujeito devia ter uns dois metros de altura. Era difícil acreditar que ele coubesse num Ford Ka, mas eu vi com os meus próprios olhos, então não duvido. Pois esse gigante amarelou. Ele deu meia volta e estacionou para ver a chuva passar. Mas ela não passava.

Eu encarei o viaduto e a enorme piscina que havia debaixo dele. Naquele instante, tal como Charlton Heston fizera em “Os dez mandamentos”, uma enorme Ranger havia rasgado a piscina como se fosse o Mar Morto abrindo caminho para a fuga do Egito. Era muita água. Com a ponta do pé, acariciei o acelerador, duas vezes. Rummm! Rumm!

E foi então, senhoras e senhores, que peguei um embalo dos bons e acerelei, em segunda marcha, para o meio daquela piscina de ondas sob o viaduto. E quando estava prestes a cruzar a piscina uma camionete surgiu do nada atrás de mim, acelerando como se estivesse participando de uma final do campeonato mundial de passagem de viadutos. A onda chegou ao escapamento no exato momento em que as duas rodas da frente já haviam superado a grande lâmina dágua. Foi a minha sorte. O carro morreu instantaneamente.

Então eu pulei para fora e empurrei o carro mais um pouco, só para sair da linha de perigo total. Liguei o pisca-alerta e fiquei olhando a chuva. Caramba! Fazia tempo que não chovia tanto. Uns cinco minutos depois consegui fazer o carro pegar e fui para o shopping, tentar trocar o celular. Não consegui. Mas essa é outra história.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Coçadas e pulinhos



Eu também já tive vontade de conversar com bichos. Deve ser um desejo comum, toda hora fazem um filme, lançam um desenho animado e lá estão os bichos falantes.

Uma vez vi num filme do Pasolini que os pássaros se comunicavam com pulinhos. Foi no filme “O Evangelho Segundo São Mateus”. Dois padres fazem uma longa caminhada acompanhados por um corvo falante. É um filme bárbaro, todo mundo que era metido a esquerdista adorava, preciso rever. Os dois padres num momento qualquer tentam se comunicar com os passarinhos. É uma fábula divertida. Passam meses assobiando. Chilreando. Cantando. E de repente, um deles descobre que os pássaros se comunicam uns com os outros com os pulinhos. Era uma grande sacada. Então eles começam a pular e a conversar com os passarinhos. Até cansar.

E nesse filme eles descobrem que os passarinhos não têm muito a dizer. Aliás, os dois descobrem que os passarinhos são chatos à beça.

Então, por mero acaso segui o método Pasolini de descobrir como é que os bichos falam. E eu descobri que os cachorros falam com coçadas e coçadelas.

Foi assim. Eu estava na casa do meu pai, de frente para piscina. Fiquei observando o Leão, que é o boxer do meu pai. Em dia de sol quente, o Leão não é de ficar muito perto da gente. E também late pouco. Ele gosta mesmo é de ficar deitado na grama, na sombra. Fiquei coçando o queixo, de olho no Leão, mas pensando em outra coisa. Foi aí que percebi que ele coçava a cabeça. Cocei o queixo. O Leão coçou o queixo dele, que mal existe. Cocei a cabeça. O Leão coçou a cabeça. Cocei a orelha. Leão também coçou a orelha. Cocei o joelho. O Leão se levantou e rosnou.

_Tá bom, tá bom, eu sei que cachorro não tem joelho – eu disse, para acalmar o bicho.

Voltei a coçar a cabeça. O Leão coçou a cabeça.
_Leão – eu disse – mas que papo mais chato, hem?

E assim foi. Até hoje continuamos nos cumprimentando. Coço a orelha. O Leão também. Mas não passamos disso. Ou seja, pelo tanto que conversamos, o Leão é como se fosse um dos meus vizinhos.

Quando está muito comunicativo, Leão se coça que é uma beleza. Ou talvez esteja precisando de um banho.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Superpoderes



Tenho de confessar. Na minha cabeça, todo mundo tinha um superpoder. Só que você não poderia demorar muito tempo para descobrir o seu superpoder, senão ele desapareceria. E na minha cabeça, o superpoder só durava até o último dia dos doze anos de idade, ou seja, até a véspera do aniversário de treze anos.

Não sei quando surgiu essa idéia de superpoder, mas quando eu tinha doze anos, eu procurava o meu superpoder até cansar. Não vou culpar as revistas em quadrinhos e nem a televisão. Também não ponho a culpa no cinema, nem na má qualidade da educação. Era uma encucação minha, só isso.

Lembro de observar tudo o que acontecia comigo para ver se encontrava o meu super-poder. Teria eu uma superaudição? E colocava a mão em concha para ver se conseguia escutar as conversas dos outros apartamentos. Não ouvia nada anormal, é claro. Teria eu uma superforça? Nããã. Uma superfraqueza? Nããã.

Tentei de tudo. Seria eu capaz de andar sobre a água? Felizmente fiz o teste numa piscina, de sunga. Poderia voar? Caí no macio. Provocaria terremotos com o pensamento? Furacões com o olhar? Faria o tempo voltar? Congelaria o presente? Adivinharia o futuro? Calcularia equações algébricas não-lineares? Teria visão de raio-x? Falaria com os animais? Hipnotizaria automóveis? Comandaria aparelhos eletrônicos utilizando controles mentais e cera de ouvido? Seria capaz de transformar meu corpo em metal? Lançaria chamas pelos dedos?

Nada disso, é claro. Lembro de fazer os testes de controle mental para destravar o meu superpoder. É. Não bastava descobrir qual era o superpoder. Depois de doze anos de não utilização, era necessário saber como despertar o superpoder e utilizá-lo em sua plenitude. Como eu já sabia pelas revistas em quadrinhos, geralmente um ser nasce super ou descobre o superpoder numa situação de absoluto stress. O Hulk tem que ficar muito p da vida. O Homem-de-ferro tem que ficar à beira da morte. O Homem-Aranha tem que ser picado por uma aranha venenosa radioativa. Os quatro fantásticos têm que ser submetidos à radiação espacial. O Demolidor tem ficar cego por causa de uma substância radioativa que cai sobre seus olhos.

Rá! Mas eu não era um idiota! Eu não ia me machucar à toa, ora essa! Por isso, também fazia parte da minha busca de superpoder verificar se havia aranhas radioativas perto de casa. Também procurava localizar caminhões com substâncias radioativas e naves espaciais que pudessem me dar uma carona. E eu também prestava atenção no noticiário a respeito de meteoros e meteoritos, nunca se sabe onde eles podem cair e trazer do espaço.

O espaço. Sim, senhor. Eu também sonhava com o dia em que as mulherzinhas verdes do espaço, por causa do meu bom coração e da minha extraordinária humanidade, me nomeariam guardião perpétuo do planeta e me dariam um elmo espacial, capaz de disparar raios cósmicos para destruir canhões e baionetas. Sim, senhor.

Sim, eu era um superidiota. Ou talvez estivesse procurando no lugar errado.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Tesse e La vie en rose



Ando remexendo em muitas gavetas. E outro dia, a Patroa ainda não tinha viajado, eu encontrei um DVD de Frantic, do Roman Polanski. Acho que nunca disse aqui que adoro os filmes do Roman Polanski. Ele é um gênio que percorre todos os gêneros do cinema.

Chinatown é o filme policial clássico, com o detetive durão e sentimental.
A Dança dos Vampiros é a comédia de terror, a ironia com os vampiros.
O Bebê de Rosemary é o filme de terror absoluto, de arrepiar.
MacBeth é o clássico dos clássicos.
Tess é o romance por excelência, com Nastassja Kinsky sedutora e magnífica.
Piratas é outra brincadeira sensacional com os filmes de flibusteiros e corsários.
Frantic, ou Busca Frenética, é o suspense à la Hitchcock, com um médico pacato se metendo numa complicada intriga internacional de marginais e espiões.
Lua de Fel é o romance moderno, desesperançado, ambientado num cruzeiro marítimo. Um casal atormenta um homem com suas culpas e desejos dentro de um navio.
Os nove portais, com Johnny Deep, é outro filme de suspense e terror, que tem um início legal, com as artimanhas de Deep para comprar livros de viúvas a preço de banana. Mas depois fica meio chato.
O último pianista, que ganhou Oscar, é a incursão pelo filme de II Guerra, Nazismo, Holocausto e sobrevivência. Não chega a ser um gênero, mas existem muitos filmes com essa temática.
Por fim, Oliver Twist. Caramba, esse foi um dos livros mais tristes que li em toda a minha vida. Acho que Polansky fez um filme correto, ilustrativo. Oliver sofre pouco. E na minha cabeça, no livro Oliver sofre à beça, parece que existem muito mais situações em que a inocência e o caráter do garoto são colocadas à prova. E sua devoção ao velho Fagin, o professor de ladroagem, também não ficou muito bacana na telona.

O mais legal é que ele sempre descobre um jeito de colocar uma cena sensacional na trama num lugar inusitado. A trama é sempre filmada em sua maior parte num castelo, num bote, num navio, numa biblioteca, num escombro, num porão, num bairro esquisito, num lugar onde a gente se sente estrangeiro. Durante todos esses anos, eu venho colecionando os filmes do Polansky. E também coleciono, na cabeça, as cenas dos filmes. Tenho pelo menos uma de cada filme, menos de O Bebê de Rosemary, que morro de medo, não vejo.

A primeira cena sensacional de que me lembro dos filmes do Polanski é com a Nastassia Kinsky, linda de morrer, aceitando um morango que lhe é oferecido pelo seu sedutor, o homem que um dia ela irá matar. NK mordisca o morango. E depois olha para frente, para o homem que lhe estendeu a mão com o morango. Foi depois daquela cena que eu descobri que a paixão nem sempre é uma coisa boa, mas é quase sempre irresistível.

E de onde veio tudo isso? Tudo porque eu ouvi uma nova versão de La vie en rose no blog da Mawa. E La vie en rose é uma das músicas que mais tocam em Frantic e ....

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A flor do Maracujá


Transcrevo abaixo o poema A Flor do Maracujá, de Catulo da Paixão Cearense. Desde criança ouço meu pai recitar esses versos. Ele possui uma memória prodigiosa e ao encontrar o poema na Internet, ficou em dúvida quanto ao verso 13, assinalado. Mas fiz uma longa pesquisa e parece que é mesmo com a palavra claridade, ao invés de "coalhada".



Encontrando-me com um sertanejo
Perto de um pé de maracujá
Eu lhe perguntei:
Diga-me caro sertanejo
Porque razão nasce roxa
A flor do maracujá?
Ah, pois então eu lhi conto
A estória que ouvi contá
A razão pro que nasci roxa
A flor do maracujá
Maracujá já foi branco
Eu posso inté lhe ajurá
Mais branco qui claridadi
Mais brando do que o luá
Quando a flor brotava nele
Lá pros cunfim do sertão
Maracujá parecia
Um ninho de argodão
Mais um dia, há muito tempo
Num meis que inté num mi alembro
Si foi maio, si foi junho
Si foi janero ou dezembro
Nosso sinhô Jesus Cristo
Foi condenado a morrer
Numa cruis crucificado
Longe daqui como o quê
Pregaro cristo a martelo
E ao vê tamanha crueza
A natureza inteirinha
Pois-se a chorá di tristeza
Chorava us campu
As foia, as ribera
Sabiá também chorava
Nos gaio a laranjera
E havia junto da cruis
Um pé de maracujá
Carregadinho de flor
Aos pé de nosso sinhô
I o sangue de Jesus Cristo
Sangui pisado de dô
Nus pé du maracujá
Tingia todas as flor
Eis aqui seu moço
A estoria que eu vi contá
A razão proque nasce roxa
A flor do maracujá

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A pessoa que é atacada



Vivem me atribuindo origens esquisitas. Acho que é por causa da careca. Tem gente que acha que eu sou nordestino. Eu não tenho sotaque de lugar nenhum. Tem gente que me chama de ateu. Eu rezo todas as noites o Pai Nosso e a Ave Maria. Tem gente que acha que eu sou de Minas. E eu não sei nem andar em BH. Um cara uma vez me chamou de mexicano. E não suporto guacamoles. Tem gente que me acha esnobe. O que é compreensível. Uma vez, na escola, uns caras me xingaram de palhaço metido. E eu até hoje não desmenti ninguém. Embora tenha brigado com os caras na escola. Aliás, foi naquela ocasião que decidi que não vale a pena apanhar por causa da opinião dos outros. Não mesmo. Especialmente se você estiver apanhando em minoria absoluta e sozinho. E ainda mais quando você tiver razão. E muito especialmente quando você está coberto de razão e os caras estão mais interessados em quebrar o seu nariz do que nos seus argumentos. E superespecialmente quando você está com a razão moral e os caras querem que você se exploda.

Eu e o Mr. Flowers estávamos conversando. O Mr. Flowers é metido a intelectual, às vezes. Eu acho intelectual um saco. Mas gosto de conversar com o Mr.Flowers. Em geral, ele é um dos poucos caras no trabalho que conseguem concatenar duas frases inteiras sem relação com o noticiário da TV. Eu, com o passar do tempo, cansei de falar do que se falou no noticiário da TV. Mas hoje o Mr. Flowers não conseguiu resistir:

_ Você só pode se defender como a pessoa que é atacada. Veja Israel em Gaza, por exemplo – diz o Mr. Flowers.

Ele acha que eu sou judeu. Ele pensa que eu sou judeu por minha própria culpa. Além de ser judaico-cristão, a eterna sensação de culpa é um traço cultural tipicamente português e brazuca. A verdade é que não foi culpa de ninguém, a não ser da promoção de preços. Eu tinha acabado de comprar uma reedição do livro de estréia de Philip Roth, estava com o exemplar na mão e tropecei no Mr. Flowers saindo da livraria, no shopping, logo depois da hora do almoço. Por falta de assunto e em resposta a perguntas triviais, acabei falando sobre o "Goodbye Columbus" recém-adquirido com o Mr. Flowers. Em cinco minutos, eu falei superficialmente sobre Bar Mitzvahs, secularização, relicários, solidéus, comida kosher e sionismo. Desde então ele acha que eu sou judeu.

_ Li essa frase brilhante - continua o Mr. Flowers - num dos artigos que andei bisbilhotando sobre a guerra na faixa de Gaza. Mas não tenho mais certeza, pode ter sido sobre Hanna Arendt ou sobre uma nova biografia da Susan Sontag. Tenho lido muita coisa e aí acabo perdendo a referência das coisas. Mas a verdade é que você só pode se defender como a pessoa que é atacada. O que você acha do que está acontecendo em Gaza, com os bombardeios?

O Mr. Flowers não é muito discreto. Ele atira nomes de autores judeus como João e Maria fizeram com as bolotas de pão, enquanto entravam na floresta. Acho que ele pensa em arrancar uma confissão minha. Ele espera que eu vire as costas para Meca, encare Jerusalém e diga que sou judeu. Embora eu não seja. Mas também não vou desmentir o cara. Não, senhor. É divertido observar as voltas que ele dá. Além disso, meu nariz ainda dói em dias de chuvas fortes. De qualquer forma, o passarinho aqui não quer saber de pelotas.

_ Mr. Flowers, eu digo, sou uma das pessoas mais ignorantes do mundo sobre as questões do Oriente Médio, sobre Israel, sobre a Palestina e o Monte Ararat. Então não vou meter o nariz, digo, o bedelho nessa discussão.
_Fica frio, que eu também acho essa coisa deprimente. Não vou lhe dizer o que eu penso sobre isso. Sobre a Hanna Arendt também não sei quase nada, mas tudo o que li dela e sobre ela sempre me fez pensar muito. O mesmo posso dizer da Susan Sontag, que escreveu genialmente sobre fotografia, só para mencionar um único tema. Mas sobre a frase posso falar. Mesmo fora do contexto.
_Desembucha, Flowers.
_A frase trata da melhor maneira de se responder a um ataque. E a frase diz simplesmente o que está dito. Se você é atacado por ser negro, você só vai poder se defender se assumir a sua negritude. Ou seja, não adianta dizer que é brasileiro, que aqui é tudo misturado e blá, blá, blá. Isso aí não é defesa a ataque. O mesmo vale para, em outro exemplo, o judeu. Se você é atacado por ser judeu, terá que se defender como judeu e não como um cidadão de Israel num mundo globalizado.

_Ah, é? E se te chamam de pederasta tricolor? – eu digo, só para provocar o Mr. Flowers.
_Deve haver algum engano, é claro – diz o Mr. Flowers. Mas, se não me sinto atacado, não há motivo para defesa. Eu não sou tricolor e sou um heterossexual convicto. Não preciso responder ao que não considero ataque.

Puxa vida, eu pensei, eu deveria ter conhecido o Flowers na minha época de escola. Isso teria me poupado um nariz e dois dentes.

_Hum! E se te chamam de muçulmano terrorista, te dão um prazo para acabar com o lançamento de foguetes e depois mandam bala e bomba em cima de você? - eu continuo, provocante.
_É complicado, Careca, mas sou simpático à causa...- começa Mr. Flowers.

_Supercomplicado- eu atalho. Mas e se a sua defesa tiver sido o ataque? - eu digo, levantando as sobrancelhas, como quem diz "Ahá! Agora eu te peguei!". Muito embora seja bem difícil expressar isso com um simples levantar de sobrancelhas. Não importa.
Mr. Flowers ainda não desistiu. Ele me olha com uma última pergunta presa na manga.

_Careca, que tal um almoço não-kosher?
_Hoje estou enrolado, não vou ter tempo de almoçar.

Nem deu tempo mesmo.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Pós-polaróide

Remexi uma gaveta outro dia e encontrei uma foto antiga. Uma polaróide. Estamos reunidos numa mesa de bar. Estamos radiantes e felizes. É extraordinário como algumas fotos conseguem captar estados de espírito. Em geral, apenas fazemos uma pose padrão, uma cara de foto e pronto. Às vezes, nem isso. Olhamos com enfado para quem aperta o obturador.

Mas essa era uma foto polaróide. E saber qual era a mídia ajuda a situar a foto.

Aqui, nessa cidade, havia umas pessoas que andavam de bar em bar se oferecendo para fotografar os outros com polaróides. As máquinas digitais ainda não haviam proliferado. Os celulares, se já existiam, ainda eram grossos tijolões sem praticidade e sem câmaras acopladas.

_Aí moço, quer uma foto?

E uma só foto custava mais do que duas cervejas. E além das fotos, havia também os meninos e meninas que vendiam flores. Os vendedores de isqueiros, cachimbos e maricas. Os artesãos. As moças e rapazes que vendiam colares de prata Argentina. As moças e rapazes que vendiam badulaques da China. As moças e rapazes que descolavam um troco vendendo colares de osso, artesanato de cobre de fio furtado, durepoxi, botoms, alfinetes de segurança e pulseiras de sementes coloridas. Uma moça gordinha que vendia poesias manuscritas. Ela usava canetas hidrocores com letras bem desenhadas. Um coroa maluco que vendia pinturas na tela, sem moldura. Saía andando com as telas penduradas como panos de prato, no braço. Aí parava e começava a exibir as pinturas uma a uma. E todas as vezes que eu o via, não sei o motivo, eu pensava em Verônica a levantar o lenço com o rosto do Cristo. Talvez tenha sido esse gesto mesmo o de Verônica, o de levantar ainda incrédula e pasma, o lenço com o rosto marcado, indelevelmente. E havia muitos. Havia o cartunista de um dos jornais, que fazia sua caricatura na hora. Um velho professor poeta, que também recitava seus poemas e adorava falar dos tempos áureos da poesia norte-americana e de quando conheceu Drummond. E tanta, tanta gente.

Daqui a algum tempo, teremos essas pessoas que vão tirar nossas fotos e nos mandar por e-mail. Os caras que andarão com mini-impressoras e entregarão a sua foto na hora, impressa ali ao lado, em alta qualidade e no tamanho que você quiser. Os chapas que usarão celulares espetaculares para tirar uma foto e mandar imediatamente para a sua caixa eletrônica. Também farão filmes inteiros, se você quiser, com imagem e som de alta definição.

E no futuro, quando abrir uma gaveta, ali estará uma velha imagem holográfica policromática que você tirou da sua turma. Todos radiantes e felizes. E antes que a imagem se dissolva, você dirá para si mesmo como é extraordinário....

Mesmo assim, lá no futuro, as lembranças continuarão a ser apenas lembranças.

sábado, 10 de janeiro de 2009

McVicar



Logo depois do Natal, em 2008, eu encontrei um amigo que não via há anos.

Um dia, no século passado, esse meu amigo me ligou à noite me convocando para viajar com ele, a namorada e a irmã da namorada. Eu não diria não, de qualquer forma.

_Sairemos na madrugada de hoje – ele disse.

Na época, a minha namorada tinha viajado para outro lugar. E por despeito, eu resolvi viajar com esse meu amigo e as duas irmãs. Em dez minutos eu aprontei a minha mochila básica. Na madrugada, eu já estava pronto. Até hoje me espanto com a rapidez com que eu decidia essas viagens malucas. Meus pais deviam ficar loucos. E aparentavam tranqüilidade.

Foi uma viagem superbacana. Fomos para o sul. Passamos por Curitiba. Sorocaba. Vila Velha. Gramado. Florianópolis. Ilha do Mel. Mangaratiba. Bombas e Bombinhas. Na minha memória, o roteiro deixou de ser linear e virou um amontoado de seqüências que não ordeno direito sem um mapa. E às vezes fantasio um pouco. Lembro de poucas coisas. Mas depois de apenas dois dias de viagem, éramos dois casais de adolescentes, com quase vinte anos.

Uma das moças teve a câmara furtada. As fotos que tiramos se perderam. Nós nunca nos sentamos todos os quatro juntos para ver as fotos daquela viagem, marcante também em suas desventuras.

No meio da viagem, aquela minha namorada resolveu me encontrar. Foi um anticlímax. A cumplicidade dos dois casais, que havíamos desenvolvido em pouco mais de uma semana, desapareceu. Acabamos, eu e essa namorada, voltando para casa de ônibus. E depois o namoro terminou.

Com o sumiço das câmaras e a falta de retratos, a maior parte dessa viagem eu só lembro por conta da música. Ainda era a época da fita cassete. E eu havia acabado de gravar a trilha sonora que o Roger Daltrey havia feito para “McVicar”, um filme estrelado por ele mesmo. Durante a primeira parte da viagem antes de chegarmos às muitas praias que fomos, todos os dias escutávamos a fita no carro, percorrendo dezenas de quilômetros. E na minha memória, o que me lembro mais é de estar dentro do carro e de conversar animadamente com esse meu amigo e as duas irmãs, com risadas e gargalhadas, durante o percurso. Ao fundo tocava “My time is gonna come”. E era mesmo sensacional não estar preocupado com nada.

Quando nos encontramos, a primeira coisa que esse meu amigo perguntou foi se eu ainda tinha aquela fita. Eu disse que sim. Mas ele sabia que eu mentia. Essa fita não está em lugar nenhum. Assim como ele, só encontro essa fita dentro de mim. E ela está junto com as outras fitas e lembranças, que muitas e muitas vezes eu prefiro não tocar.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Onde estou?




Comprei, só para experimentar, um caderno da Saraiva que imita o Moleskine. É preto. Tem o elástico preto. Mas não tem o envelope do final e nem aquela mística do marketing bem feito do Moleskine. Também não é tão bem encadernado na China, como o outro. E a imitação do couro da capa é um pouco diferente, parece mais grossa. Mas gostei muito de escrever no caderno. E isso despertou a minha simpatia. Um outro detalhe também me apeteceu: a capa do caderno excede em dois ou três milímetros o seu miolo. Isso facilita o manuseio e contribui para manter o caderno mais limpo.


Como todos da minha Kombi de leitores sabem, eu procuro escrever todos os dias. E como poucos sabem, eu também procuro desenhar todos os dias.

De tanto procurar, um dia vou acabar aprendendo.
Mas na maior parte das vezes, eu acabo me perdendo.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Seja forte, Joe!

Desde que tínhamos doze anos
Nós somos irmãos
São só trinta e um anos de irmandade
Ainda estão longe de ser cinqüenta
É tempo
De se perder a conta
Então seja forte, Joe
Aguente firme
Faltam vinte e nove para sessenta

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O lar é sempre alguém

Essa é a última frase do excelente Viagem ao fundo da sala, do Tibor Fischer. Ele antes deixa bem claro: nunca é um país, nunca é um lugar. O lar são as pessoas que a gente ama. E meu lar estará viajando nessa semana. Mais precisamente, amanhã. Mas já estou com saudades.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Arte boa dá sede

Vi diversos poemas do Manoel de Barros no domingo. Foi numa animação que faz parte da exposição “Arte para Crianças”. A Patroa, eu e as crianças resolvemos conferir a exposição depois que alguém falou que valia a pena. Quero dizer, não foi bem assim. Meu filho, de cinco anos, e eu não estávamos muito entusiasmados. Eu não demonstrei nada, disfarcei legal. No caso, meu filho não fazia a menor questão de ir e inclusive chegou a bater o pé para não ir. Nós o convencemos com o velho argumento de autoridade e necessidade.

_Vamos nessa, filhote! Quem não for não almoça!

As mulheres da família, pelo contrário, estavam entusiasmadíssimas com o programa. Minha filha, de quatro anos, escolheu o conga cor-de-rosa mais brilhante do armário para ver a exposição. E a Patroa pegou uma bolsa bem grande. Já descobri que o entusiasmo das mulheres é proporcional ao tamanho das bolsas que escolhem para sair. No caso das meninas, o item de vestuário determinante é o calçado. A regra só não vale para ocasiões de gala, onde geralmente o que importa é a combinação do tamanho do decote do vestido com o preço do sapato que combina com o vestido. No resto, a expectativa do mulherio é diretamente proporcional ao tamanho da bolsa que escolhem para sair.

Quando chegamos à exposição fiquei completamente relaxado. O local não estava lotado de hunos e nem de vândalos, como eu temia. Pelo contrário. Dava para contar as pessoas usando os dedos das mãos e dos pés. Nessa época de multidões e aglomerações festivas, foi realmente um alívio perceber que ninguém liga a mínima para arte e coisa que o valha. Se fosse uma exposição de Playstation ou de Nintendo tenho certeza de que haveria mais crianças ali do que no primeiro dia da volta às aulas.

Isso conferiu aos meus pupilos a alegria desenfreada de poder brincar com tudo o que estava à disposição com muito mais liberdade, sem entrar em filas.
E foi super, ó minha Kombi de leitores. Gostei muitíssimo da animação dos poemas do Manoel de Barros. E ao sair da projeção me deu uma sede danada. Gostei pacas de umas outras coisas, como a sala de formas geométricas e das árvores de desejos. Gostei de ver o meu filho, que estava tão resistente a ir à exposição, abrir um sorriso enorme e correr para todos os lados. E gostei de ver eu mesmo sem falar “cuidado” e “não” por mais de duas horas. Minha sede estava cada vez maior.

E do lado de fora de uma instalação gigantesca, fiquei observando os poucos adultos e crianças que passeavam pelo local. Sinceramente, fiquei constrangido de brincar naquele playground depois da explicação da monitora. Até sumiu a minha sede.

_Esta obra simboliza o útero materno em suas reentrâncias e saliências...

Nem quis ouvir o resto. Fui logo sentar num banquinho para observar os outros constrangidos. Eram pais velhos, como eu. Pais metidos a alternativos conforme a conveniência, que nem eu. Com filhos alegres e despreocupados, como os meus.
E, como eu, esses caras não se dispuseram a brincar dentro da instalação. Talvez porque não fiquem à vontade brincando em útero gigantes. Talvez porque também tenham resistência a ficar descalços em locais públicos. Então, esses pais velhos, como eu, ficaram de fora da instalação, que também tinha piscina de bolinhas e nuvens e era quente como um forno.

Dava para escutar os gritos de alegria das mulheres e crianças do lado de dentro. Depois, a Patroa saiu da instalação e foi comprar uma garrafa d’água. Arte faz as crianças suar um bocado. Mas eu prefiro poesia. E consegui tomar dois goles da garrafinha.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Código Morse para o infinito

Aqui em casa exerço legalmente a medicina dos brinquedos. Sou eu que colo tudo. Emendo e remendo. Costuro. Moldo e invento consertos para os mais diversos brinquedos, que não são feitos para durar. Os brinquedos de hoje em dia, é preciso reconhecer, são bonitos e brilhantes, mas não agüentam um tombinho de nada. Com duas horas de apertos e ricochetes eles trincam e se rompem.

Menos os Max Still, é claro. Os bonecos do Max Still agüentam porrada pra caramba. Meu filho inventa desastres terríveis para cada um deles e os bonecos agüentam todos os desafios. E sempre mantêm a cara de espertos, com um meio sorriso de prontos para outra. Meu filho leva isso ao pé da letra. Os Max Still despencam das mais diversas alturas. São pisoteados, arremessados, torcidos, espinafrados e centrifugados. Os Max são continuamente atropelados, flechados, espancados e torturados das mais angustiantes maneiras. E resistem, com o meio sorriso. Já resgatei um Max com roupa de mergulho no vaso sanitário. Já socorri um Max que caiu do terceiro andar. Enterrei um outro, que realmente foi atropelado por um carro de verdade. Ali não havia o que fazer.

E ontem fiz história. Realizei com sucesso o primeiro transplante de braço, seguido de transplante de perna do Max Still mergulhador, aquele, que salvei do vaso. Ele ganhou braço e perna de um outro Max, que devia ser um surfista ou coisa parecida. Max Mergulhador foi vítima de uma porta, que primeiramente se fechou sobre seu braço. E, segundamente, sobre uma de suas pernas. As articulações dos Max são particularmente sensíveis e pouco aceitam cola. Quer dizer, você cola, mas bastam alguns trombolhões e o colado se descola.

O Max doador foi rebatizado de Max Refill. O surfista foi vítima de atribulações diversas de primos mais velhos, que detonaram o coitado com a ajuda de um alicate. Max Refill ficou como o Kunta Kintê, sem metade do pé esquerdo e com a articulação de um braço completamente danificada. Não havia como consertar. Por isso, quando percebi o Max Mergulhador naquele estado decidi partir para a cirurgia. Max Refill ainda possui uma série de partes em bom estado. E mantém o meio sorriso. Às vezes eu acho que preciso ser como o Max, estóico e heróico. Outras vezes, penso que só mesmo sendo um boneco de plástico para aguentar uma série de abusos.

E ontem, durante os processos cirúrgicos, eu pensava: “Max manteve todos os segredos, mesmo sob a mais abominável tortura. Ele manteve o ultrajante meio sorriso no rosto, para desgosto e despeito dos seus algozes. Sim, Max sorria, para agonia de seus desprezíveis torturadores. Deitado na mesa de cirurgia, ele tamborilava com os dedos uma mensagem em código Morse para o infinito. E enquanto o perigoso cientista nazista se preparava para amputar uma de suas pernas, Max Refill... ”

sábado, 3 de janeiro de 2009

O Careca não será mais tão teimoso

Novo roteiro para mim mesmo
A minha resolução de ano novo foi de sair da mesmice. Criar novos roteiros, mas sem querer o novo pelo novo. No balanço de fim de ano, descobri que tem muito shopping e pouco parque nos meus momentos de lazer. Não é que eu seja louco por parque. Em geral, ou faz sol ou chove, nos parques. Quando o tempo é bom, estou fazendo outra coisa, longe do parque. Quando faz sol e estou no parque, não levei protetor solar. Quando chove, se estou no parque esqueci o guarda-chuva. Se eu insisto, sob o sol, torro. Sob a chuva, insistir é moléstia grave, de pneumonia pra cima. O shopping, por sua vez, está com uma ala nova bem climatizada.

Não trema, com Smith não há problema!
As novas regras do português vieram para ficar. Ainda bem que tudo mudou. Eu já não agüentava mais aquelas regrinhas de antigamente. Sempre gostei de decorar coisas novas.
E vai ser ótimo comprar novos dicionários.

Lista curta de coisas a fazer todos os dias
1- Acordar.
2- Conferir o relógio e dormir mais dez minutos.
3- Tropeçar até o chuveiro.
4- Deixar a água rolar, fria.
5- Dizer bom dia ao espelho.

Não fincarei pé!
O Careca sempre foi teimoso. Mas esse ano quer ver se muda para melhor. Vou tentar me reinventar um pouco. Como diria Keri Smith: Take a lighthearted approach (Don't take yourself too seriously). If you feel stuck, you can always reinvent yourself.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Ainda não aconteceu nada



A primeira manhã de janeiro não valeu. Como só fui dormir às três da manhã, não consegui acordar cedo. Nem as crianças. Embora elas tenham se esforçado bastante, só conseguiram se levantar às dez e meia. Acordamos todos em outro ano. Mas parecia o ano anterior.

_Pai, esse ano novo parece muito com o outro – falou o meu filho mais velho, de cinco anos.

_É, Paiê, é igualzinho – disse a minha filhota, que é um ano mais nova.

_Eles são parecidos no início, mas depois tudo fica bem diferente – eu digo, misterioso.

_É pai? O que vai acontecer?

_Conta pra gente, paiê.

_Vamos esperar pra ver – eu digo. E trato de ir arrumar uma mochila com umas coisas para aproveitar o sol e a piscina do primeiro dia do ano.

Quase um minuto depois, minha filha puxa a minha bermuda.

_Paiê, já cansei de esperar e ainda não aconteceu nada.

Frase do dia