domingo, 18 de janeiro de 2009

Domingo na chuva



A chuva caía forte e mesmo assim eu resolvi voltar para casa. A ventania já havia desfolhado boa parte das árvores e também derrubado muitos dos galhos mais fracos de todas as árvores às margens da pista. É raro chover assim. Havia tanta água que o sistema de escoamento não estava dando conta. As pistas estavam cheias de armadilhas, com poças gigantescas. Transitar por ali exigia perícia e sangue frio. Um único vacilo e a água entraria pelo escapamento e o carro simplesmente apagaria, no meio da rasa, porém extensa piscina.

Mesmo assim, eu fui. Liguei os faroletes, resoluto. Mas logo ali, depois da primeira curva, uma certeza me assaltou. Eu teria que mudar de caminho. A pista reta que eu costumava usar para voltar, de aproximadamente um quilômetro, havia se tornado num alagadiço com um espelho de trinta centímetros de água. Se eu fosse por ali, certamente ficaria no meio do caminho ao cruzar com um carro mais alto, que provocasse uma ondulação e afogasse o escapamento.

Dei meia volta e segui pelo caminho mais longo, onde a pista parecia menos cheia dágua. Em diversos trechos a água acumulada na pista chegou até um palmo acima do início da porta, mas eu consegui. Até o viaduto, pelo menos oito longos trechos de água foram vencidos graças à minha extraordinária sorte, habilidade, sangue-frio e teimosia. Sim, senhoras e senhores. Venci todos os lamaçais, poções, panelões e banheiras gigantescas que haviam no caminho até o viaduto.

Era ali que os homens se separavam dos poltrões. Que os verdadeiros e legítimos senhores das ruas se distinguiam dos neardentais do volante, dos apedeutas dos pedais, dos amadores flatulentos. O pequeno Ford Ka à minha frente parecia estar fazendo exatamente as mesmas reflexões. O motorista abriu a porta e desceu, apesar da chuva caudalosa. O sujeito devia ter uns dois metros de altura. Era difícil acreditar que ele coubesse num Ford Ka, mas eu vi com os meus próprios olhos, então não duvido. Pois esse gigante amarelou. Ele deu meia volta e estacionou para ver a chuva passar. Mas ela não passava.

Eu encarei o viaduto e a enorme piscina que havia debaixo dele. Naquele instante, tal como Charlton Heston fizera em “Os dez mandamentos”, uma enorme Ranger havia rasgado a piscina como se fosse o Mar Morto abrindo caminho para a fuga do Egito. Era muita água. Com a ponta do pé, acariciei o acelerador, duas vezes. Rummm! Rumm!

E foi então, senhoras e senhores, que peguei um embalo dos bons e acerelei, em segunda marcha, para o meio daquela piscina de ondas sob o viaduto. E quando estava prestes a cruzar a piscina uma camionete surgiu do nada atrás de mim, acelerando como se estivesse participando de uma final do campeonato mundial de passagem de viadutos. A onda chegou ao escapamento no exato momento em que as duas rodas da frente já haviam superado a grande lâmina dágua. Foi a minha sorte. O carro morreu instantaneamente.

Então eu pulei para fora e empurrei o carro mais um pouco, só para sair da linha de perigo total. Liguei o pisca-alerta e fiquei olhando a chuva. Caramba! Fazia tempo que não chovia tanto. Uns cinco minutos depois consegui fazer o carro pegar e fui para o shopping, tentar trocar o celular. Não consegui. Mas essa é outra história.

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