domingo, 11 de janeiro de 2009

Pós-polaróide

Remexi uma gaveta outro dia e encontrei uma foto antiga. Uma polaróide. Estamos reunidos numa mesa de bar. Estamos radiantes e felizes. É extraordinário como algumas fotos conseguem captar estados de espírito. Em geral, apenas fazemos uma pose padrão, uma cara de foto e pronto. Às vezes, nem isso. Olhamos com enfado para quem aperta o obturador.

Mas essa era uma foto polaróide. E saber qual era a mídia ajuda a situar a foto.

Aqui, nessa cidade, havia umas pessoas que andavam de bar em bar se oferecendo para fotografar os outros com polaróides. As máquinas digitais ainda não haviam proliferado. Os celulares, se já existiam, ainda eram grossos tijolões sem praticidade e sem câmaras acopladas.

_Aí moço, quer uma foto?

E uma só foto custava mais do que duas cervejas. E além das fotos, havia também os meninos e meninas que vendiam flores. Os vendedores de isqueiros, cachimbos e maricas. Os artesãos. As moças e rapazes que vendiam colares de prata Argentina. As moças e rapazes que vendiam badulaques da China. As moças e rapazes que descolavam um troco vendendo colares de osso, artesanato de cobre de fio furtado, durepoxi, botoms, alfinetes de segurança e pulseiras de sementes coloridas. Uma moça gordinha que vendia poesias manuscritas. Ela usava canetas hidrocores com letras bem desenhadas. Um coroa maluco que vendia pinturas na tela, sem moldura. Saía andando com as telas penduradas como panos de prato, no braço. Aí parava e começava a exibir as pinturas uma a uma. E todas as vezes que eu o via, não sei o motivo, eu pensava em Verônica a levantar o lenço com o rosto do Cristo. Talvez tenha sido esse gesto mesmo o de Verônica, o de levantar ainda incrédula e pasma, o lenço com o rosto marcado, indelevelmente. E havia muitos. Havia o cartunista de um dos jornais, que fazia sua caricatura na hora. Um velho professor poeta, que também recitava seus poemas e adorava falar dos tempos áureos da poesia norte-americana e de quando conheceu Drummond. E tanta, tanta gente.

Daqui a algum tempo, teremos essas pessoas que vão tirar nossas fotos e nos mandar por e-mail. Os caras que andarão com mini-impressoras e entregarão a sua foto na hora, impressa ali ao lado, em alta qualidade e no tamanho que você quiser. Os chapas que usarão celulares espetaculares para tirar uma foto e mandar imediatamente para a sua caixa eletrônica. Também farão filmes inteiros, se você quiser, com imagem e som de alta definição.

E no futuro, quando abrir uma gaveta, ali estará uma velha imagem holográfica policromática que você tirou da sua turma. Todos radiantes e felizes. E antes que a imagem se dissolva, você dirá para si mesmo como é extraordinário....

Mesmo assim, lá no futuro, as lembranças continuarão a ser apenas lembranças.

5 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Porra Careca, me deu uma puta nostalgia após ler seu texto
que bom
;p

Mwho disse...

Careca,
O cara da Polaroid, por incrível que pareça, ainda anda por aí...

Maína Junqueira disse...

Lembranças são sempre muito estranhas. As minhas são 80% fantasias, invenções nebulosas e os 20% restantes com as datas equivocadas, personagens trocados...

Careca disse...

Rodrigo, nostalgia é a palavra exata.

Mwho, esse cara deve ter um estoque danado de grande de polaróides...

Careca disse...

M.J. eu também troco personagens e não acerto data nenhuma... :)

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