quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Dias melhores virão

Não ria. Mas descobri somente há muito pouco tempo um modo de saber com antecedência de 24 horas se vou ter um dia bom ou ruim. Essas coisas variam de pessoa para pessoa, mas não variam tanto assim. Num dia bom, todo mundo sabe, ninguém leva na cabeça ou é obrigado a engolir sapos. Isso quase não muda. E essa poderia ser uma ótima definição de "dia bom", mas sempre tem um masoquista ou outro que se amarra em resolver problemas ou em levar desaforo pra casa.

Eu não. Quero dizer, gosto de resolver um problema ou outro, mas detesto ser maltratado ou menosprezado. Sou do tipo comum. Dia bom, para mim, é o dia em que as coisas ruins não acontecem.

Sendo um supersticioso inveterado como sou, venho tentando há anos descobrir uma maneira de adivinhar se alguma coisa ruim acontecerá no dia seguinte. À primeira vista, isso pode parecer impossível, mas até ontem diziam o mesmo da previsão do tempo. Hoje, analisando com cuidado os dados históricos, fotos de satélites, pressão atmosférica, umidade relativa do ar, fases da lua, manchas solares, ventos e correntes marinhas, a previsão do tempo é um exercício científico quase infalível. Por isso,eu tenho certeza de que só é preciso decifrar os indicadores corretamente para saber se dias piores virão.

O mais difícil, aliás, foi descobrir quais são os indicadores de dissabores vindouros. Mais uma vez é preciso dizer que isso varia de pessoa para pessoa. Minha avó materna, por exemplo, era uma mulher que conseguia sentir o cheiro de problemas no ar.

_Isso não me cheira bem - ela dizia, quando seu instinto falava mais alto e exigia prudência de todos nós. Era uma conselheira e cozinheira de mão cheia. Vinha gente de cidades vizinhas pedir a opinião dela sobre as coisas. E se ela dizia que a coisa não cheirava bem, era melhor desistir daquilo. Ela tinha o nariz no lugar certo. Embora fosse quase surda do ouvido direito, o mesmo em que as pessoas sussurravam seus pedidos de opinião. Mesmo assim, para ela o futuro era uma coleção de aromas. Eu sou endefluxadíssimo. Não sinto cheiro de quase nada, e quando sinto, espirro.

Para mim, depois de muito pesquisar e de tanto observar e anotar as coisas, percebi que os dias bons acontecem sempre que abro a gaveta de talheres à noite, na cozinha, e vejo a colher de corujinha no topo da pilha de colheres. Sim, é isso mesmo. Não falha. Todos os dias bons acontecem quando a colher de prata, com uma corujinha gravada no cabo, está sobre a pilha de colheres na segunda gaveta do armário. Sim, eu já tentei manipular os dias bons. Já desci à noite e coloquei a colher no topo da pilha. Mas assim não funciona. É preciso que uma outra pessoa arrume a gaveta e a colher de coruja se torne, de maneira aleatória e sem intervenção minha, a primeira da pilha.

Essa colher tem uma história especial, é claro. É da minha mulher, que a usava quando criança para tomar sopa, papinha, gororoba de menina. Minha mulher diz que adorava a colherzinha, mas que ficou anos sem vê-la. Depois de alguns anos de casados, minha sogra um dia veio nos visitar e trouxe a colher, que encontrou no fundo de um baú com coisas velhas. Alguns meses depois nasceu o meu primeiro filho e a colher sempre foi a sua favorita, desde que começou a se alimentar. Minha filha, que nasceu um ano mais tarde, também adora a colher de corujinha.

Tem cerca de um ano que descobri a relação entre a colher de coruja e os dias bons. Minha primeira providência foi guardar a colher numa caixa de metal que uso como cofre, que tranco no armário do escritório. Fiquei com medo, confesso. Comecei a imaginar que se a colher sumisse, os dias bons também sumiriam.





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