segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O primeiro dia

O primeiro dia parece um dia como qualquer outro. Faz sol, depois ameaça chover um pouco. E você nem liga muito para o tempo que está fazendo de qualquer jeito. A sua primeira preocupação é como dar a notícia em casa.

Sei de pessoas que demoram alguns dias para chegar e dizer que é o início de uma nova fase. Durante alguns dias, esses caras se vestem do mesmo jeito, saem no mesmo horário, voltam para o almoço e depois saem novamente, respeitando os horários estabelecidos e mantendo as aparências.

Esses caras também ficam com uma enorme dificuldade de encarar as outras pessoas normalmente, durante alguns dias. Eles se sentem diminuídos e fracos. Ficam com problemas digestivos e com menos apetite. Também pensam em retomar vícios antigos. E alguns voltam a fumar desbragadamente.

Outras pessoas reagem de forma diferente. Tomam a coisa como um ataque pessoal. Ficam furiosas, agastadas e revoltadas. Uns poucos ficam violentos. Pensam em retomar vícios antigos. E alguns voltam a beber destampadamente.

Outros ficam indiferentes. É como se a coisa não tivesse acontecido com eles. Parecem entrar em transe quando comentam o assunto. Uma tênue nuvem de algodão embaça a visão dessas pessoas. Os ouvidos também escutam menos. Os outros sentidos também se amortecem sozinhos, não é preciso voltar a vício a nenhum.

Não me enquadro em nenhuma dessas categorias. Teria medo de um dia ficar mais perto da última. Não acho que tenho muita coisa sob controle mas isso não me preocupa demasiadamente. Também não me sinto desamparado, tenho braços fortes, família e alguns ombros amigos em quem me apoiar. Aliás, uma das pessoas em quem me fio e confio, outro dia foi simples e direto quando falei das minhas incertezas e preocupações:

_O que vier a gente enfrenta.

Então, começa hoje, mais uma vez, o enfrentamento.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Literatura de luto

O grande escritor Moacyr Scliar morreu em Porto Alegre. Imediatamente me lembrei de "Max e os felinos", a novela curta de Scliar que li já faz tempo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Aécio não brilhou

O senador Aécio Neves perdeu ontem uma grande chance de pavimentar um pedaço da estrada rumo à Presidência da República. Tudo parecia ter sido preparado para que ele brilhasse. O discurso técnico de Demóstenes Torres, a abstenção fundamentada de Kátia Abreu, as perorações de Álvaro Dias e até as falas insossas de Itamar Franco. Aécio Neves assistiu a tudo com expressão altiva. Guardou o momento certo para marcar o seu primeiro pronunciamento na tribuna do senado. Mas falhou miseravelmente.

Aécio não fez aquecimento. Dispensou gargarejos e exercícios vocais. Até Itamar Franco, o ex-presidente que amava fusquinhas e a companhia de moças sem peças íntimas em outros carnavais, percebeu que o momento era grave. Franco fez de tudo para tirar Sarney do sério, mas o imortal marimbondo de fogo provou que tem uma paciência de múmia egípcia. Só arredou pé quando recebeu a notícia de um acidente doméstico com a mulher.

Aécio permaneceu impávido e sorridente. Fez pose de craque da política. Deixou crescer a expectativa.

Eu acompanhei tudo pela Internet. E torci de verdade para que Aécio brilhasse. Que fizesse o gol de pênalti. Era jogo de campeonato, em decisão estava a própria harmonia entre os poderes. O senado não poderia admitir que o executivo invadisse a seara do legislativo e levasse embora a atribuição constitucional e o poder de definir, em lei, o valor do salário mínimo deste e dos próximos anos. Não, isso seria uma humilhação muito grande para a classe política. Até mesmo para o mais Tiririca dos parlamentares.

Enquanto esperava a entrada em cena de Aécio, lembrei de algumas sessões empolgantes da Constituinte. De manifestações fantásticas e contagiantes do lado de fora do Congresso. Discursos empolgantes. CPIs. As frases cruas das denúncias de Roberto Jefferson, a confissão chorosa de um publicitário bahiano, o sorriso congelado de outro publicitário mineiro. Lembrei do choro e depois da vergonha que se repetiria do senador que depois foi governador preso, do outro senador e de sua ex-amante, que posou nua para uma revista, do presidente da câmara que não conseguiu resistir ao dedo em riste do senador que se arrependeu do terrorismo, que perdeu a moral quando também se soube que financiou viagens da filha com passagem do senado, do discurso indignado de Jarbas Vasconcelos quando pediu a saída de José Sarney. Das nomeações por atos secretos e jamais publicados. Das reportagens que falavam de milhões guardados em dinheiro vivo no armário de um certo diretor, que virou deputado distrital...

Tudo isso me passou pela cabeça enquanto eu esperava. E eu esperava ver Aécio Neves arrebatar o senado. Esperava vê-lo encantar serpentes. Mas isso não aconteceu. Aécio, o jovem senador, falou com aquele tom velho dos discursos de antigamente, usou as frases pomposas, estufou o peito, pegou fôlego de pombo e começou as soltar os adjetivos polissilábicos e bem soletrados. Foi ator articulado, e-mol-du-ra-do, mas sem emoção. Faltou imagem forte. Faltou garra. Faltou convicção na fala. Aécio disse as palavras bem ditas, mas depois de dez minutos seus pares já não prestavam atenção. Tinha gente de costas. Um monte de senadores foi cuidar da vida no celular, no iphone e no blackberry. O senador ainda iria encompridar a falação por mais sete minutos enjoativos, em que fiquei firme, esperando ao menos um bom desfecho. Mas ele não veio. Aécio perdeu o momento. O discurso não o arrebatou. Aécio perdeu o embate para si mesmo. Quando encerrou, risadas já eram escutadas no plenário do Senado.

O senador José Sarney parecia sorrir atrás do bigode. Em trinta segundos anunciou o resultado da votação da MP que tirou do Legislativo o poder de legislar sobre o salário mínimo. Só para ver se a turma estava mesmo acordada, ele quase abriu um precedente no regimento ao autorizar o senador Humberto Costa a replicar a fala de Aécio. Alguns não estavam dormindo e Sarney voltou atrás, cortando a palavra a Costa. Daí a um minuto, a sessão estava encerrada. Quem esperava ver um leão rugir, não viu nem bichano.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Bolão

Registro o meu muito obrigado aos valentes soldados do fogo.

Paguei língua. E não é que os bombeiros foram lá nesta quarta-feira e cortaram o galho?

Putz.

Eu já estava com uma boa grana para apostar no bolão intitulado “Adivinha quando os bombeiros vão aparecer de novo?”.

O Dia de São Nunca estava entre os mais cotados.

Agora terei que devolver a bolada aos apostadores. A não ser que os convença a apostar a mesma graninha num outro bolão.

Aceito sugestões.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Prioridades

Depois da ventania e chuvaréu de domingo à tarde, algumas árvores enormes do terreno ao lado da casa tiveram seus galhos quebrados sobre outras árvores no quintal do meu pai. O terreno é do governo do Distrito Federal. Obviamente isso significa que é um terreno baldio, que os piores elementos da sociedade utilizam como depósito de entulho ou área para esconder lixo. Um dos galhos de um gigantesco guarapuvu caiu sobre o pé de jenipapo, uma bela árvore do quintal, que dificilmente será capaz de se recuperar. O galho fez uma ponte entre a cerca da casa e o pé de jenipapo, que está todo curvado e pode se arrebentar a qualquer momento. Um perigo para as crianças no quintal. Prejuízo certo para a cerca, que pode ruir sob o peso do galho.

Na segunda-feira, minha mãe ligou para os bombeiros para explicar o problema. Eles ficaram de mandar uma equipe para cortar o galho e evitar mais complicações.

_Rá, duvido que eles mandem alguém hoje – eu disse, mastigando um delicioso arroz com feijão. Fui almoçar com eles nesta terça-feira para ver os estragos da chuva, que também levou um pedaço do telhado embora e provocou uma série de pequenos estragos.

No vizinho, o chuvaréu também provocou a quebra de galhos, que atingiu em cheio o telhado da casa.

_Mas ninguém se machucou. E já tiraram o galho de cima do telhado – disse a minha mãe.

Nós ainda estávamos falando dos estragos da chuva, quando a campainha soou. Os bombeiros chegaram minutos depois que eu falei que eles não iriam aparecer. Bati na madeira.

_Putz, vou pagar língua - eu pensei. O país mudou. As coisas funcionam. O inferno não tem nada a ver com os trópicos.

O carro de bombeiros com uma equipe de quatro bombeiros havia estacionado em frente à casa. Três soldados do fogo, trajando aquele uniforme laranja desceram do veículo e tomaram posição em frente ao portão. Meu pai foi mostrar os estragos para a equipe, eu corri para alcançá-los.

Quando cheguei perto, eles estavam com as mãos na cintura, apreciando o galho quebrado.

_É, está perigoso. Mas infelizmente a viatura com o equipamento para cortar o galho está quebrada, desde domingo. Vamos registrar o problema, esse caso é prioritário, mas vamos ter que voltar outro dia – disse um bombeiro, com jeito de novato.

_Do jeito que está é prioritário, mas ainda agüenta mais uns dias – disse outro bombeiro.

_Gozado, parecia que no chamado havia alguma coisa sobre o galho estar sobre o telhado. Nós só viemos aqui porque era um chamado prioritário – disse outro bombeiro, com jeito de veterano.

_Não, o galho que caiu sobre o telhado foi no vizinho, do outro lado, mas acho que vocês estiveram lá ontem – disse o meu pai.

_Não, não, a viatura com o equipamento está quebrada, não foi uma equipe dos bombeiros – disse o novato.

_É, mas estamos sem o equipamento, vamos ter que voltar outro dia, talvez no sábado. Isso é prioridade – disse o veterano.

_É,isso aqui está perigoso, é prioridade, pode ficar tranqüilo que até sábado, no mais tardar, uma equipe estará aqui – disse o outro bombeiro.

_Mas a viatura está quebrada ... – disse o novato.

_No sábado, com certeza, no sábado ou no máximo na segunda-feira, uma equipe vem para cortar o galho, isso é prioridade – disse o veterano.

Acompanhamos os bombeiros até o carro. Depois, quando tomávamos café, nós voltamos a falar dos estragos da chuva, de como as coisas funcionam neste país, dos bombeiros que retiram galhos e destroços dos telhados com a força dos braços, e da facilidade com que as prioridades são elencadas e descartadas.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Fim do horário de verão

No domingo à tarde uma chuva com ventos fortes fez uma série de estragos pela cidade. Vi muitas cercas e árvores enormes no chão. No terreno da Igreja Presbiteriana, no Lago Norte, uma árvore com uns quinze metros de altura arriou, mostrando as raízes. Coisa triste. Choveu granizo durante os quarenta minutos de duração da tempestade com vento. Quem viu tudo ficou assustado com a força dos ventos, com a violência da chuva e das enxurradas, com a quantidade de granizo. Os telefones pifaram. Teve gente que rezou. Teve gente que agradeceu pelo fato de tudo acontecer à luz do dia. Se fosse à noite, o medo seria maior.

Há dois anos, uma tempestade violenta arrancou telhados e derrubou outras árvores pela cidade. Também recordo que há uns seis anos outra tempestade com vento forte provocou uma série de pequenos estragos na cidade, árvores tombaram, carros foram chapinhados por granizo, etc. Ontem foi a mesma coisa.

Só fiquei sabendo dos estragos hoje, na hora do almoço. Para mim, a coisa mais marcante do domingo foi o fim do horário de verão. Por conta de um aniversário, fui para o lado oposto da tempestade. Passei uma tarde tranquila, sem preocupações, nem chuviscou direito onde eu estava com a minha família.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Dois brinquedos

Outro dia lembrei de dois brinquedos de infância. O primeiro era um revólver prateado de cabo vermelho, de espoleta, que ganhei com os meus cinco anos de idade. Era inigualável. Veio com estrela de xerife e coldre de couro. A espoleta era uma longa tira de papel rosa enrolada, com pequenas bolinhas de pólvora. O mecanismo do revólver fazia a tira de espoleta correr quando se engatilhava o revólver. Ao apertar o gatilho, o cão do revólver batia na bolha de pólvora e provocava uma pequena explosão barulhenta.

Era o máximo. Era exclusivo. Todos os outros primos e o meu irmão tinham pequenos revólveres de detetive, pretos, de cabo marrom, com o mesmo mecanismo de espoleta. Passávamos horas brincando de detetive. Eu, com o meu revólver prata, era sempre o ranger justiceiro. Atirava primeiro e perguntava depois.

O segundo brinquedo veio em seguida. Era um avião de metal, um mirrage ou um F-14, que disparava mísseis vermelhos. O mecanismo de disparo dos mísseis era uma caixa metálica com molas. Você engatilhava o pequeno míssel, que tinha uma ponteira de borracha, e disparava soltando a trava da caixa. Era possível disparar três mísseis de uma só vez. Também era um brinquedo único. Ninguém mais tinha. Esse avião também tinha uma luzinhas vermelhas e azuis, que exigiam pilhas Ray-o-vac, as amarelinhas.

É lógico que o consumo de pilhas era uma loucura e em pouco tempo as luzinhas deixaram de funcionar. As rodas do avião eram de borracha grossa presas ao eixo de fricção. Era outro mecanismo interessante porque com duas ou três puxadas para trás, o avião andava um bocado rápido para frente, fazendo um barulho parecido com o de um jato verdade.

Mantive esses dois brinquedos por vários anos. Existem algumas fotos em eles aparecem. O revólver exibido com orgulho, como se eu fosse um xerife valente, livrando o mundo dos assassinos fora-da-lei. O avião atirando mísseis para aniquilar os mais cruéis e terríveis inimigos da humanidade. Existiam poucos monstros nesse meu imaginário infantil. Com o revólver prateado eu duelava, de acordo com as regras rígidos dos duelos, com os assassinos cowboys. Eu sacava mais rápido mesmo que eles tentassem atirar antes da hora. Com o avião cheio de mísseis, eu atacava hordas de inimigos humanos, que queriam o mal da sua própria raça.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Capitalismo selvagem

Preparar o lanche das crianças todos os dias, bem cedo, é um pouco chato. E preparar o lanche à noite, antes de dormir, é ainda mais chato. Especialmente se você faz um sanduíche quente ou alguma coisa que é melhor servida na hora, mais fresco e mais gostoso. Um suco amanhecido, por exemplo, nem se compara ao sabor do suco feito uma ou duas horas antes de ser servido. Deixar o suco pronto à noite para levar no dia seguinte ainda enfrenta o grave problema do vazamento do suco na mochila. As garrafas térmicas ou qualquer tipo de garrafa que você envia para a escola, na mochila das crianças, não são à prova de vazamento. E como diz a Lei de Murphi para as garrafas térmicas, se uma coisa pode vazar, ela vai vazar.

Pensando em tudo isto e em mais um monte de coisas associadas, como a preguiça, a falta de vontade, a distração, o esquecimento e o comodismo, eu e a minha mulher decidimos experimentar o serviço de kit-lanche da escola não muito alternativa das crianças. A lanchonete da escola está sob nova direção, com nutricionista, pessoal treinado e lanches relativamente baratos.

Decidimos experimentar o kit-lanche. Na segunda-feira, passei na lanchonete para acertar uma semana de testes. A moça que me atendeu era muito simpática e estava toda paramentada de acordo com os padrões técnicos de higiene, conservação e limpeza. Touca no cabelo, máscara, uniforme, avental, luvas descartáveis, luvas nos pés, ela parecia pronta para entrar na UTI de um seriado norte-americano.

_Oi, eu gostaria de adquirir uma semana de kit-lanches para duas crianças, uma do primeiro ano e outra do terceiro ano - eu disse.

_Fica mais barato dez por cento se você comprar o mês inteiro - disse a moça, abaixo a máscara.

Tinha um sorriso bem bonito no rosto, que transparecia uma certa ingenuidade. Tenho horror a paternalizar as pessoas, mas a moça parecia uma novata recém-admitida, ainda sem tarimba, enfrentando as provações do primeiro emprego. O fato de ter um crachá com o nome "Cléo" escrito à mão, em letra trêmula, contribuiu para essa impressão. O jeito como olhava para a tela do computador e a maneira desajeitada com que começou a clicar e teclar também aumentou a minha certeza de que a moça estava em pleno período de experiência contratual.

_Fica em R...- ela me disse.

_Não, você se enganou, fica em R+X - eu disse.

_Ah, é. Esqueci de incluir o de hoje - ela disse.

_Sim, não tem problema - eu disse.

_Vai ser no cartão? - ela disse.

E nesse instante eu decidi que o melhor era não complicar a operação e pagar em dinheiro. Eu tinha a quantia exata no bolso.

_Não, vai ser em dinheiro - eu disse.

E depois disso a moça registrou cada kit-lanche, um por um, na registradora super-informatizada. Os dez tickets ficaram ali, ao lado do caixa. Eu estendi o dinheiro, que ela contou cuidadosamente e colocou com cuidado, separando as notas por valor e também as moedas, dentro da registradora.

-Pronto - ela disse. E abriu outro daqueles sorrisos generosos, de bom coração.

_Ótimo. Não vai me dar os tíckets? - eu disse.

_Oh, não. Isso é para o meu controle - ela disse, com o sorriso no rosto.

_Oh!- eu disse. Sempre achei "Ohs" e "Ahs" muito contagiantes.

_Então, tá. Tenha um bom dia - ela disse, sorrindo.

_Claro, claro. Mas agora eu estou me lembrando que não tenho nenhum comprovante de que já paguei pelos kit-lanches - eu disse, apontando para os tickets.

_Ah, mas o senhor pode confiar, já está pago, eu não me esqueço de nada - ela disse.

E para acentuar o "nada" ela fez um gesto com a mão, como se batesse com os nós dos dedos na madeira. E o sorriso também ficou mais firme e aberto.

_Claro, claro. Mas eu vou escrever nesse seu bloco aqui que paguei R+X pelos kit-lanches de hoje até sexta-feira para meus filhos na data de hoje e você rubrica aqui, assim, está vendo? É só um recibo - eu disse.

E assim fiz. Escrevi na folha e estendi para a moça rubricar em cima de onde eu tinha escrito Cléo. Ela puxou a folha e pareceu ler. Depois fez um rabisco sobre o nome, dobrou o papel e colocou no bolso.

_Obrigada - ela disse.

O sorriso dela permanecia ali. O ar ingênuo também.

_Pode confiar - ela disse.

Decidi que o melhor a fazer era seguir o fluxo natural das coisas. Agradeci efusivamente, com o melhor dos meus sorrisos, e tentei repetir o gesto de bater com o nó dos dedos na madeira invisível, igual ao que ela fez.

As crianças gostaram do kit-lanche.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sincero

"Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa, a palavra sincero vem do latim sinceru, (puro) e quer dizer “verdadeiro; que diz francamente o que sente; em que não há disfarce ou malícia; leal; simples.”

Etimologicamente, a palavra vem de sincera, que é a junção de duas outras palavras do latim, “sine cera” e foi inicialmente utilizada pelos romanos. Isso porque os artesãos ao fabricarem vasos de barro, muitos rachavam-se e para esconder tais defeitos, era usando para tal uma cera especial. “Sine cera” queria dizer “sem cera”, que era a qualidade esperada de um vaso perfeito, muito fino, que deixava ver através de suas paredes aquilo que guardava dentro de si. O vocábulo sincero evoluiu e passou a ter um significado muito elevado. Sincero, é aquele que é franco, leal, verdadeiro, que não oculta, que não usa disfarces, malícias ou dissimulações. Aquele que é sincero, como acontecia com o vaso, deixa ver através de suas palavras aquilo que está guardado em seu coração, sem nada temer nem ocultar."

A versão acima é facilmente encontrada na Internet. Você lê que foi Malba Tahan, o genial escritor de “O homem que calculava”, quem popularizou essa história etimológica. Não sei se é verdade ou não.

Minha irmã, que é uma das pessoas mais inteligentes e cultas que eu conheço, me contou uma história similar. A diferença é que ela não mencionou vaso algum, nem transparência. E acrescentou uma pitada de romance policial à etimologia. A palavra vem mesmo do latim, mas não tem nada a ver com vasos. Os romanos eram admiradores das esculturas gregas, que também nos deixam maravilhados até hoje. Consideravam as esculturas gregas os tesouros que verdadeiramente são e pagavam fortunas por elas. Ora, os artesãos romanos trataram logo de imitar em tudo e por tudo os escultores gregos. Mas havia uma diferença crucial de acabamento. Os gregos não erravam com o formão. Faziam esculturas sem defeitos, o mármore era trabalhado com cuidado, parecia pele. As esculturas dos não tão hábeis falsificadores romanos, no entanto, tinham pequenos defeitos e fissuras. Que eram disfarçados com cera. Para saber se uma escultura era verdadeiramente da era de ouro da escultura grega, portanto, era preciso que ela não tivesse pedacinhos de cera disfarçando as imperfeições.

Prefiro a versão que ouvi da minha irmã, do que a versão de Malba Tahan. Faz mais sentido.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Fazendo o mínimo de contas

Os grandes centros urbanos não contam para o salário mínimo. Não é uma remuneração aceitável. O menos qualificado dos trabalhadores o rejeita. O mínimo, na cidade grande, na prática é bem mais alto. A remuneração mínima por hora, nem se fala. Uma visita de um técnico num apartamento, no Plano Piloto, fica em 30, 40 reais. Isso vale para a TV a cabo, para o cara do chuveiro elétrico, para o remendo de uma pia, ou para decidir que o seu micro já era e está na hora de comprar um novo. Se você mora em bairro nobre, no Lago Sul, a visita pode ficar mais cara, 50 é meio que um valor padrão. Uma diária de passadeira também fica por aí.

Um empregado doméstico não sai por menos de 700 reais. Considerando o INSS, obrigações trabalhistas, transporte, são mil e 400 mensais ou nada de empregado doméstico. Arredondando sem fazer força, famílias com dois filhos em Brasília chegam fácil a 10 mínimos recém-aprovados em despesas estacionárias mensais. Claro, tem família que gasta muito menos. E outras muito mais.

Pouca importa o valor do mínimo, porque ele é, no máximo, uma referência enviesada. Ele só tem efeito de tabela, no final das contas, na relação com o governo. É ali que vira gatilho, que empobrece prefeituras superlotadas de apaniguados, quebra o caixa da previdência, que paga bem ao servidor público e paga mal pacas aos outros trabalhadores. Natural, portanto, que uma vez por ano oposição e governo troquem acusações, façam gestos e se mostrem perfilados e alinhados quando votam o mínimo. Sem querer sem redundante, é o mínimo.

De resto, nem lembramos do salário mínimo. Temos que recorrer aos arquivos, ao google, para saber se ainda vale aquela merreca mesmo ou se estamos enganados. Em geral, não estamos. É só aquela merreca mesmo.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Slogans de parachoque de caminhão

“País alegre é um país sem tristeza”.

“País limpo é um país sem sujeira”.

“País organizado é um país sem desorganização”.

“País que vai pra frente é um país que não vai pra trás.”

“País bonito é um país que não é feio.”

“País que se ama é um país que não se odeia.”

“País que se deixa é um país que não se fica.”

“País inculto é um país sem cultura.”

“País triste é um país sem alegria.”

“País de ricos com saúde é um país sem pobres com doenças.”

“País de instruídos é um país de gente que se instruiu.”

“País de banguelas é um país de gente sem dentes.”

“País de corruptos é um país de gente que aceita propina.”

“País de merda é um país de excrementos.”

“País corcunda é um país de costas curvas.”

"País perdido é um país que não se encontra."

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Mais uma da fada dos dentes

Desta vez minha filha balançou o primeiro dente da frente por umas duas semanas, com a língua. O dente ficou parecendo uma portinhola, pendurada por um fio. Ela gostou da alteração que a janela produzia na voz, que ficou mais anasalada e sibilina. O dentinho moribundo também era soprado e ficava parecendo um encosto de cadeira moderna de cabeça para baixo, se você estivesse realmente querendo fazer comparações. Na hora do almoço, eu e a minha mulher olhávamos com preocupação aquele dentinho, morrendo de medo dela se engasgar. O irmão da menina achava graça.

Até que na segunda-feira o dente caiu. Ela só percebeu porque de repente havia um espaço maior na boca, uma vaga para colocar a ponta da língua. E também porque duas colegas apontaram para a boca da menina, que sangrava só um pouquinho. Aí fez cena. Valorizou a queda do dente. A professora acudiu, colocou o dente num pedaço de guardanapo, guardou na mochila.

Minha filha mostrou orgulhosa o espaço vazio do dente para mim, assim que cheguei em casa. Disse que não doeu nada e eu senti orgulho dela, tão valente e destemida, sem lenço, sem dente, caminhando contra o vento. Depois falamos de outras coisas e num instante terminei o almoço e voltei correndo para o trabalho, é preciso chegar mais cedo de volta se quiser estacionar.

À noite voltamos a falar do dente, da alegria da transformação, do primeiro sinal de maturidade. Nós somos piores do que os peixes, a velhice começa a nos fisgar pela boca. Mas para ela, crescer é uma alegria, amadurecer é uma conquista diária. Eu fico tentando lembrar quando foi a última vez que fiquei feliz por ficar mais velho. Deve ter sido quando tirei a carteira de motorista. É bom amadurecer. Combina muito com aprendizado e conhecimento. E isso é muito importante. Mas amadurecer e felicidade parecem não combinar. Amadurecer combina com dor e amargura, com resignação.

Eu lembro daquele filme do Milos Forman, Amadeus, em que retratou o gênio da música como um palhaço risonho, que gargalhava a todo momento, para desespero do maestro medíocre que narra a história. A genialidade de Mozart era uma afronta insuportável que Deus(Ele Próprio) cometia contra Salieri, que era o compositor oficial da realeza. Para Lobão(vou ter que ler essa biografia), Herbert Vianna é um chupador de idéias e músicas que o atormenta até as raias da loucura.

E o que isso tem a ver com o dente de uma menina de seis anos?

Nada, por enquanto. São essas coisas que passam pela minha cabeça e me deixam calado, enquanto fico observando as crianças e a inquietude tão bonita que é própria delas. Mas é preciso voltar para o dente da minha filha.

À noite, eu caio na besteira de falar em fada dos dentes e ela se lembra que a professora havia guardado o dente num pedaço de guardanapo. Ela corre até a mochila, mas é tarde demais. Rose, a governanta-cozinheira-babá-universitária daqui de casa já se livrou da bolinha de lixo. O choro da menina começa a ficar mais alto, quando descobrimos o que aconteceu. Aí eu lembro da risada desconcertante do Mozart de Milos Forman e eu tenho uma idéia magnífica.

_Filha, vamos escrever um bilhete explicando o que aconteceu para a Fada dos Dentes. Tenho certeza de que ela vai compreender a situação e deixar pelo menos uma moeda para você - eu disse.

_Moeda? Mas da última vez eu ganhei uma nota de vinte reais.

_É, mas a Fada levou o seu dente. Desta vez não tem dente. Não vale tanto. Eu acho que a Fada vai deixar só a metade - eu disse.

_A não ser que o bilhete seja caprichado, né? - ela disse.

Ela mesma escreveu as letras ditadas pela mãe:
Querida FaDa DOS DentEs

E depois ela ditou e a mãe escreveu:

meu dente caiu, mas eu perdi.
Você poderia me dar um dinheirinho, por favor.
Eu sou uma menina comportada.
Obrigada!
Um abraço,
nome da minha filha

E foi por isso, ó minha kombi de leitores, que a Fada dos Dentes passou de madrugada e deixou uma nota de vinte reais para minha filha, ainda que ela não tenha deixado nenhum dente.(Mozart gargalha)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Fenômeno pendura as chuteiras

Comecei a assistir a despedida do Ronaldo com lágrimas nos olhos. O Fenômeno deve ter parado o país. Mas depois achei que a coisa estava encompridando demais. E aí, quando as lágrimas do Ronaldo começaram a rolar eu já estava pensando no Bussunda, que Deus o tenha, e nas piadas que ele certamente faria com a despedida do maior craque de futebol que eu vi jogar.

Quer dizer, o Pelé eu vi em filmes e reprises antigas. O Garrincha nem se fala. Vi Zico, vi Romário, vi Ronaldinho e outros brasileiros que foram ou são craques. Mas gênio da bola, que eu vi e torci a favor, era Ronaldo. E por causa do seu gênio com a bola, não quis saber das suas escorregadas fora de campo. Era ali, no gramado, que ele era forte. Foi ali que sofreu as fraturas e contusões dilacerantes, que me deixaram engasgado só de olhar e que ele superou com uma coragem e uma força de vontade extraordinárias.

Depois a estrela de Ronaldo bruxuleou. Ele começou a ser notícia mais pelo que fazia fora de campo. Mulheres, ex-mulheres, casamentos, ex-casamentos. Confesso que fiquei um pouco decepcionado com a história do travesti, mas também deixei pra lá, aquilo não era da minha conta. Até nisso ele conseguiu dar a volta por cima, recuperou a imagem. E também voltou a mostrar futebol. Em campo o craque relampejava de vez em quando, fazia a diferença em segundos de ótima atuação.

Mas a sua chama se apagou aos poucos e por fim, virou fagulha, virou centelha. A maior estrela de futebol que vi jogar, que me fez procurar por suas aparições em jogos no Brasil e Europa pendurou as chuteiras. Na despedida falou de dor e doença e superou as próprias lágrimas.

Talvez Bussunda nem fizesse piada.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

História de um amigo

O Igor me conta a história de um cara que ele conheceu no trabalho.

_Ele é um sujeito brilhante. Empreendedor milionário. Tinha uma esposa maravilhosa de linda, capa de revista de perfume francês. E ele é do tipo boa-pinta elegantão, sujeito alto, grande, fortão, sempre fez o maior sucesso. O cara chegava em qualquer lugar e virava o centro das atenções. Um senso de humor fantástico. Cada piada fazia você rolar de rir. Homens e mulheres. O cara era o cara. Mas a mulher dele não gostava de cigarro e vivia falando para ele parar de fumar. E ele nada. Mas a mulher falava, falava, falava. Ela torrava o saco do cara para ele parar. E esse cara fumava feito um doido. Era uma chaminé, mas ninguém ligava, porque ele era muito, muito engraçado. E simpático. Mas um dia esse cara teve um trê-lê-lê. Quase morreu do coração. O médico disse o de sempre: corta o cigarro, corta a birita, nada de emoções fortes.

Ele resolveu começar por etapas, largando o cigarro. Aí parou de beber também, porque se ele bebia acabava voltando a vontade de fumar. A mulher não suportava. Então parou com o cigarro e a birita. E o carteado. O cara gostava de um carteado, mas parou também. Parou com tudo. Nem rock o cara escutava. Ele disse que queria viver sem vícios. Resolveu ser virtuoso. Sem vícios. E tudo mudou. Ia para os mesmos lugares, mas ficava ali, no canto dele, meio brocoxô. Na dele. Era triste.

Começou a ficar deprimido, engordou feito um capado. Era um cara feliz, alegre e espontâneo, mas virou um cara triste, deprê, chato. Ele pegava no seu braço com aquela mão gordinha e perguntava sobre a situação sócio-econômica no meio de uma festa. "Aí, o que você acha da decisão do Copom?" Que Copom? Que Mané Copom, rapaz. A gente está aqui, numa festa, se divertindo e você vem falar de Copom, ora, vá encher outro, dava vontade de dizer. Mas eu não dizia nada, é claro. O cara é meu amigo de anos, não poderia falar uma coisa dessas pra ele.

Então esse cara sumiu. Sim, porque ele ficou um gordinho chato que falava em decisão do Copom, e um cara desses ninguém chama para tomar umas cervejas e jogar conversa fora, né? Pois então, sumiu. Escafedeu-se, ninguém sabia mais dele. Aí eu encontrei com a mulher dele num shopping, por acaso, numa sorveteria. Continuava bonita, mais madura, uma simpatia encarnada. E perguntei por esse cara, esse amigo meu. Ela disse que ele estava muito bem, tinha perdido trocentos quilos, estava feliz da vida e que ele estava com tudo pronto para uma viagem para os Estados Unidos.

Rapaz, eu pensei na hora na conjugação verbal e pensei que ela tinha cometido um erro grave ou então os dois estava separados, porque esse cara estava pronto para viajar sozinho. Mas aí chegou o cara, estava bem ali do lado tomando sorvete, mas ele estava tão diferente que eu nem tinha percebido. O cara estava todo elegante, bem apessoado, magro, malhado, com bota e casacão de couro. Deu um beijão na mulher dele e me contou um monte de histórias engraçadíssimas do mesmo jeito que ele fazia antes. Eu ri à beça. Era o mesmo sujeito de antes, aquele cara era o meu amigo, o que não ia estragar uma conversa para falar do Copom.

Fiquei intrigado com aquilo mas fiquei sem-graça de perguntar o que havia provocado aquela metamorfose, o retorno ao que ele era antes. Sim, porque foi uma transformação total. O cara estava magro, simpático, boa-pinta, tinha recuperado a alegria de viver. Era um milagre. E aí marido e mulher se despediram, porque tinham ido ao shopping separados e combinado de se encontrar só para tomar um sorvete. Eu ainda estava no meio do meu sorvete e a mulher desse cara tinha ficado na fila para pagar a conta do sorvete deles, a sorveteria estava cheia. Eu fiquei ali, a curiosidade atacando.

_Aposto que foi você que provocou essa mudança toda nele, foi ou não foi? - eu disse.

Mas ela olhou para mim como se já tivesse respondido aquilo antes.

_Que nada, foi a moto - ela disse.

E ela falou também que um dia esse cara chegou em casa montado em uma moto ninja, daquelas de corrida. Ele desceu, tirou o capacete e falou com ela ali mesmo na garagem que aquela moto era o novo brinquedinho dele. Que ele não fumava mais, não bebia mais, não jogava mais, mas que a moto era dele e ninguém, jamais poderia falar uma vírgula contra a moto. E desde então ele havia perdido peso e voltado a ser o que era, só que sem o cigarro, a birita e o carteado, que ela odiava. Ela disse que a moto fazia esse cara se sentir um campeão, a velocidade o deixava em êxtase, a moto era uma espécie de ritual de libertação espiritual, era o oxigênio da vida desse cara. Ele andava todos os dias e pelo menos uma vez por ano viajava para o Estados Unidos só para andar de moto nas estradas de lá, que são muito boas.

_Puxa vida, então você está super feliz? - eu disse.

_Não, eu odeio motos - ela disse.

_X_

Foi então que o Igor reparou melhor e achou aquela mulher meio caidaça.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A picanha imbatível do Careca

Para fazer uma boa picanha no churrasco, não é preciso ser modesto. Basta escolher uma peça triangular totalmente coberta por uma capa de gordura de um dedo de altura. Coloque sal grosso por cima, por toda a capa de gordura. Leve à grelha, ou espete, e deixe a emia altura, sobre brasa forte. Não faça mais nada. Observe a ponta da picanha atentamente. Quando ela estiver no ponto, boa parte da picanha também estará.

Sirva a gosto.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ando meio negativo

Li no Estadão a matéria abaixo:

Aprovado no Senado, Fux apoia cotas raciais

10 de fevereiro de 2011

Mariângela Gallucci - O Estado de S.Paulo

O novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, defendeu ontem o sistema de cotas raciais, sinalizou ser a favor dos direitos dos homossexuais e demonstrou concordar com uma orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que julgamentos de processos emblemáticos como o que apura o esquema do mensalão tenham prioridade. Fux deu as declarações ao ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Sua indicação para o STF foi aprovada pelo plenário por 68 votos favoráveis e 2 contrários. Não houve nenhuma abstenção. Fux ocupará a vaga do ministro Eros Grau, que se aposentou em agosto.

(...)Sensibilidade. Fux disse que um juiz precisa ter sensibilidade e deve garantir igualdade de armas nas disputas entre ricos e pobres, acabando com o mito da neutralidade do juiz. "Justiça não é algo que se aprende, justiça é algo que se sente. O juiz sente o que é justo", afirmou. "O juiz deve ter sensibilidade. E saber direito, se possível." O ministro, que chorou durante a sabatina, foi aplaudido de pé pelos senadores que integram a CCJ.

Como ministro do STF, Fux participará de julgamentos de grande interesse da sociedade, como a fixação de cotas para ingresso em universidades públicas, a possibilidade de interrupção de gestações de fetos com anencefalia e a legalidade da união homoafetiva.

O ministro não quis comentar diretamente os assuntos polêmicos que estão sob análise do STF, como a validade da Lei da Ficha Limpa, o processo do mensalão e a extradição ou não de Cesare Battisti. Disse que se se posicionasse agora sobre esses casos estaria impedido de participar dos julgamentos no Supremo.



Aí recebi um e-mail com o seguinte texto:

STJ. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO.

Cuida-se, na origem, de ação civil pública (ACP) por ato de improbidade administrativa ajuizada em desfavor de ex-prefeito (recorrente) e empresa prestadora de serviços em razão da contratação da referida sociedade sem prévia licitação, para a prestação de serviços de consultoria financeira e orçamentária, com fundamento no art. 25, III, c/c art. 13, ambos da Lei n. 8.666/1993. O tribunal a quo, ao examinar as condutas supostamente ímprobas, manteve a condenação imposta pelo juízo singular, concluindo objetivamente pela prática de ato de improbidade administrativa (art. 10, VIII, da Lei n. 8.429/1992, Lei de Improbidade Administrativa – LIA). Nesse contexto, a Turma deu provimento ao recurso, reiterando que o elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, tendo em vista a natureza de sanção inerente à LIA. Ademais, o ato de improbidade exige, para sua configuração, necessariamente, o efetivo prejuízo ao erário (art. 10, caput, da LIA), diante da impossibilidade de condenação ao ressarcimento de dano hipotético ou presumido. Na hipótese dos autos, diante da ausência de má-fé dos demandados (elemento subjetivo), bem como da inexistência de dano ao patrimônio público, uma vez que o pagamento da quantia de cerca de R$ 50 mil ocorreu em função da prestação dos serviços pela empresa contratada em razão de notória especialização, revela-se error in judicando na análise do ilícito apenas sob o ângulo objetivo. Dessarte, visto que ausente no decisum a afirmação do elemento subjetivo, incabível a incidência de penalidades por improbidade administrativa. Precedentes citados: REsp 805.080-SP, DJe 6/8/2009; REsp 939.142-RJ, DJe 10/4/2008; REsp 678.115-RS, DJ 29/11/2007; REsp 285.305-DF, DJ 13/12/2007, e REsp 714.935-PR, DJ 8/5/2006. REsp 1.038.777-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 3/2/2011. Ver aqui.

Como sou bom leitor, pensei o seguinte:

Se esse e-mail estiver correto(o link está), o novo Ministro STF Fux só acataria uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa se os autos do processo tivessem o registro comprovado de má-fé do prefeito(elemento subjetivo) e também se os autos comprovassem o prejuízo ao patrimônio público.

Ou seja, o fato de um prefeito desobedecer frontalmente a lei não quer dizer nada.

Como todo mundo sabe, no Brasil existe quem pode e quem não pode obedecer a lei. Para tudo, há controvérsias.

O prefeito é obrigado por lei a fazer licitação para contratar qualquer coisa, mas não obedece a lei. Dane-se a lei, porque é preciso provar que ele agiu com má-fé e especificar em quantos reais exatos ele danificou o cofre público com sua desobediência à lei.

No mensalão, por exemplo, para cada um dos acusados deveria ser comprovada a má-fé e também o dano ao patrimônio público. Será que recursos de campanha não contabilizados configuram dano ao patrimônio público? Como se comprova a má-fé de quem recebe ou paga propina?

No Distrito Federal, isso absolveria de cara o ex-governador e ex-senador suspeito de usar e abusar de facilidades do banco regional para adquirir bezerras premiadas. “Afinal”, ele diria, “agi de boa fé com a bezerra e não danifiquei o cofre público, subi num banquinho”. Pelos critérios Fux, o outro ex-governador, aquele que ficou em cela especial, também seria absolvido de antemão. Onde está a má-fé em aceitar maços de dinheiro não-contabilizado de um secretário de governo? Qual é o problema em se dispensar licitações ou dirigí-las superfaturadas se as notas fiscais são apresentadas? Qual é o problema de enfiar maços de grana na meia ou na bolsa? Outros demonstraram tanta boa fé que chegaram a fazer um círculo para rezar e agradecer pela propina não contabilizada recebida, que mal há nisso? Cadê o prejuízo ao cofre público se aquilo é grana de caixa 2, 3 ou 4 que ninguém nem se deu ao trabalho de contar e registrar?

Uma ação civil pública não é uma coisa fácil de implementar, exige grande organização e mobilização de pessoas. Que só fazem isso quando estão se sentindo completamente desamparadas por seus representantes e entidades organizadas. Mas Fux, que sente tanta coisa e chora, não sentiu nada quanto a isso. É de chorar.

Também não sentiu que um prefeito tem secretaria da fazenda, gabinete, contabilidade, assessores, vereadores e o escambau para tratar, dentro dos limites da lei, da proposta e da execução orçamentária de um município. Fux não sentiu ainda que, num ângulo objetivo, os 50 mil possam ter sido utilizados para que o prefeito ouvisse bons conselhos sobre suas próprias finanças e orçamento.

O 11º ministro foi aprovado por unanimidade pelo Senado.

Minha mãe disse que eu ando muito negativo.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O piso ataca de novo

O apartamento onde moro foi concluído por uma cooperativa de ex-consorciados da Encol. A empresa faliu antes da fase de acabamento das obras do edifício. As pessoas, enlouquecidas pelo calote monumental, resolveram juntar economias, desesperos e esforços para terminar o prédio. Acho que alguma etapa da parte da estrutura não foi bem supervisionada. Em consequência, todo mundo que mora no prédio tem uma história de barulho esquisito para contar.

Meu vizinho de frente, por exemplo, fala que um dia acordou à noite assustado com o que parecia ser o barulho de uma explosão. Pulou da cama e correu até a cozinha, mas não havia nada de errado. Aí voltou e olhou para a porta do corredor. A porta, que ele sempre deixava trancada a chave, estava partida ao meio. Na pressa de chegar à cozinha ele havia passado pela porta parida e nem havia percebido nada. Desta vez, examinou com cuidado e percebeu que a soleira estava partida. De alguma maneira estranha, o chão do apartamento havia ficado abaulado, como se uma toupeira tivesse parado ali, depois de ter rastejado debaixo do piso de porcelanato.

Qundo ele me contou essa história, eu não duvidei nem por um segundo, porque eu já havia visto a mesma coisa com os meus próprios olhos. Essa revelação do vizinho só ocorreu depois que eu contei que um estranho fenômeno havia provocado o levantamento e estilhaçado algumas das placas de porcelana do piso da minha sala. Aquilo havia acontecido do meu lado, na hora do almoço, na frente dos meus filhos e da minha mulher, além de uma cunhada. O piso havia arqueado um pouco, estalado alto e praaaac!, quebrado em pontas e esparramaços.

Na hora, mandei as crianças correrem para o quarto, porque eu pensei que algum encanamento, o gás ou qualquer coisa tinha acabado de estourar debaixo do meu piso e alguma coisa pior poderia acontecer. Fui até o vizinho de baixo e perguntei se havia alguma coisa errada com o seu teto. Mas ele não estava em casa e a empregada não me deixou olhar.

Aí voltei pra casa e dei de cara com o vizinho de frente, que havia escutado o barulhão e me contou a sua história.

O problema com o piso nos obrigou a reformar o piso da sala do apartamento, conforme eu postei aqui no blog, há uns tempos. A reforma foi feita com a gente dentro de casa, uma loucura que só recomendo para pessoas que desejam ficar com problemas nos nervos e juízo imperfeito. Mas no final deu tudo certo, eu precisava mesmo emagrecer e ficar com os cabelos do peito mais brancos. Na época, para evitar a dilapidação do patrimônio e de olho na possibilidade de dias de vacas magras, decidimos reformar somente o piso da sala. Não mexemos no piso dos quartos e nem do corredor.

Mas outro dia ouvimos novamente os terríveis estalos da porcelana no quarto do meu filho. Ao chegar lá percebi que uma nova reforma será inevitável. Várias placas tinham subido umas nas outras e quebrado, igual a gente vê nas fotos de exploradores da antártida. Estou adiando ao máximo a reforma do piso, porque desta vez não ficaremos dentro do apartamento de jeito nenhum. Enquanto isso, tirei as placas quebradas e passei o aspirador de pó para evitar maiores complicações. Agora é esperar mais um pouco para iniciar a obra.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

As dez mais dos Beatles

Em agosto de 2010, a revista Rolling Stone divulgou uma classificação das cem melhores músicas dos Beatles.

As dez primeiras foram:

1 - "A Day in the Life"
2 - "I Want to Hold Your Hand"
3 - "Strawberry Fields Forever"
4 - "Yesterday"
5 - "In My Life"
6 - "Something"
7 - "Hey Jude"
8 - "Let It Be"
9 - "Come Together"
10 - "While My Guitar Gently Weeps"

É uma boa lista de dez mais. Mas fiquei pensando em "All my loving" para substituir "Yesterday". Também trocaria "Come Together" por "Ticket to ride", numa boa.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita 2010

Todo mundo é fã dos Irmãos Coen. Eu também. Por isso, tratei logo de encontrar o quadrinho "True Grit: Mean Business - A Dime Novel", baseado no livro "True Grit", que vem a ser um pedacinho do roteiro dessa refilmagem de Bravura Indômita. O filme estreou no Natal lá nos EUA e já deve estar nas melhores bancas de DVDs piratas, mas quero assistir no cinema, numa tela supergigantesca, com som de alta fidelidade.

A HQ pode ser baixada nos melhores sites de baixar quadrinhos. É uma boa, porque duvido que alguém se lembre de editar a revista por aqui. Se gostar, faça como eu e encomende um exemplar via Amazon.

Para que não digam que só colaboro com a economia dos países do outro mundo, comprei o livro True Grit, de Charles Portis, em português na minha última visita à livraria, no final de semana. Foi um erro, é claro, porque ultrapassei a minha cota de gastos com livros do mês. Ainda por cima, a leitura é disputada: eu e minha mulher estamos lendo o livro ao mesmo tempo, o que é novidade.

Fiquei surpreso porque ela nunca gostou de faroeste, embora esse seja uma excelente sacada: a história é narrada por uma menina de 14 anos que parte para uma jornada de vingança contra o assassino do pai. Hum! Se o narrador não usasse saias, era o mote inicial de trocentos filmes de bang-bang. Mas o fato de remoer os clichês e apresentar novos ângulos para a mitologia do faroeste não impede o livro de ser tão ou mais genial que "Welcome to Hard Times" de E.L. Doctorow.

Se você só leu Ragtime do Doctorow, vá correndo ao sebo e adquira tudo o que esse cara escreveu. Doctorow, como o cineasta Roman Polanski, transita muito bem entre os diferentes gêneros. Ele tem livro de cowboy, guerra, guerra civil, gangster, máfia, história(a do casal Julius e Ethel Rosemberg), novela, história curta, ensaios, uma peça de teatro, fábulas sobre o cotidiano e fantasia. Doctorow perdeu a conta de indicações para o Pulitzer e o National Book Award e acabou ganhando um deles.

É impossível falar do oeste sem mencionar CORMAC MCCARTHY, assim mesmo, com todas em maiúsculas, mas o assunto aqui é Charles McColl Portis, o autor de True Grit. Portis foi um jornalista do hoje extinto New York Herald-Tribune. Alguns artigos na internet estabelecem uma ligação entre Portis e Karl Marx. Ambos trabalharam para o Herald-Tribune em Londres. Era o mesmo cargo de repórter-editor-chefe-de-si-mesmo.

De acordo com Portis, o jornal teria poupado muito sofrimento se tivesse pago um pouco mais a Marx(“might have saved us all a lot of grief if it had only paid Marx a little better"). É só uma curiosidade e também uma pitada da ironia portisiana. Portis também trabalhou com Tom Wolfe no mesmo jornal. Dizem que os dois tinham diálogos prá lá de bizarros. Wolfe diz que Portis era o rei da "cortada silenciosa" e de um senso de humor incrível. Portanto, o homem também foi um dos co-inventores do new journalism, coisa que nunca existiu no Brasil, embora alguns sujeitos tenham tentado. Também foi o autor de três peças de teatro consideradas obras-primas pelos norte-americanos, mas eu nunca ouvi falar de nenhuma. Não sou muito teatrológico.

O resto não conto,até porque não acabei de ler o livro e não sei. Só posso dizer que esse é daqueles que grudam. True Grit é o responsável direto pelos meus atrasos desta semana, porque quando vejo já ultrapassei a meia hora máxima de leitura matinal no banheiro. Eu deveria inclusive chamar as manhãs de madrugadas sombrias, porque está escuro pacas. Um breu danado. A única vantagem é que estou vendo o nascer do sol todos os dias na companhia do Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O nome da sala

_O nome é Terceiro Ano Crânio – disse o meu filho.

_Legal, é o nome que você queria, não é filho? – eu disse.

_É. Eu falei Crânio e depois eu disse Guepardo. Mas eu queria mesmo era Crânio – ele disse.

_Puxa vida! Vai ser ótimo estudar no Terceiro Ano Crânio. Seus amigos devem ter achado o máximo – eu disse.

_Não sei, pai. Eles dividiram a turma – ele disse.

_Como assim, dividiram? Não, senhor, isso é i-na-cei-tá-vel. Não se mexe em time que está ganhando. Tudo aí precisando de união, a inflação começando a disparar, o corte de orçamento, o aumento pequetitinho do mínimo e dividem a sua turma!! Pô, isso não vai ficar assim, não. Vamos protestar! – eu disse.

_Mas pai, não cabia todo mundo na mesma sala. E a gente se encontra no recreio – ele disse.

_Não, senhor. Essa turma se conhece desde a mais tenra idade, vocês aprenderam a deixar de usar fraldas praticamente juntos – eu disse.

_Pô, pai, eu não uso fralda desde os dois anos de idade. E não tem problema, acho que vou gostar. Tem um monte de gente nova na sala – ele disse.

_E aqueles seus amigos? Ficaram na sua sala ou na outra? – eu disse.

_Eles ficaram na outra – ele disse.

_Mas isso é um absurdo! É um crime! É in-to-le-rá-vel! Seus amigos de anos! E agora irremediavelmente se-pa-ra-dos! – eu disse.

_Não tem tanto tempo assim, pai. Uma sala fica do lado da outra. E vai ser bom fazer novas amizades – ele disse.

_Acho que eu vou lá na escola conversar com a orientadora pedagógica. Este é um momento crucial da sua formação e é fun-da-men- tal que uma série de variáveis simplesmente não sejam variáveis. Todo mundo sabe disso – eu disse.

_Não, pai, não precisa, não tem problema. Eu estou bem – ele disse.

_Sim, senhor. Vou até lá amanhã para passar essa história a limpo. Quero saber porque eles não fizeram uma sala de novos alunos e deixaram você na sala com os velhos alunos - eu disse.

_Mas pai, não tem ninguém mais velho. A maioria tem sete anos. E não tem tanto aluno novo assim. Não dá para fazer uma sala só para eles - disse meu filho.

_Então eles poderiam misturar os dois grupos, bem misturados - eu disse.

_Tudo bem, pai, eles tentaram - ele disse.

_Mas não conseguiram - eu disse.

_Pô, pai, nada de pagar mico na escola, hein - ele disse.

_Mico? Eu? Estou exercendo um direito fundamental do ser humano. Quero saber porque meu filho ficou sozinho numa sala de aula, com os amigos todos na sala ao lado. Só isso - eu disse.

A minha mulher achou que seria mesmo um mico. E por isso ela é quem foi conversar com a orientadora pedagógica. Não havia uma explicação razoável, é claro. Decidiram que meu filho e outro menino teriam que ficar separados, pois um não deixava o outro se concentrar. Teriam que ficar em salas diferentes. Como só existem duas salas do terceiro ano, calhou do meu filho ficar separado dos outros companheiros de sala.

É uma questão menor, eu digo para mim mesmo. Mas não é, é óbvio.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O disco que eu mais escutei



No aniversário do Natal perguntei a algumas pessoas qual era o disco que haviam escutado mais vezes, que ouviram até enjoar de ouvir.

Não valia pensar muito. Tinha que ser aquele disco automático, que você pegaria correndo, fugindo da polícia. Ou que você levaria para uma temporada no pólo sul. Sim, eu sei que o negócio agora é o Ipod, com trocentas músicas variadas, de outrocentos discos diferentes. Mas eu estava falando do disco mais importante daquele período em que escutar um disco à tarde era um exercício vital.

Sargent Peppers foi o campeão da noite. Mas a minha lista era diferente: em primeiríssimo Secos e Molhados(aquele das cabeças no prato), depois foi Tatoo You (Rolling Stones) e em terceiro e honroso vinha Diana e Marvin. É um disco de 1973. O LP lá de casa tinha uma capa super-legal, com Diana Ross e Marvin Gaye de costas um para o outro. Essa capa era cortada na metade e você abria e lá estavam Diana e Marvin, num sofá rococó, de frente um para outro. Adorava esse disco. Escutei ele diariamente até o final da minha adolescência.

Os caras começaram a me gozar, é lógico.

Mas eles se esqueceram da época em que éramos todos "boys-paredes". Nós ficávamos com as costas coladas na parede em todas as festinhas, criando coragem para atravessar a sala e chamar as meninas para dançar. Eu era um campeão de "nãos" e dançava mal à beça. Mas as festas da adolescência foram todas assim, com pequenas variações, só mudaram radicalmente depois que entrei na universidade.

Ninguém admitia ter escutado nenhuma das músicas abaixo:

1-You Are Everything
2-Love Twins
3-Don't Knock My Love
4-You're a Special, Part of Me
5-Pledging My Love
6-Just Say, Just Say
7-Stop! Look, Listen (To Your Heart)
8-I'm Falling in Love With You
9- My Mistake (Was to Love You)
10- Include Me in Your Life

Mentira deles, é claro.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Cabeça vira bolachas no aniversário do Natal



O grande amigo Natal está na cidade e ontem nos encontramos no Boteco para comemorar o seu aniversário. É sempre ótimo rever os amigos e colocar a conversa em dia, especialmente em noites quentes e com chopp gelado. Um monte de gente passou por lá para abraçar o Natal e cantar parabéns. Quando a contagem de chopps estava em mais de oitenta, o Cabeça resolveu virar as bolachas. É uma performance espantosa. Acho que ele merece entrar para o Guiness.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

"Nudge", "default" e "Yak shaving"

Fui apresentado a dois conceitos interessantes nesta semana e é impossível deixar de falar deles.

O primeiro foi desenvolvido por Richard Thaler (Universidade de Chicago) e Cass Sunstein (Chicago e Harvard), autores de "Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness". O livro foi traduzido para o português com o título "Nudge: O Empurrão para a Escolha Certa".

Ouvi falar disso na coluna do Hélio Schwartsman(Folha-03/02/2011). Ele resumiu o conceito de Nudge assim: "a ideia básica é que seres humanos são tudo menos os agentes racionais e bem informados imaginados pelos manuais clássicos de economia. No mundo real, as pessoas frequentemente tomam as piores decisões possíveis em relação a seu futuro."

Default foi conceituado despretensiosamente pelo Marco Bittencourt, do excelente blog "Chutando a Lata" num post do dia 01 de fevereiro, com base numa definição do webster: "a selection made usually automatically or without active consideration due to lack of a viable alternative". Seria algo como: uma escolha feita automaticamente ou sem análise devido à falta de uma outra alternativa viável.

Foi interessante ler os dois conceitos no mesmo dia, hoje, porque em geral eu leio trocentos textos todos os dias, o que provoca uma coisa que eu chamo de nuvem na memória, para disfarçar que é esquecimento puro e total. Assim, caso não tivesse feito essa leitura hoje, jamais teria percebido a estranha ponte que une esses dois conceitos a um terceiro, o de "yak shaving".

Como a minha assídua e fiel kombi de leitores deve se lembrar, em algum momento neste blog eu destrinchei o conceito de "yak shaving", fazendo um paralelo com a expressão "tosar o iaque" e a nossa conhecida "uma coisa puxa a outra". "YS", entretanto, é uma noção mais abrangente do que a rica e intensa expressão brasileira pode alcançar.

Naquela época, em janeiro de 2008, não me ocorreu procurar o significado na wikipedia: "Any apparently useless activity which, by allowing you to overcome intermediate difficulties, allows you to solve a larger problem." Numa tradução grosseira: "qualquer atividade aparentemente inútil que permita superar um monte de dificuldades intermediárias e, por fim, resolver o grande problema".

Na verdade, essa definição do wikipedia não é muito boa. Na história original, "yak shaving" era algo como precisar apresentar uma idéia muito boa, mas ficar enrolando até o final do prazo e aí, aquela coisa idiota que você estava fazendo só para passar o tempo acabar sendo a fonte de inspiração para a idéia. Era algo como enrolar até o limite da sanidade e ser salvo pelo gongo por uma coisa que você pensava que não ia servir para nada, mas que mesmo assim fazia.

Existem caras que elevaram o "yak shaving" ao estado da ARTE, assim mesmo, com tudo em maiúsculo. O "yak shaving" exige uma falta de compromisso e um egocentrismo que já não posso mais ter. Ainda assim, eu me considero um praticante mediano.

O que estou querendo dizer é que sem o "yak shaving" é impossível adotar qualquer espécie de "nudge" para substituir as antiquadas e deletérias ações por "default".

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A memória dos monstros



Tenho um bloco bem pequeno de desenhos em algum lugar daqui de casa. É da época em que recomecei a desenhar, o que coincide com a volta à escrita e o início deste blog. O bloco cabe com folga no bolso da camisa. Está cheio de monstros. Ou melhor, de cabeças de monstros. Era só o que eu conseguia desenhar, na época. Às vezes, quando eu me dou ao trabalho de repensar as coisas que já fiz e entender porque faço as coisas que faço, eu pego esse bloco de monstros.

Na última vez que vi o bloco, ele estava muito desengonçado e torto, parecia alguém da oposição disputando a primeira secretaria da mesa da câmara. Para reforçar a cola que unia as folhas, eu passei uma fita crepe, que encobre um pouco da primeira folha do bloco. São 50 folhas. Todos os dias, durante 49 dias, desenhei um monstro. Sempre no final da tarde. Nenhum é particularmente interessante e inventivo. São bocas, dentes, olhos esbugalhados e línguas. Alguns têm focinho, em outros fiz cavidades parecidas com as cavas de pássaros e répteis. Fiz monstros com bocas enormes, espinhos, pêlos, verrugas, escamas e línguas com ponta de flecha. Nenhum é tão assustador quando a reeleição para a presidência do senado.

Eu seguia uma regra simples. Primeiro imaginar a cabeça do monstro totalmente, na minha cabeça. Depois desenhá-lo rapidamente, da memória do que eu havia imaginado. Essa acabou se tornando a regra genérica para tudo o que desenhei depois. Primeiro procuro imaginar o que vou desenhar, rabiscando com cuidado o desenho dentro da minha cabeça. Não é muito fácil, quando se começa. Mas com o tempo, vira um hábito. Depois, sem parar, procuro desenhar a figura, de preferência com uma caneta de tinta gel preta.

Para desenhar as coisas que observo, o processo é o mesmo. Olhar, memorizar, rabiscar dentro da cabeça e só depois desenhar. Caso esteja usando um dos cadernos caros, o ideal é fazer um aquecimento antes de usar o moleskine, numa folha de papel avulsa. Aprendi depois desses desenhos, mais uma vez, que não existe inspiração sem trabalho diário. Todo mundo sabe disso, mas vive se esquecendo. O bloco é o meu lembrete. E ele também me lembra que é preciso aquecer. O atleta, o pintor, o cantor, o escritor, o ilustrador, o cara que pratica cuspe a distância, todo mundo precisa de aquecimento.

A última folha está quase em branco. Não terminei o desenho. Acho que me cansei dos monstros, ou já não tinha mais nenhum para tirar da cabeça. Mas ultimamente tenho pensado muito em monstros, como se a memória da minha imaginação estivesse sendo ativada por alguma coisa. Corri então à procura do meu bloco de monstros, mas o armário anda um pouco bagunçado, não encontrei o tal bloco.

Ao invés dele, encontrei um caderno cheio de borboletas, que fiz em agosto e setembro de 2009. Uma delas é a que está aí em cima. Tenho diminuído bastante o ritmo dos desenhos, o que me chateia um pouco. A verdade é que uso muito mal o tempo que eu tenho. Mas tenho organizado as coisas e tenho certeza de que vou conseguir melhorar. Estabeleci algumas metas para esse ano e a cobrança de mim mesmo tem sido forte. Talvez seja por isso que os monstros estejam voltando à minha cabeça.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Mr. Flowers vê o aquecimento global

Um calor danado no trabalho. Encontro o Mr. Flowers no corredor. O Flowers é gente fina. E estava de bom humor.

_O aquecimento global deste lado do equador deve provocar um efeito estufa para o outro lado, porque lá em cima está nevando pacas - ele disse.

_É, esse aquecimento global está deixando os termômetros loucos - eu disse.

_Você não acredita no aquecimento global? - ele disse.

_Acredito em mudança climática, mas mesmo quanto a isso tenho as minhas dúvidas - eu disse.

_Já sei. Você acha que os dados foram manipulados. Pensa que os cientistas verdes fraudaram anos e anos de medições de temperatura em todo o planeta só para criar pânico e provocar uma mudança no modo de produção.

_Pois é, os cientistas verdes teriam que ser muito espertos - eu disse.

_A menos que tenham sido abduzidos e trocados por cientistas verdes de outro planeta - ele disse.

_Os alienígenas teriam tido um trabalho danado para resolver um problema que não é deles - eu disse.

_Também só acredito em alienígena do mal - ele disse.

_Eu duvido que existam alienígenas - eu disse.

_Nâo. Os alienígenas existem. Mas todos são do mal - ele disse.

_Qual é? Se existe alienígena do mal, tem que existir alienígena do bem. É uma questão de equilíbrio. É universal - eu disse.

_E quem disse que os aliens são equilibrados. Cada um mais louco do que o outro, isso sim.

_Você acha que os aliens são verdes? - eu disse.

_Sim, são ecochatos terríveis. Por isso foram expulsos do planeta deles - disse o Mr. Flowers.

_Será que algum dia alcançaremos esse nível de desenvolvimento? - eu disse.

_Com certeza. Daqui a algum tempo vamos encher as naves espaciais de ecochatos e despachá-los para o espaço - ele disse.

_Não sei não, nem conseguimos separar o lixo - eu disse.

_É fácil. E eu já deixei de usar sacolas plásticas tem mais de dois anos - ele disse.

_Ué, pensei que você não acreditava no aquecimento global - eu disse.

_Minha namorada acredita - ele disse.

_Deve ser muito má, essa sua namorada - eu disse.

_Ela é cruel.

_...

_...

_Flowers?

_O que é?

_Você assiste muita TV?

_Já parei. Mas os efeitos são permanentes - ele disse.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Água não era o mais bonito

_Vai chamar Primeiro Ano Água – ela disse.

_Água? Mas você disse que era Primeiro Ano Mágico – eu disse.

_Mas hoje nós escolhemos Água – disse a minha filha.

_Está certo, Água é um nome muito bom – disse a minha mulher.

_É um dos melhores – eu disse.

_Mas eu não gosto muito – disse a minha filha.

_Não, pensando bem, é meio... hum..diluído– eu disse.

Minha mulher não disse nada, mas me deu aquela olhada de nocaute.

_O que é diluído? – ela disse.

_Diluído, diluído, diluído é diminuir o gosto das coisas com um líquido. É deixar sem graça – eu disse.

Minha mulher me deu outra daquelas olhadas.

_Que líquido? – disse a menina.

_Qualquer líquido – eu disse.

_Pode ser água? – ela disse.

_Pode – eu disse.

_Então Água é um nome sem graça? – ela disse.

Minha mulher me olhou com aquela cara de “quero ver você sair dessa”.

_Nããããoooo, quer dizer, é um pouco molhado, né? – eu disse.

_Não existe nome molhado, paiê – disse a menina.

_Não, os nomes são sequinhos. Mas alguns parecem dar a impressão de que vão molhar a gente. Ensopado, por exemplo, parece um nome bem molhado – eu disse.

_Paiê, você achou o nome sem graça? – ela disse.

Minha mulher me olhou com os olhos daquele robô que não tinha olhos em Perdidos no Espaço: Perigo, perigo, perigo!

_Qual nome? – eu disse.

_Primeiro Ano Água – ela disse.

_Achei bacana – eu disse.

Os sinais de perigo estavam enfraquecendo. Olhos até amistosos miravam minhas pupilas.

_Achei sem graça, eu queria Primeiro Ano Nuvem– ela disse.

Tive vontade de exigir uma recontagem de votos na turma.

Frase do dia