domingo, 13 de fevereiro de 2011

História de um amigo

O Igor me conta a história de um cara que ele conheceu no trabalho.

_Ele é um sujeito brilhante. Empreendedor milionário. Tinha uma esposa maravilhosa de linda, capa de revista de perfume francês. E ele é do tipo boa-pinta elegantão, sujeito alto, grande, fortão, sempre fez o maior sucesso. O cara chegava em qualquer lugar e virava o centro das atenções. Um senso de humor fantástico. Cada piada fazia você rolar de rir. Homens e mulheres. O cara era o cara. Mas a mulher dele não gostava de cigarro e vivia falando para ele parar de fumar. E ele nada. Mas a mulher falava, falava, falava. Ela torrava o saco do cara para ele parar. E esse cara fumava feito um doido. Era uma chaminé, mas ninguém ligava, porque ele era muito, muito engraçado. E simpático. Mas um dia esse cara teve um trê-lê-lê. Quase morreu do coração. O médico disse o de sempre: corta o cigarro, corta a birita, nada de emoções fortes.

Ele resolveu começar por etapas, largando o cigarro. Aí parou de beber também, porque se ele bebia acabava voltando a vontade de fumar. A mulher não suportava. Então parou com o cigarro e a birita. E o carteado. O cara gostava de um carteado, mas parou também. Parou com tudo. Nem rock o cara escutava. Ele disse que queria viver sem vícios. Resolveu ser virtuoso. Sem vícios. E tudo mudou. Ia para os mesmos lugares, mas ficava ali, no canto dele, meio brocoxô. Na dele. Era triste.

Começou a ficar deprimido, engordou feito um capado. Era um cara feliz, alegre e espontâneo, mas virou um cara triste, deprê, chato. Ele pegava no seu braço com aquela mão gordinha e perguntava sobre a situação sócio-econômica no meio de uma festa. "Aí, o que você acha da decisão do Copom?" Que Copom? Que Mané Copom, rapaz. A gente está aqui, numa festa, se divertindo e você vem falar de Copom, ora, vá encher outro, dava vontade de dizer. Mas eu não dizia nada, é claro. O cara é meu amigo de anos, não poderia falar uma coisa dessas pra ele.

Então esse cara sumiu. Sim, porque ele ficou um gordinho chato que falava em decisão do Copom, e um cara desses ninguém chama para tomar umas cervejas e jogar conversa fora, né? Pois então, sumiu. Escafedeu-se, ninguém sabia mais dele. Aí eu encontrei com a mulher dele num shopping, por acaso, numa sorveteria. Continuava bonita, mais madura, uma simpatia encarnada. E perguntei por esse cara, esse amigo meu. Ela disse que ele estava muito bem, tinha perdido trocentos quilos, estava feliz da vida e que ele estava com tudo pronto para uma viagem para os Estados Unidos.

Rapaz, eu pensei na hora na conjugação verbal e pensei que ela tinha cometido um erro grave ou então os dois estava separados, porque esse cara estava pronto para viajar sozinho. Mas aí chegou o cara, estava bem ali do lado tomando sorvete, mas ele estava tão diferente que eu nem tinha percebido. O cara estava todo elegante, bem apessoado, magro, malhado, com bota e casacão de couro. Deu um beijão na mulher dele e me contou um monte de histórias engraçadíssimas do mesmo jeito que ele fazia antes. Eu ri à beça. Era o mesmo sujeito de antes, aquele cara era o meu amigo, o que não ia estragar uma conversa para falar do Copom.

Fiquei intrigado com aquilo mas fiquei sem-graça de perguntar o que havia provocado aquela metamorfose, o retorno ao que ele era antes. Sim, porque foi uma transformação total. O cara estava magro, simpático, boa-pinta, tinha recuperado a alegria de viver. Era um milagre. E aí marido e mulher se despediram, porque tinham ido ao shopping separados e combinado de se encontrar só para tomar um sorvete. Eu ainda estava no meio do meu sorvete e a mulher desse cara tinha ficado na fila para pagar a conta do sorvete deles, a sorveteria estava cheia. Eu fiquei ali, a curiosidade atacando.

_Aposto que foi você que provocou essa mudança toda nele, foi ou não foi? - eu disse.

Mas ela olhou para mim como se já tivesse respondido aquilo antes.

_Que nada, foi a moto - ela disse.

E ela falou também que um dia esse cara chegou em casa montado em uma moto ninja, daquelas de corrida. Ele desceu, tirou o capacete e falou com ela ali mesmo na garagem que aquela moto era o novo brinquedinho dele. Que ele não fumava mais, não bebia mais, não jogava mais, mas que a moto era dele e ninguém, jamais poderia falar uma vírgula contra a moto. E desde então ele havia perdido peso e voltado a ser o que era, só que sem o cigarro, a birita e o carteado, que ela odiava. Ela disse que a moto fazia esse cara se sentir um campeão, a velocidade o deixava em êxtase, a moto era uma espécie de ritual de libertação espiritual, era o oxigênio da vida desse cara. Ele andava todos os dias e pelo menos uma vez por ano viajava para o Estados Unidos só para andar de moto nas estradas de lá, que são muito boas.

_Puxa vida, então você está super feliz? - eu disse.

_Não, eu odeio motos - ela disse.

_X_

Foi então que o Igor reparou melhor e achou aquela mulher meio caidaça.

3 comentários:

Mwho disse...

Careca,
Depois da primeira caidaça da moto, será que o cara vai continuar na mesma felicidade?

Careca disse...

Mwho, acho que o tal cara tem um instinto suicida muito forte. Se ele cair da moto, vai voltar a fumar escondido no hospital...

Careca disse...

Mwho, acho que o tal cara tem um instinto suicida muito forte. Se ele cair da moto, vai voltar a fumar escondido no hospital...

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