quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O corvo



Ted Leo and the Pharmacists - Walking To Do

No início da semana, eu e a minha mulher arrumamos os armários do escritório. Era uma das coisas que estavam na minha lista de coisas a fazer durante o ano. Pra dizer a verdade, a arrumação dos armários está na lista desde que nos mudamos, mas eu sempre arrumo uma desculpa para deixar tudo como está.

_Não, senhor. Eu preciso de espaço para colocar a mesa de vidro no escritório. Nós vamos arrumar tudo hoje! - disse a minha mulher.

_Mas amor, a mesa de vidro é muito grande, não vai caber no escritório - eu disse.

_É claro que vai. E vamos colocar quatro cadeiras.

Primeiro foi preciso desmontar a estante de metal, onde eu guardava o antigo aparelho de som e o meu cemitério de aviões de plástico. São velhos aviões da Revell, que venho montando e remontando há vários anos, mas que as faxineiras eventuais e tombos esparsos têm se esmerado em destruir. Depois da mudança do velho apê para a casa atual, o conjunto ficou realmente muito danificado e tenho adiado o projeto de remontar e recuperar todos os aeromodelos. Coloquei todos os destroços numa grande caixa organizadora de plástico e lacrei com uma fita gomada. Daqui a vinte anos, pensei, quando essa caixa for encontrada cheia de cacarecos de aeromodelos, as pessoas terão certeza de que eu não passava de um demente. Mas agora prefiro acreditar que não jogo tudo fora porque tenho certeza de que alguns objetos são capazes de despertar lembranças adormecidas e imagens vívidas de outras épocas, quando eu podia passar horas montando um brinquedo de plástico sem sentir a mais leve sensação de culpa, sem pensar nem por um brevíssimo momento que estava perdendo meu precioso tempo.

Logo depois de esvaziar a estante de metal e de carregá=la para servir de depósito de restos de madeira na oficina, passamos para o primeiro dos grandes armários do escritório. Alguns hábitos são difíceis de se mudar, mesmo depois de uma mudança. Quando saímos do velho apê, o grande armário já estava coalhado de badulaques e coleções de miudezas que juntei durante anos e anos, além de revistas, livros, documentos, pastas plásticas, material de escritório, estojos, quilos de papéis usados, desenhados, rabiscados ou dobrados em estranhas figuras de origami. Com a ajuda da minha mulher criei coragem para jogar fora um saco de 60 litros de papéis e tralhas imprestáveis que entulhavam o armário. Mesmo assim, o espaço conquistado não foi grande coisa. O mesmo aconteceu com o outro grande armário.

Levamos umas quatro horas arrumando e limpando. O mais importante foi que separamos as coisas que usamos raramente ou nunca usamos. Guardamos o aproveitável em pastas arquivo que colocamos em outro armário, no quarto que usamos como depósito. Depois de tudo pronto, experimentamos a mesa de vidro em diversas posições, mas não teve jeito. A mesa de vidro é grande demais. O jeito foi encostá-la na parede. Talvez, no futuro, eu acabe usando essa mesa para remontar os velhos aviões de plástico. Tenho esperança de que, de alguma forma estranha, a velha mágica se repetirá e que eu serei capaz de passar horas concentrado na montagem de uma réplica qualquer, com a atenção fixa nos detalhes, usando uma lixa de unha para acertar cada pedaço antes de colar com cuidado todas as migalhas dos pequenos destroços. Mas antes que eu abra os olhos e imagine tudo concluído e renovado, uma sombra sussurra ao meu ouvido "never more, never more".

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Perdidos no Ceará I



Freedonia. Memphis train - Rufus Thomas

Ficamos alguns dias na Bahia, graças à hospitalidade generosa dos amigos de lá. A família que sempre nos trata a pão-de-ló possui uma bela casa a dois passos curtos da areia da praia. Faz calor mesmo quando chove mas a brisa constante, e a chuvinha que cai por volta da hora do almoço, deixam o clima sempre agradável. Teria sido mesmo perfeito, mas uma água-viva e um peixe espinhudo quase colocaram tudo a perder. Felizmente, as crianças atingidas se recuperaram rapidamente.

Depois da Bahia, viajamos para o Ceará. Foi lá que eu e a minha mulher passamos a lua-de-mel, lá se vão 14 anos. Por que fomos passar a lua-de-mel no Ceará? Oras, eu gosto do Ceará, as passagens estava em promoção e a minha mulher morria de vontade de conhecer o lugar, os nativos, seus costumes e suas crenças. São os mesmos da gente e de qualquer lugar, aliás, mas não sou de estragar surpresa nenhuma. E seja como for, foi a melhor lua-de-mel que já tivemos. Mas dessa vez decidimos fugir dos esquemas caros de hotéis. Alugamos um pequeno apartamento na beira-mar em Fortaleza e um carrinho para visitar as prais próximas com as crianças. Levei um providencial GPS que ganhei de aniversário para auxiliar a direção, confiando também no meu Quase Infalível Instinto de Direção Automobilística, também conhecido por QI-IDA.

_Amor, com esse GPS que você me deu e o meu fabuloso QI-IDA vamos refazer todos os passeios da lua-de-mel - eu disse.

_São Longuinho nos proteja - ela disse.

Só depois de muito tempo é que me lembrei que esse é o santo que nos ajuda a encontrar coisas perdidas. De fato, Marcelo, o sujeito da locadora que levou o carrinho até o estacionamento do aeroporto foi logo nos avisando que muita gente reclama do GPS no Ceará.

_O Aeroporto é um exemplo - ele disse.

_Não é Aeroporto Pinto Martins? - eu disse.

_Sim, é Aeroporto Pinto Martins. Mas se você colocar isso no GPS você vai parar na RUA Aeroporto Pinto Martins, que é bem longe daqui. Pra você chegar no Aeroporto, é preciso colocar Avenida Senador Carlos Jereissati mil e 800.

_Caramba! Uma rua com nome de aeroporto!

_É. E além disso a cidade está cheia de desvios. Mas se vocês me derem uma carona até o outro carro da empresa, eu posso guiar vocês até onde vocês estão.

Foi o que fizemos. Para nossa sorte, Marcelo nos guiou até o início da beira-mar, a apenas dois quarteirões do apartamento.



Rufus Thomas - Memphis Train



Rufus Thomas - Memphis Train

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Papa-moscas



The Walkmen - Woe Is Me

Viajar para a praia é sempre tudo de bom, não há novidade nisso. Aproveitamos ao máximo todas horas, minutos e segundos na areia e no mar. Fiquei com as crianças direto. Como todas as vezes que viajamos, eu pretendia utilizar o Método Careca de Bronzeamento Perfeito, que consiste em ficar direto no sol com o mínimo de protetor solar, afinal de contas, como teria dito Dom Corleone, proteção custa caro e minha pele não é nenhuma porcelana chinesa. Só pretendia parar de vez em quando para sentar à sombra, quando o sol já tivesse me tostado demais e a sede aumentasse muito.

Mas com a proteção das crianças é diferente. Para elas, nada é demais. Minha mulher gasta pesado nesses cremes, fomos bem equipados com duas bisnagas de FPS 60. O que me deixou um pouco receoso. Com um Fator de Proteção Solar desse tamanho, eu estava arriscado a ser chamado de Gasparzinho na volta da viagem. Não teria nem mesmo aquele tom levemente corado que faz as pessoas pensarem que você finalmente criou coragem e fez aquele branqueamento nos dentes que sempre disse que faria. Por isso, e também pelo fato de preferir o meu velho método de bronzeamento, eu ensaiei uma tentativa de fugir do protetor solar.

_FPS 60! Caramba, se eu passar isso vou me sentir igual ao Michael Jackson no início da carreira solo.

_Você vai usar protetor, sim! Não quero saber do seu velho método de arder a noite inteira vermelho feito um pimentão. E nem da desculpa da pele ardendo para refrescar com caipirinha de morango.

_Pôxa, amor, você sabe que caipirinha de morango faz um bem danado para a pele.

_Você é a única pessoa pessoa em todo o planeta que diz isso.

_O que não significa que não seja verdade - eu disse.

_Nem que seja.

_Estou disposto a fazer um teste, obedecendo a rigorosos critérios científicos, para averiguar na minha própria pele os benefícios da ingestão da caipirinha de morango.

_Às vezes eu me pergunto se estava com algum distúrbio hormonal quando aceitei o pedido de casamento - ela disse.

_Tudo bem, tudo bem, já sei que isso termina em greve. Então, pode deixar que eu uso o protetor solar.

No primeiro dia, minha filha se ofereceu para passar o protetor solar nas minhas costas e eu achei aquilo bem bacana da parte dela. Ela demorou bem uns cinco minutos, passando o creme com cuidado que julguei um pouco excessivo, mas meninas são bem cuidadosas, então não liguei muito.

_Você escreveu alguma coisa nas minhas costas? - eu disse para a minha filha.

_Não, paiê, o que é isso? Não confia na sua própria filha?

_É que você demorou um bocado, filhota. Tem certeza que não escreveu "Chute-me" ou "Socorro", ou "Camarão"?

_Paiê!

_Desenhou um patinho? Uma carinha sorridente, o smile?

_Só vou desmanchar se você adivinhar o que foi.

_Uma casinha com chaminé, palmeira e lagoa com patinho?

_Não.

_Um pato sorridente?

_Não.

_Um gato?

_Não.

Dez minutos depois eu descobri que ela havia desenhado uma planta carnívora. Só bem depois de termos deixado a Bahia é que eu pensei que teria sido genial se eu tivesse voltado da praia com um desenho de uma enorme planta carnívora nas minhas costas. Nhac!



_

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Bryan Ferry - Don't Stop The Dance



Bryan Ferry - Don't Stop The Dance

Amigos da Kombi de Leitores,
vou viajar com a família e espero deixar o blog um pouco de lado por alguns dias.
Conto com a compreensão de vocês.
Abraços,

These Boots Are Made for Walkin



Nancy Sinatra - These Boots Are Made for Walkin' (1966)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

The Walkmen - Another one goes by



The Walkmen - Another one goes by

Is your skin your skeletons
Splinters my daydreams
Under surface see is it any seed
Shadows fly across the wall
I walk outside and try to see you right in front of me
Silhouette of something sweet and so bright

Don't know what to offer you I'm only broke and lonely
And another one goes, and another goes by
Sometimes when I step outside I see you standing right in front of me
And another one goes, and another one goes by

Don't know what to offer you
I'm only broke and lonely
And another one goes, and another one goes by
Sometimes when I walk outside I see it right in front of me and so
Bright
And another one goes
And another one goes
And another one goes
By

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Viagem no túnel do tempo



Rolling Stones - Around & Around

É meio clichê, eu sei, essa vontade de viajar no tempo. E eu não resisto a clichês. Portanto, de alguma maneira, entrei no túnel do tempo e agora estou em algum lugar do futuro olhando para mim mesmo. Estou mais gordo. Mais enrugado. Meus olhos estão mais fundos e miúdos. O que eu tinha de cabelo também se foi, totalmente. Estou com um braço na tipóia, um cigarro apagado na boca, um olho roxo e o nariz muito inchado. Ainda uso tênis, o que talvez signifique que não tenho grana. Posso ver que o Careca do futuro não está reconhecendo eu, o Careca de agora.

_Sou você mesmo - eu digo.

_Eu sei, achei que se eu ficasse quieto você iria embora - diz o Careca do futuro.

_Estou aqui para saber o que eu devo fazer - eu digo.

_Já é a terceira vez nesta semana. Eu não sei, pô - diz o Careca do futuro.

_Devo investir em ações? A Petrobrás vai mesmo quebrar? É melhor apostar em cavalos?

_Não sei, não sei. E não adianta me bater!

_Mas por quê eu bateria em mim mesmo? - eu digo.

_Foi o que os outros disseram, no início. E todos eles acabaram me batendo.

_Quem? Quem são eles? - eu digo.

_Vocês todos, todos os Carecas do passado! Eu não sei o que fazer, não adianta. Talvez eu nunca tenha sabido, a verdade é esta.

_Como não sabe? Você está aqui, no futuro, deve ter visto as coisas acontecendo e só precisa me contar o que aconteceu.

_Isso é repetitivo, mas tudo bem, o que você quer saber?

_Em que ano estamos?

_Lá vamos nós, de novo. Eu não sei.

_Pelo amor de... como você não sabe em que ano nós estamos?

_Talvez tenha alguma coisa a ver com o acidente.

_Você sofreu um acidente?

_Acho que tropecei e caí de cara no chão. A queda deve ter afetado a minha memória. Também machuquei o pulso e quebrei o nariz.

_E o olho roxo?

_Foi o primeiro de vocês, ele me acertou um direto no olho.

_Você quer dizer que...

_Que os Carecas estão viajando no tempo para me fazer perguntas, mas encontraram o Careca do futuro com um pequeno problema de amnésia.

_Não pode ser.

_É sério.

_Você está de sacanagem. Eu me conheço. Está com algum tipo de prurido ético e acha que não pode me dizer as coisas porque seria ... sei lá ... como fornecer informações privilegiadas.

_Não. Pela terceira vez, não existe conflito ético em dar informações para você mesmo.

_Mesmo que essas informações lhe proporcionem uma vantagem sobre todas as outras pessoas?

_Em tese, as informações deveriam servir exatamente para proporcionar vantagens sobre outros que não as possuem. Mas vá por mim. Ninguém liga para o passado.

_Tudo bem. Quem ganhou o Brasileirão deste ano?

_Não sei. Não me lembro de nada. Nem sei se teve Brasileirão.

_Quem é o presidente?

_Nada, não sei. Minha cabeça é um vazio completo.

_Você voltou a fumar?

_Não. De jeito nenhum.

_E de quem é esse cigarro?

_Não sei. É de um sujeito que vem me visitar.

_Como é o nome desse sujeito?

_Eu não sei, pô! Estou com amnésia, lembra?

_E como você sabe que eu sou você?

_Porque você me disse!

_E se eu estiver mentindo?

_Não está, porque você já está sumindo, de volta para o passado.

E eu olho para os meus pés e não vejo a parte onde estariam meus dedos. O túnel do tempo já está aberto atrás de mim e começa a sugar um monte de coisas para dentro: vasos, bolas de futebol, uma lanterna amarela, chinelos. Eu tento me segurar no Careca do futuro, mas ele acerta um chute forte na ponta do meu nariz. A dor é insuportável. E enquanto eu rolo para dentro do túnel do tempo eu penso que da próxima vez aquele Careca do futuro não vai conseguir se livrar de mim tão fácil.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A justiça de Dobby




Dobby didn't mean to kill. Only to maim or seriously injure.

Vendo o noticiário de hoje, com a posse de você-sabe-quem você-sabe-aonde, eu me lembrei da justiça de Dobby, o elfo que Harry Potter consegue libertar da servidão junto aos Malfoy colocando a própria meia dentro de um livro. A frase em destaque resume o princípio básico daquela justiça, que pode não ser perfeita ou muito moderna, mas é rápida e eficaz. A nossa, infelizmente, é lenta, excessivamente permeável a recursos e a estratagemas para a postergação de decisões. Ainda assim, o judiciário é o único poder ainda não totalmente dominado por você-sabe-quem e sua turma de malfeitores, que é como se chamam os que fazem malfeitos.

Também hoje se repetiram todas aquelas cenas tristes de pessoas flageladas pelas enchentes, os desabamentos, o lixo, a lama, as mortes, a tristeza e a dor. Como sempre, os alarmes não funcionaram, os avisos regulares foram ignorados, nada do que se disse que seria feito foi feito, e as promessas de todos os anos foram repetidas pelas autoridades. Essas coisas, todos os anos, acabam nos desanimando.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Nova lista para 2013

Uma das coisas que prometo a mim mesmo todos os anos é não fazer listas de projetos para o ano novo. Nunca consigo cumprir por dois bons motivos: adoro fazer listas e sou péssimo em cumprir promessas. Então aqui vai a primeira lista do ano:

Primeira lista de 10 projetos para 2013:

1 - construir a estante do escritório.

2 - tirar o maldito ARRAIS.

3 - terminar de escrever o livro.

4 - reformar o quarto extra.

5 - fazer um check-up.

6 - jogar aquele monte de tranqueiras fora.

7 - transformar o sótão em algo útil.

8 - emoldurar todos aqueles quadros e colocá-los na parede.

9 - passar duas semanas em Paris, numa boa.

10 - arrumar um emprego.

Não está na ordem de importância, é claro. E muitos itens nem são novidade, aparecem na lista há vários anos.

Frase do dia