sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Viagem no túnel do tempo
Rolling Stones - Around & Around
É meio clichê, eu sei, essa vontade de viajar no tempo. E eu não resisto a clichês. Portanto, de alguma maneira, entrei no túnel do tempo e agora estou em algum lugar do futuro olhando para mim mesmo. Estou mais gordo. Mais enrugado. Meus olhos estão mais fundos e miúdos. O que eu tinha de cabelo também se foi, totalmente. Estou com um braço na tipóia, um cigarro apagado na boca, um olho roxo e o nariz muito inchado. Ainda uso tênis, o que talvez signifique que não tenho grana. Posso ver que o Careca do futuro não está reconhecendo eu, o Careca de agora.
_Sou você mesmo - eu digo.
_Eu sei, achei que se eu ficasse quieto você iria embora - diz o Careca do futuro.
_Estou aqui para saber o que eu devo fazer - eu digo.
_Já é a terceira vez nesta semana. Eu não sei, pô - diz o Careca do futuro.
_Devo investir em ações? A Petrobrás vai mesmo quebrar? É melhor apostar em cavalos?
_Não sei, não sei. E não adianta me bater!
_Mas por quê eu bateria em mim mesmo? - eu digo.
_Foi o que os outros disseram, no início. E todos eles acabaram me batendo.
_Quem? Quem são eles? - eu digo.
_Vocês todos, todos os Carecas do passado! Eu não sei o que fazer, não adianta. Talvez eu nunca tenha sabido, a verdade é esta.
_Como não sabe? Você está aqui, no futuro, deve ter visto as coisas acontecendo e só precisa me contar o que aconteceu.
_Isso é repetitivo, mas tudo bem, o que você quer saber?
_Em que ano estamos?
_Lá vamos nós, de novo. Eu não sei.
_Pelo amor de... como você não sabe em que ano nós estamos?
_Talvez tenha alguma coisa a ver com o acidente.
_Você sofreu um acidente?
_Acho que tropecei e caí de cara no chão. A queda deve ter afetado a minha memória. Também machuquei o pulso e quebrei o nariz.
_E o olho roxo?
_Foi o primeiro de vocês, ele me acertou um direto no olho.
_Você quer dizer que...
_Que os Carecas estão viajando no tempo para me fazer perguntas, mas encontraram o Careca do futuro com um pequeno problema de amnésia.
_Não pode ser.
_É sério.
_Você está de sacanagem. Eu me conheço. Está com algum tipo de prurido ético e acha que não pode me dizer as coisas porque seria ... sei lá ... como fornecer informações privilegiadas.
_Não. Pela terceira vez, não existe conflito ético em dar informações para você mesmo.
_Mesmo que essas informações lhe proporcionem uma vantagem sobre todas as outras pessoas?
_Em tese, as informações deveriam servir exatamente para proporcionar vantagens sobre outros que não as possuem. Mas vá por mim. Ninguém liga para o passado.
_Tudo bem. Quem ganhou o Brasileirão deste ano?
_Não sei. Não me lembro de nada. Nem sei se teve Brasileirão.
_Quem é o presidente?
_Nada, não sei. Minha cabeça é um vazio completo.
_Você voltou a fumar?
_Não. De jeito nenhum.
_E de quem é esse cigarro?
_Não sei. É de um sujeito que vem me visitar.
_Como é o nome desse sujeito?
_Eu não sei, pô! Estou com amnésia, lembra?
_E como você sabe que eu sou você?
_Porque você me disse!
_E se eu estiver mentindo?
_Não está, porque você já está sumindo, de volta para o passado.
E eu olho para os meus pés e não vejo a parte onde estariam meus dedos. O túnel do tempo já está aberto atrás de mim e começa a sugar um monte de coisas para dentro: vasos, bolas de futebol, uma lanterna amarela, chinelos. Eu tento me segurar no Careca do futuro, mas ele acerta um chute forte na ponta do meu nariz. A dor é insuportável. E enquanto eu rolo para dentro do túnel do tempo eu penso que da próxima vez aquele Careca do futuro não vai conseguir se livrar de mim tão fácil.
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