quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Efeito aríete



Cena do filme Michael 1996 - Chain of fools - Aretha Franklin

Fui ao sótão fazer uma vistoria. Eixstem algumas telhas rachadas, será preciso trocar. Não vai chover tão cedo, mas não custa prevenir. Aproveitei a subida para verificar onde estava a fonte do barulho. Nessa época, de vez em quando um estrondo ribombante ecoa pela casa. É o efeito aríete. A pressão da água que chega pelo encanamento é muito grande e provoca a vibração de algum cano quando chega ao reservatório de dez mil litros. É preciso amarrar o cano em algum caibro ou viga para acabar ou atenuar o barulho. O grande problema é que todos os canos estão com três ou quatro arames e fios amarrados, sem exceção. Não deveria haver ruído nenhum. Pela lógica o problema só poderia ser provado pelo cano que chega da rua na grande caixa dágua. É o cano com o maior número de cabos e fios amarrados. Ainda no sótão pedi para o meu filho abrir uma torneira ou acionar a descarga para confirmar. Nada do efeito golpe de martelo. Obviamente, logo que desci da escada o barulho começou. Subi às pressas e lá estava o cano vibrando. Ajeitei um dos cabos já existentes e a casa ficou silenciosa.

Na descida, fui desastrado e prendi o anel de casamento num degrau da escada de alumínio. Não sei direito como aconteceu, mas de repente estava praticamente pendurado pelo anel, que entrou fundo no dedo. Quase nunca tiro o anel e a verdade é que ele acabou provocando uma deformação no dedo da mão esquerda: tenho uma profunda marca, como se a aliança fosse um cinto apertado e a "barriga" do dedo quase caísse por cima dela. Agora meu dedo parece pescoço de enforcado. Doeu pacas, mas o corte foi superficial.

O acidente provocou a interrupção do projeto da semana: uma mesa de ripas que estou refazendo para a minha mãe. A versão anterior ficou meio torta e feiosa. Usei a madeira que tinha e as duas traves da base estavam muito empenadas. Tinha usado caibros de ipê ao invés de pranchas de madeira para o tampo. Mas como usei os caibros na horizontal, cada um com 1,80, a verdade é que a mesa ficou parecendo um estrado de cama. Agora estou pensando em usar varas de 0,80 m encaixadas nas traves, que fiz dividindo ao meio uma trave de quinze centímetros de largura. Usei a serra de dez polegadas, uma das ferramentas mais poderosas que possuo na oficina.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

As aparências



Goodfellas - Copacabana Nightclub

Um vizinho na minha rua está reformando novamente. Nesse período em que estamos de casa nova, pouco mais de um ano, não me lembro de ter visto aquela casa com a frente totalmente desimpedida. Há sempre uma caçamba de entulho sobre a calçada. Do lado de fora não se percebe nenhuma mudança, por isso só posso presumir que o vizinho esteja se preparando para uma hecatombe nuclear com um profundo e tenebroso porão.

A vizinha do meu lado direito tem um gato. O antigo morador da casa tinha um pastor alemão que não gostava de gatos. Um dia os dois se encontraram e o cachorro arrancou o rabo do gato. Quando eu me mudei, essa vizinha perguntou se eu tinha cachorro. Eu apontei para o Rafa.

_Só isso? - disse minha vizinha.

_As aparências enganam. Debaixo desse monte de pelos se esconde um caçador violento e impiedoso. Rafa não perdoa - eu disse.

Mas o Rafa resolveu estragar tudo e se aproximou da vizinha balançando o rabicho.

_Ele é bravo?

_Demais da conta. Pra senhora ter um idéia, por mim eu chamava esse cachorro de Arranca Dedos, mas minha filha não deixou.

Aí o Rafa começou a lamber a mão da vizinha, ainda balançando o rabo.

_Sei - disse a vizinha.

Foi então que ela contou o que tinha acontecido com seu gato.

Meu vizinho do lado esquerdo não tem animal de estimação. Ele cria orquídeas. E estuda clarineta, ou oboé, algum instrumento de sopro que nunca vi. Passa horas ensaiando clássicos da música popular brasileira. Uma vez pediu desculpas porque havia chamado um monte de gente para visitá-lo e tocar chorinho.

Meu vizinho da frente trabalha muito. Ele, a mulher e dois filhos saem bem cedo e só voltam à noite. Quase sempre esquecem o portão da garagem aberto. A polícia para em frente e liga a sirene.

Leitura obrigatória


O Prof. Villa fala sobre a desmoralização da política.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Ronda



Ahmad Jamal & Yusef Lateef

A seca chegou para ficar. O jardim está um pouco seco, molho as plantas dia sim e dia não. O gramado está ralo e amarelado. O limoeiro fica perto da horta e está ainda bem verde e cheio de limões. Todos os dias recolho uma dúzia de limões que caíram durante a noite. Ganhei dois abacates no domingo. Terminei de pintar de vermelho as duas cadeiras que comprei na venda de garagem. Ficaram bonitas. O plástico funcionou, apesar da grande quantidade de tinta que eu derramei, só ficou uma pequena mancha no chão. Saiu fácil com um solvente. Ainda não consegui terminar a mesa que estou fazendo. Tentei montar um velho pc para a oficina, um computador com windows 95. Tem uma tela sony syncmaster de 20 polegadas. É um trambolho superpesado. Mas a fonte está queimada, só descobri depois de tudo ligado. Encontrei fusíveis de 5 e 10 amperes. Com isso consegui recuperar três réguas de tomadas que estavam dentro dos armários. O tempo passa rápido e voando. Tenho tantas coisas pra fazer que às vezes não sei por onde começar. Tudo é importante, mas o mais importante é agora, quando escrevo.

Onde eu moro existe uma equipe de motoqueiros que quase sempre passam pela rua durante a noite. Outro dia esse sujeito apareceu no portão da frente, querendo falar comigo sobre essa ronda. Jânio. O nome do sujeito era Jânio. Esse cara é bem grande. Fico parecendo um menino perto dele. Ele apertou a campainha e disse que queria conversar.

_Espero contar com a sua colaboração - disse Jânio.

_E com quanto as pessoas costumam colaborar? - eu disse.

_Uns 40, 50 reais. Mas tem gente que dá 100 reais, porque acha que o trabalho é bem feito. O senhor acha que nós fazemos um trabalho bem feito?

_Super. Vocês têm um carnê ou algo parecido? - eu disse.

_Não. É uma contribuição voluntária, a gente não fica cobrando - disse Jânio.

_De jeito nenhum. Mas estou sem dinheiro agora, tem algum problema?

_Eu vou deixar o recibo com o senhor.

_Não precisa.

_Faço questão. Coloco qual valor?

_Olha, eu não disse que ia dar dinheiro.

_O senhor não vai contribuir?

_Eu não disse isso. Eu vou conversar com os vizinhos e ver com quanto eles estão colaborando.

_Aqui nessa rua todo mundo dá 50 reais.

_Vou checar com os vizinhos.

sábado, 25 de agosto de 2012

Cadeiras vermelhas



The Staple Singers - I'll Take You There

Comecei a pintar hoje as duas cadeiras de bambu que comprei numa venda de garagem há quase um ano. Minha mulher me autorizou, é claro. Ela disse que eu teria total liberdade de escolha de cor.

Desde que não fosse verde.

E também que não fosse preto.

E também que não fosse branco.

E que fosse vermelho ou amarelo.

Então escolhi vermelho.

Estava no meio da pintura quando me senti observado. Continuei a pintar normalmente, mas daí a cinco minutos tropecei ao dar um passo minúsculo e derrubei a lata de tinta. Felizmente eu havia forrado o chão do quintal onde pintava com um plástico preto. Tentei colocar um pouco da tinta de volta na lata, mas desisti. Passei a molhar o pincel diretamente na tinta derramada. Consegui pintar uma cadeira e meia desse jeito. Termino no domingo.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Levandóvisqui, o pior dos xingamentos



Bob Dylan - Shelter From The Storm

_Seu Levandóvisqui! - disse o menino.

_O quê? Repete, se for homem!

Os tempos são diferentes e difíceis. Onde eu moro não existem crianças na rua, elas estão dentro de casa ou em alguma atividade curricular ou extra-curricular. Os amigos da escola vivem pingando de casa em casa nas tardes em que não possuem atividades. Todas as crianças estudam inglês e praticam pelo menos um esporte. Alguns estudam música. Dá trabalho, custa caro, exige uma logística complexa, muita gasolina e disposição.

Aqui em casa procuramos organizar uma rotina. As crianças podem ir para a casa de um amigo uma vez por semana. Em geral, minha filha usa a segunda-feira para visitar uma amiga ou um amigo, ela não faz distinção de sexo em suas amizades. Meu filho costuma visitar amigos às sextas-feiras, seu único dia sem atividade extra. Não me lembro dele ter visitado meninas. Por causa do tombo que levou na escola na quarta-feira e da dor nas costas(quase esquecida), hoje meu filho trouxe dois amigos para brincar aqui em casa. Os meninos disputam quem fala mais e mais alto o tempo inteiro, cada um querendo fantasiar mais que o outro. Há sempre uma bola batendo, um pedaço de pau virando espada, cutucões, empurrões e, de vez em quando, um ou outro tenta derrubar algum desavisado. Tudo isso faz parte da rotina e eu procuro não interferir, bancando o bedel. Mas sempre deixo claro que não gostamos de gírias e nem de palavrões.

Por isso foi com surpresa que escutei o palavrão no final da tarde.

_Opa, opa, opa, palavrão não pode. Quem foi?

Tinha sido meu filho. Ele levantou a mão, se auto-acusando e pedindo desculpas. Na hora eu repeti que não gostamos de gírias e palavrões, véi. À noite, quando estávamos só eu, ele e a minha mulher, eu disse o seguinte:

_Filho, xingar os outros não é uma coisa boa. É muito ruim. E xingar de Levandóvisqui é ainda pior, porque ofende a mãe do sujeito. Ninguém nunca sabe qual será a reação de uma pessoa a um xingamento. Tem gente que fica agressivo, briga, bate e até perde a cabeça e comete um crime grave. Xingar não é bonito e faz a gente se sentir mal. A gente se sente bem fazendo coisas boas e dizendo coisas boas. Dizer coisas más, que fazem os outros se sentirem mal, também é fazer o mal. Aqui em casa nós gostamos de fazer o bem.

Minha mulher também resolveu falar:

_Filho, xingar não resolve nada. É apelação boba. É melhor dizer ou fazer alguma coisa que mude a situação. Se o colega está incomodando, xingar não vai fazer ele parar de incomodar. Pelo contrário, pode ser que a pessoa fique com raiva e incomode ainda mais, só de pirraça.

The Mighty Mocambos - Struggle and Triumph



The Mighty Mocambos - Struggle and Triumph

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Entulho e Levanduísque



Mark Knopfler - True Love Will Never Fade

Comprei duas pequenas lâmpadas solares para o jardim. São duas estacas com uma pequena placa de captação e bateria, uma parte de acrílico e o restante de metal. De longe, cada uma parece uma pequena torre de farol. A lâmpada é bem fraquinha, combina com a luz do luar. As crianças gostaram da novidade. Meu filho, é claro, queria brincar de espada laser com as estacas.

Durante o dia fez um sol forte, o que ajudou a carregar as baterias das lâmpadas. Com a ajuda do jardineiro, cortei as grades e retiramos o telhado do canil que havia no quintal. O jardineiro acertou as paredes com o martelo bola, o canil virou um paralelepídedo vazado, com uns 70 cm de altura. A idéia é transformar a casinha de dois cachorros grandes em dois canteiros altos para as plantas que mais usamos na cozinha, como cheiro verde e cebolinha.

Minha mãe veio para uma visita rápida e gostou da iniciativa. O canteiro alto evita dores nas costas e também o xixi de cachorrinhos malas, como o Rafa.

_Vai encher o canil de terra? Por quê não usa o entulho para elevar o fundo? Uma horta não precisa de 70 cm de terra - ela disse.

Putz, sou um eterno aprendiz de tudo com a minha mãe. Eu já havia descartado o entulho na caçamba de um vizinho, a quem agora devo um favor. Depois da dica da minha mãe quase fui até lá pegar o entulho de volta. Só não fui porque entulho e dívida de favor não tem volta.

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Levanduísque deita falação e livra a cara do deputado que mandou a mulher pegar dinheiro de propina. Desse modo, Levitanduóski entra para a história das supremes como o ministro absolvente. Como bem disse o meu jardineiro, esse juizóvsqui daria um ótimo réu primário.



Saskwatch - Your Love



Saskwatch - Your Love


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Laudo



The Cactus Channel - Emanuel Ciccolini

Meu filho levou um tombo nesta quarta-feira na escola. Caiu de costas de um tablado de madeira de pouco mais de metro de altura. Fui pegá-lo e fomos para casa enquanto ele me dava mais informações. Coisa à tôa, um acidente besta durante o recreio ao tentar se livrar de um outro menino numa brincadeira. Não reparei em nenhuma marca, fez uma série de movimentos sem se queixar, não estava sensível ao toque, respirou normalmente, e as costas estavam sem inchaços e hematomas. Como ele ainda se queixava de dores liguei para a minha mulher para pegar o número do cartão do plano de saúde. Fomos para o atendimento de emergência de um hospital privado na Asa Norte, o mais próximo de casa. Peguei a senha para o atendimento na emergência às onze horas da manhã. Na máquina um papelzinho colado com durex informava que o hospital não tem pediatra e uma outra especialidade, que não me lembro qual era.

Esperamos duas horas e quinze minutos para sermos atendidos. Eu levei o meu caderno de desenhos. Meu filho levou seu mais recente compêndio sobre os animais mais ferozes do planeta. Esperamos com paciência.

O médico que nos atendeu tinha um ar envelhecido e chateado. Não deu aquele célebre sorriso de simpatia para estabelecer uma relação de confiança. Ficou sério e durão o tempo todo, enquanto inquiria o meu filho. Fez as mesmas perguntas que eu havia feito e foi bem profissional na movimentação e cutucação das costas do menino.

_Está tudo bem - ele disse.

_Tem certeza? Ele continua se queixando de dores. Não é melhor fazer um raio-x? - eu disse.

_Sim, talvez seja melhor. Mas eu só aceito raio-x com laudo - disse o Dr. G.

Saímos do consultório com uma papeleta de protocolo direto para a radiologia. Fui até o balcão da recepção da radiologia, onde havia uma nova maquininha de emitir senha. Havia um papel colado com durex nessa máquina também, mas ele se descolou e flutuou pelo chão da sala, não consegui ler o que estava escrito. A sala estava com bastante gente, mas ninguém parecia ansioso. Todo mundo olhava para a tela de uma tv, acompanhando as notícias. Pessoas falavam um monte de mentiras na tela. Eram 13 horas e vinte minutos. Dez minutos depois nós estávamos na sala de raio-x. Meu filho reclamou do frio da sala quando tirou a camisa, mas percebi que estava se divertindo com a máquina. Era uma máquina velha com vários pontos escuros que parecia ferrugem. Em alguns locais, a máquina parecia ter descascado. Estendi o protocolo do pedido de raio-x.

_Ele quer com laudo?!

_Sim, é o que o Dr. G escreveu aí - eu disse.

_Mas sem laudo demora apenas cinco minutos, ele vê o resultado na tela do computador - disse o médico radiologista, o Dr. V.

_Ele disse que só me receberia de volta se eu estivesse com o laudo assinado- eu disse.

_Mas que sujeitinho! Olha, o laudo só vai ficar pronto lá pelas duas e meia, três da tarde- disse o Dr. C. Ele me devolveu o protocolo. Parecia legal, o Dr. C. Mas estava com as unhas sujas e tinha acabado de me dizer que um serviço de cinco minutos ia demorar duas horas para ser feito. Pura pirraça.

Fomos almoçar perto do hospital. Eu comi um sanduíche. Meu filho pediu um sanduíche no prato. Enquanto esperávamos, eu ficava remoendo vinganças indizíveis. O atendimento de saúde do Brasil inteiro sempre foi uma porcaria. Entra governo e sai governo, continua uma porcaria. Sim, existem bons médicos, mas nem sempre estamos com sorte para sermos atendidos por um deles. A regra geral é que o atendimento é uma bosta. O plano de saúde é uma bosta. Os hospitais são ruins, sujos, escuros e mal conservados. Os shoppings centers são muito mais limpos, iluminados e bem conservados que qualquer hospital que eu já tenha ido. Os bancos também. Ora, até as concessionárias de automóveis ganham disparado dos hospitais públicos e privados. Voltamos às duas da tarde para a radiologia.

_Preciso pegar senha? - eu perguntei para a moça no balcão.

_Se for resultado, não precisa- ela disse.

Estendi o protocolo para a mulher.

_Esse Dr. G! Ele quer com laudo?!

_Sim. Está pronto?

_Ainda não. Vou pedir para apressarem o seu, tem muita gente na fila, mas vou pedir prioridade para você. Aguarde só um minutinho.

Me poupe dessa conversa mole e do tom de quem estaria me prestando um favor, eu pensei. Está tudo do mesmo jeito lá na porcaria da radiologia. Os caras pararam para o almoço e vou ter que esperar uma ou duas horas. E a balconista babaca ainda me dirá que me deu prioridade. Oh! Lord!

_Olha, passei o caso do senhor na frente. Adiantei. Agora é só esperar - ela disse, na volta.

_Muito, mas muito obrigado - eu disse.

Meu filho assistiu TV por duas horas e meia. Eu fiquei desenhando. Fui três vezes ao balcão saber como estava a prioridade. Quando o relógio marcou quatro horas, fui até o balcão e comecei a fazer perguntas para a balconista babaca. Ele se esquivou e foi para dentro. Então comecei a fazer as mesmas perguntas para a outra atendente.

_Sempre demora tanto? Caramba! Três horas para uma chapa de raio-x? Vocês estão nesse ramo há muito tempo? Devem estar, a máquina está descascada e tem vários pontos de ferrugem, não é? No hospital público, demora. No hospital privado demoooraaa. A senhora tem filhos? Quando ele fica doente a senhora leva no hospital público ou no privado? Em qual demora mais? Sabe qual é a diferença? No público, a gente sabe que vai demorar, não é? Pode mudar de canal de TV? Detesto esse programa. Não tem controle remoto? Pode chamar alguém para mudar o canal? Ainda vai demorar muito? Puxa vida, estamos esperando o resultado desde uma e meia. Vem cá, se eu tenho prioridade, você ouviu sua colega?, e vocês me deixam duas horas e meia esperando, se eu não tenho prioridade o melhor é arrumar logo um colchão, não é?

A balconista prioritária chegou depois de mais dois minutos de conversa com o envelope cheio de radiografias. Dentro, o laudo dizia bem claramente que tudo estava normal. Voltamos ao consultório do Dr.G, mas ele tinha ido embora. Esperamos mais dez minutos em frente ao consultório do Dr. F. Ele disse que está tudo normal a não ser por uma escoliose em desenvolvimento. Recomendou repouso dos esportes por quatro dias e receitou um analgésico. Chegamos em casa às cinco e vinte da tarde.

Meu filho está bem.






terça-feira, 21 de agosto de 2012

A outra Caixa de Pandora


Poucos economistas brasileiros no Brasil falam alguma coisa parecida com a verdade.

A maioria é simplesmente desonesta.

Alguns disfarçam a ignorância com o abuso do jargão.

Outros são sabidíssimos e abusam do jargão para engambelar os ignorantes.

Rodrigo Constantino, sem meias palavras, faz aqui um alerta para o problema da alavancagem de crédito nos bancos públicos.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fotos e divagações



Funkadelic - Can You Get To That

Esqueço as coisas. Tudo. Já não se trata apenas dos nomes das pessoas ou de alguns fatos. Esqueço anos inteiros. Pessoas, objetos, rotinas, piadas. Esqueço coisas para as quais não dava a menor pelota e também as que considerava importantes. Guardo um monte de caixas arquivo nos armários. Estão organizadas por ano. Coloco as contas, os papéis de impostos, certidões, títulos, as tralhas que vamos acumulando. Lacro com fita crepe. Tenho mais de quinze caixas arquivo nesses armários. Poderia arranjar um ótimo espaço se jogasse fora algumas caixas, mas já soube de gente encrencada porque não conseguiu apresentar um comprovante certo na hora certa. Eu guardo tudo, está em algum lugar na caixa arquivo. Só perco a memória.

Tenho centenas de fotos da família no PC. Às vezes passo horas olhando esses álbuns, tentando me lembrar como foi o dia em que tiramos as fotografias. Às vezes é complicado, porque muitas fotos estavam espalhadas em CDs e DVDs, ou em outros computadores e quase nunca usamos o recurso de datar as fotos. O que acontece então é que existem fotos de 2003, como o nascimento do meu filho, que estão no computador como arquivos novos, deste ano. Tudo porque só encontrei o CD com as fotos do nascimento há pouco tempo, dentro de uma das caixas arquivo que abri por acaso. Seja como for, não me lembro da maioria dos dias das fotos.

Uma vez uma amiga resolveu colocar fotos debaixo de uma mesa de vidro. Eu estava em algumas fotos e fiquei surpreso por me ver. Mal me reconheci. Algumas ocasiões haviam simplesmente sumido da minha memória e outras mal e mal conseguiam ser resgatadas, mesmo com a ajuda da foto.

Meu problema é que basta pegar uma foto para me perder em devaneios e pensamentos disparatados. Em Blade Runner, o detetive Harrison Ford acha estranho que os clones estejam guardando fotografias. Alguém já fez uma viagem sem tirar nenhuma foto? Outro dia fui ao supermercado e percebi, pela primeira vez, uma fila enorme de máquinas para revelar fotos da Kodak. É só inserir o chip ou o celular e revelar a foto. Vinte fotos custam apenas alguns reais.

Além de esquecer as coisas, divago sobre tudo.








sábado, 18 de agosto de 2012

O Careca faz a feira




LITTLE MILTON - THAT'S WHAT LOVE WILL MAKE YOU DO



Ir ao CEASA na manhã de sábado é um dos melhores programas do final-de-semana. O lugar não vê uma limpeza geral e pintura há anos, mas lá é possível comprar frutas, legumes e verduras impecáveis e por bom um bom preço. Em geral, chego tarde. Hoje consegui chegar às nove e meia, o que não pode ser considerado muito tarde, embora seja tarde demais para algumas pessoas. Tenho um primo que vai sempre às sete horas. Meu sogro vai à feira do Guará, que também tem a sua tradição, no mesmo horário. Eu solto foguetes quando chego antes das dez. Por causa disso, meu primo diz que eu não faço feira, faço xepa.

Nesta época do ano é possível encontrar jabuticabas e goiabas enormes. Encontrei bananas perfeitas numa banca, todas no ponto e com as cascas sem nenhuma mancha. Com tudo tão absolutamente maravilhoso, meu sentido de alerta disparou e acabei falando besteira.

_Dona, será que essa banana não está empedrada? – eu disse para a vendedora.

_Não, só banana prata é que pedra. Essa aqui é nanica - disse a vendedora.

Acabei comprando bananas demais. Também comprei mexericas, laranjas, pêras, ameixas, maçãs, tomates, pepinos, abóbora, pimentões verdes e vermelhos, cenouras, vagens, meio repolho, cenouras e cebolas. Também encontrei pistache salgada, comprei um saquinho pequeno. Ia comprar castanhas de caju cruas mas desisti. Na saída vi uma bela orquídea na banca que eu e minha mulher sempre visitamos. Levei um vaso de orquídeas, das pequenas.

Cheguei de volta à casa por volta das onze horas da manhã.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Eu gosto de papel



The Cult - She Sells Sanctuary

Para escrever, é preciso ler antes. Sim, é uma frase muito boa e tem tudo a ver. Não é minha. É do Tibor Fischer, está na página 169 do livro de contos "Adoro Morrer". Estou relendo. Tenho alguns livros ainda não abertos na minha estante, mas às vezes prefiro reler um livro a abrir uma coisa nova. Na semana passada, por exemplo, fugi do regime de contenção de despesas alerta vermelho nível cinco e comprei uma coletânea de crônicas do Paulo Francis. Descobri que estava com preguiça de ler Paulo Francis assim que cheguei em casa e abri o livro. Fui guardar o inélito(inventei agora, significa não lido, que tal? se acharem bem pedante mando para um ministro do supremo) e acabei encontrando o Tibor Fischer.

"Adoro Morrer" ou "I like being killed" é de 2000, foi traduzido por Roberto Grey e publicado pela Rocco em 2004. São sete histórias, nessa ordem: Comemos o chef; Retrato do artista quando famoso mercador da morte; Cinquenta inutilidades; Então dizem que você está bêbado; Gelo esta noite no coração de jovens visitantes; O devorador de livros; e Adoro Morrer. O título em português é péssimo, parece sugerir que o livro é uma espécie de apologia ao suicídio e não é nada disso. O conto fala de uma mulher comediante que faz de tudo para não perder a piada.

Sempre recomeço a ler pela penúltima história, sobre um maluco que vive se deixando trancar em livrarias para ler em paz. Jamais teria coragem de fazer uma coisa parecida, diga-se de passagem. Depois eu geralmente vou para a última historinha e aí volto e começo da primeira.

Já fui um bom devorador de livros, hoje não leio tanto mas leio de tudo. Já tive preferências, já disse dessa água não beberei, já fui um colecionador. Mudei um pouco. Mas, definitivamente, eu gosto de papel.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Ping pong



The Dandy Warhols - Plan A

Meu pai e eu jogamos ping pong durante muitos anos. Começamos a jogar na cozinha do apartamento. Eu tinha uns nove ou dez anos. Era uma cozinha pequena, mal havia espaço para a mesa improvisada. Jogávamos sobre a mesa de fórmica em que fazíamos as refeições. A mesa tinha os cantos arredondados, mas jogávamos mesmo assim. Quem jogasse do lado em que havia uma geladeira tinha um espaço menor ainda, por isso era muito importante acontecer uma troca de lado durante as disputas. Eram partidas de 21 pontos, com vantagem e melhor de três no caso de empate no vigésimo ponto. Caso houvesse novo empate, haveria nova rodada de três pontos. Por causa disso, às vezes uma única partida demorava meia hora ou até mais. Isso era problemático porque sempre havia alguém esperando a próxima. Em geral, era o meu irmão mais velho. Jogamos durante anos naquela mesinha. Um dia fizemos uma pequena revolução e convencemos minha mãe a nos deixar usar a mesa da sala. Era bem maior a mesa da sala, era de vidro quase do tamanho oficial e com os cantos bem menos arrendondados. Também tínhamos mais espaço para mover as pernas. Na cozinha, o melhor era jogar com os pés bem plantados no chão, só era preciso ter jogo de cintura. Na sala, era possível dar até dois passos para o lado e um passo para trás. O problema é que minha mãe tinha muito ciúme da mesa e então só jogávamos na sala em ocasiões especiais. Um dia ficou simplesmente impossível jogar ping pong na cozinha. E logo em seguida, a sala também ficou pequena. Depois já não tínhamos mais tempo.

Uma das coisas mais legais de jogar ping pong é que você pode falar o tempo todo. Não é tênis de mesa. É ping pong. Meu pai também inventava algumas regras.

_Choro vale dois - ele dizia.

_O saque reverte quando queima.

_Não pode prender a bola para dar o saque.

_Vale saque-cortada.

_Casquinha conta ponto em dobro.

Às vezes a regra era criada na hora, para por um fim a uma partida interminável.

_Opa, colocou a mão na mesa, perde um ponto - ele dizia.

_Sacar do mesmo lado não vale.

_Cortada de bola de efeito conta quatro.

Eu me empolgava com aquilo. Era divertido.

Meu irmão também achava um barato. E um dia ele inventou um saque que acreditava infalível.

_É o saque meia-volta!

O saque era meio estranho. Ele batia a bota na diagonal, mas com efeito. Pareciam bolas fáceis, mas bastava tocar na raquete para que a bola fizesse um movimento muito estranho.






quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O futuro é doloroso



Dandy Warhols - "Bohemian Like You"


Minha mãe me disse que agora a vacina contra a pólio é injetada.

_Sério? A vacina da gotinha agora é uma injeção?!

_Posso estar enganada, ouvi a notícia sem muita atenção - disse a minha mãe.

_Caramba! Não pode ser! Aquela vacina do Sabin não doía, era perfeita. As crianças se livravam de uma doença terrível sem medo, com a maior alegria. Era só uma gotinha - eu disse.

_Pois é, pelo que eu ouvi parece que a injetada é mais eficaz.

_Mas a outra praticamente erradicou a poliomielite no país.

_A notícia dizia que essa agora é melhor.

_Mas dói.






terça-feira, 14 de agosto de 2012

Cadeira



Arctic Monkeys - Love Is A Laserquest

Comecei uma nova organização da oficina. Será mesmo preciso optar por uma mesa, estou achando tudo meio entulhado. Esvaziei duas estantes que estavam repletas de pedaços de madeira. Levei muita coisa para a churrasqueira, vão virar carvão. Depois fiz uma limpeza da área.

Optei por deixar as ferramentas mais leves e baratas expostas nas prateleiras. Todo o resto guardei em caixas plásticas, trancadas nos três armários.

Levei a cadeira de dentista prático para a oficina. É uma lembrança do meu padrinho, essa cadeira. Tem um banco de girar, que regula a altura. Durante anos a usei junto à minha grande mesa de desenho, mas desde que as crianças nasceram, por necessidade de espaço, separei as duas coisas. No velho apê eu deixava a mesa de desenho na sala da garagem, a cadeira ficava na varanda. Desde que mudamos para uma casa mantenho a mesa pronta para uso, mas nunca usei. Deixava a cadeira giratória no escritório. Agora juntei as duas novamente na oficina.

Parece que agora é moda falar em "vergonha alheia", encontro a expressão a toda hora. Meus filhos estão juntando dinheiro para comprar um IPAD.
Rafa está enjoado para comer.
Amanhã preciso limpar o jardim, hoje não deu tempo.
Beta, a peixa que escapou do frio, continua viva e forte.
Rose, a babá-cozinheira-governanta-universitária perdeu o prazo de inscrição e a bolsa, só voltará a estudar no próximo ano.
As crianças estão lutando judô em outra academia, com um novo professor.
Estou com o sono muito atrasado.
Já faz algum tempo escuto um som estranho na parte de cima da casa. Tenho medo de ser algum problema com o encanamento, mas estou observando o hidrômetro com cuidado, não há perda de água.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Para ninguém



Paul McCartney - "For No One"

Às vezes não consigo escrever. Não é muito frequente, mas acontece. E ultimamente tem acontecido bastante. Todos os assuntos desaparecem. Tudo fica desimportante, não há nada que desperte a vontade de comentar. Fico indolente.

Nessas horas também não tenho vontade de ler, mas gosto de escutar música e de desenhar. Outro dia passei umas quatro horas desenhando a lápis, coisa que eu havia parado de fazer há tempos. Passei meses e meses só com as canetas gel, direto para o caderno, treinando a linha limpa. Agora voltei a usar os lápis. Passo muito tempo fazendo sombras em grafite, devagar, com paciência, e depois vou reforçando e procurando os contornos das figuras. Desenho bandejas de frutas. Flores. Também uso fotos e brinquedos como modelos. Tenho preguiça de escanear os desenhos, meu blog de ilustrações não é atualizado há um ano.

Escuto músicas no Youtube. Muito raramente coloco um cd antigo para escutar. Outro dia tive vontade de comprar um cd, mas depois pensei melhor. Ainda não defini os projetos de agosto, o mês começou com problemas e despesas altas com a manutenção do automóvel. Mas tenho a foto de uma estante ao lado do computador. Em breve devo começar a fazer uma parecida para o escritório. No quintal, combinei com a minha mulher de transformar o canil num canteiro alto. Estou adiando a transformação porque não gosto de quebrar coisas. Também combinamos de pintar a parte externa e para isso não tenho desculpa por não ter começado.

Fiquei o dia inteiro em casa, só saí para transportar as crianças. De vez em quando penso no fato de que na minha casa é o contrário, eu é que sou do lar. Na maioria das residências, os homens e mulheres saem cedo para o trabalho. Aqui, eu saio cedo mas volto logo que deixo as crianças na escola. Penso em "O Mundo de Acordo com Garp". Vou para o quintal, há sempre o que fazer no jardim. Quando não há nada, é sempre possível varrer um canto, mudar uma planta de lugar. Penso em "Malandragem", com a Cássia Eller.

Minha mulher trouxe umas ameixas sensacionais do Ceasa. O gramado do quintal já começa a sentir a seca, está bem amarelado. Tenho me sentido sem graça. Houve um tempo em que eu achava que poderia ser engraçado. Hoje tenho medo de parecer ridículo, mas é tarde demais, cheguei até aqui, não vou parar agora.

domingo, 12 de agosto de 2012

Pais

Na escola o menino estava entre os dois pais, o adotivo e o biológico. Eu e a minha grande boca cumprimento aos dois pelos dia dos pais. Eles são bem efusivos, parece que eu acabei de interromper alguma coisa. Eu tinha acabado de ganhar presentes feitos a mão pelos meus próprios filhos, todos os pais ganharam. A escola estava uma grande e alegre confusão, com todo mundo se cumprimentando e felicitando. Então eu e a minha grande boca me viro para o menino e digo que ele, no dia dos pais, é quem mais teve trabalho, pois teve que fazer presentes para dois pais. Os pais fecharam a cara. O pai biológico falou alguma coisa entredentes. O pai adotivo disse alguma coisa para o pai biológico e saiu depressa, me dando um abraço e fazendo mil recomendações para a minha mulher.

Os dois são bons pais, alguns dos melhores que eu conheço. O menino ficou me olhando com os olhos arregalados, um pouco assustado. Na hora foi tudo muito rápido, virei para cumprimentar outra pessoa e os dois sumiram.

Só mais tarde, quando me lembrei da cena bem devagar, desacelerando a memória, fazendo a cabeça pensar em slow motion, foi que eu percebi o que o pai biológico tinha falado.

_Pai, só tem um! - disse o pai biológico.

_Também sou pai dele! - disse o pai adotivo.







quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Bob Jefferson


Meu jardineiro está indignado.

_Não há limites para a mentirada dos defensores dos mensaleiros - disse o meu jardineiro.

Eu acredito nele, o jardineiro. É um sujeito experiente. Cuida de jardins há mais de 30 anos. Ele sabe das coisas. Já salvou muita planta do quintal.

_Você ouviu aquela balela do Pizzalato? O advogado do cara disse que ele recebeu um envelope para entregar a um mequetrefe do partido. O sujeito falou que não abriu o envelope e que não sabia que ali dentro havia 336 mil reais.

_Devia ser um envelopão para caber tanta grana, né? - eu disse.

_São 67 pacotes de notas de cem. Colocando os pacotes lado a lado, daria mais de três metros de dinheiro. Acho que ele iria precisar de um sacolão dos grandes.

_Não sabia que você acompanhava o julgamento - eu disse.

_Acompanho, acompanho. Estou até pensando em ir até o tribunal, na semana que vem.

_Ué, pra fazer o quê?

_Esperar o Bob Jefferson.

_Será que ele vai aparecer?

_É lógico que vai. Ele não só vai aparecer, como vai discursar e fazer a própria defesa.

_Mas como é que você sabe? - eu disse.

_Ele esperou sete anos por isso. Aposto como ainda vai mandar alguém sair da cadeira. Sai daí, Tofolí. O Bob é uma figura.

Meu jardineiro sabe das coisas. Salvou duas orquídeas que eu julgava irrecuperáveis. Mas acho que desta vez está enganado.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sonhando acordado



Amy Winehouse- "Stronger Than Me"


Mensalão: veja as penas previstas.


Já faz algum tempo que não sonho dormindo. Durmo entre cinco e seis horas por noite, mas não tenho sonho algum. Ou não me lembro de nada, não tenho certeza. No final das contas, é como se não tivesse sonhos.

Durante o dia, tenho dificuldade em ficar parado, não relaxo. Fico sempre com a sensação de que estou perdendo tempo. Faço várias coisas ao mesmo tempo. Estou fazendo um pequeno baú, duas bandejas, um banco, um aparador e uma mesa. Espalho ferramentas e materiais ao meu redor e vou pingando de projeto em projeto. Eu mesmo sou a minha própria linha de montagem. Consigo encaminhar as coisas. termino as bandejas e começo a fazer varinhas Harry Potter para as crianças. Numa das idas e vindas com as crianças vejo um conteiner no início da minha rua com um monte de sarrafos de madeira.

No fim da tarde limpo a oficina, arrumo e limpo as ferramentas, uso o aspirador de pó ao contrário para soprar as folhas da pérgula, serragem e poeira. Depois recolho todo o lixo. Tenho sempre a idéia recorrente de aprender a fazer compostagem e também de criar minhocas. Isso sempre me traz à lembrança um amigo que é contador. Um dos seus primeiros clientes foi um pioneiro da criação de minhocas. Lembro desse meu amigo me falar que o tal minhoqueiro vendia uma espécie de kit para a criação de minhocas. Deve viver disso até hoje.

Nessa hora começo a sonhar acordado. Certo, não é bem um sonho, parece mais uma mistura de digressão com desejo. Lembro dos sarrafos no conteiner do vizinho. Faço um longo plano mental de ir até o conteiner assobiando, bem disfarçado. Depois eu pego os sarrafos e corro ladeira abaixo até a minha casa. É lógico que a vizinha bisbilhoteira vai me ver, eu penso. Ou pior. Eu pego um sarrafo e o dono do conteiner começa a gritar para que eu não mexa no seu lixo. Caramba, virei um saqueador de restos de construção, eu penso. Por fim, desisto de planejar a ida ao conteiner.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Eram todos mequetrefes



Dukes of WIndsor - It's A War

Os advogados milionários dos mensaleiros não estão conseguindo dar nó em pingo d´água. As defesas apresentadas são mequetrefes como alguns clientes. Tiveram sete anos para preparar os discursos, mas alguns nem conseguiram usar todo o tempo permitido para a leitura dos alfarrábios.

Enquanto isso, Demóstenes canta "Let me try again" para os colegas advogados em restaurante, carta da Human Rights Watch alerta que a entrada da Venezuela no Mercosul é uma violação a protocolo internacional, a Petrobrás registra um prejuízo bilionário, os policiais começaram hoje e os professores das universidades completaram 80 dias em greve, a mulher do bicheiro se cala na CPI, Caetano faz 70 anos, as seleções de futebol masculino e de vôlei feminino avançam nas olimpíadas...

Eu não leio tanta notícia assim. Mas fica na minha cabeça as frases dos advogados desqualificando os próprios clientes, chamando-os de mequetrefes, de pessoas sem importância e, portanto, de esparros que só cumpriam ordens. Eram todos uns manés sem-vergonha, só porque foram mandados. Sacaram milhões de reais em espécie(causa-me espécie!)e distribuíram para a base alugada.

É tão impressionante. Os advogados desqualificam os próprios clientes e os viram e reviram do avesso. O manda-chuva não manda. O negociador não sabe fazer conta, na sua aritmética política(é especialista) qualquer conchavo serve para a vitória. O tesoureiro só cuida de dinheiro que não se contabiliza. O publicitário não faz publicidade do que faz nem para o próprio sócio que, por sua vez, acha que o amigo careca tem uma árvore de dinheiro.

A coisa é surreal. O publicitário é quem empresta dinheiro para o tesoureiro. O negociador concorda mas assina sem ler. O manda-chuva diz que essa não passou por ele. O sócio do publicitário não sabe de nada. A agência era um sucesso. Fizeram tanta propaganda, mas tanta propaganda, que ninguém nunca viu e não se lembra de nenhuma. E, por fim, é o publicitário que tira do próprio bolso para dar ao tesoureiro. Mas para isso, o pobre publicitário é quem contrai empréstimos em bancos. Todo o dinheiro, é lógico, deveria ser gasto com o maior controle e rigor, mas não é nada disso que acontece. Milhões foram sacados aos maços e malotes na boca do caixa. Bastava um bilhetinho, um telefonema ou um e-mail de um mequetrefe com o nome da pessoa que iria pegar a bufunfa na agência, principalmente na agência em Brasília.

Nesta terça-feira, os mequetrefes que usavam até carros-forte para distribuir maços de propina aos homens e mulheres de colarinho branco foram ainda mais achincalhados. Mas é de mentirinha. Depois eles recebem e-mails dos clientes satisfeitos, esquecidos das afrontas dos defensores.

É preciso punição severa para os mequetrefes e muito severa para seus chefes. Só assim haverá justiça.




segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Inocentes



Erik Truffaz - Let Me Go

Todos os advogados dos mensaleiros me pareceram mais que suspeitos. Acho que os ministros do supremo deveriam condená-los por perjúrio e colocá-los na cadeia, junto com os clientes.

O primeiro advogado jurou que seu cliente era ocupado demais para ser chefe de quadrilha. Não ouvi menção sobre a mania do cliente em se encontrar com publicitários carecas onde trabalhava. Naturalmente deve ter recebido dezenas de outros publicitários no mesmo local. E apesar das dezenas de depoimentos de gente jurando de pé junto que o tal cliente é que decidia tudo, que sem ele nada se fazia, o advogado disse que era mentira de todo mundo. Seu cliente não era o manda-chuva.

Outro advogado chegou a dizer que seu cliente era desajeitadíssimo com as contas e os números e por isso não poderia jamais ter qualquer coisa com dinheiro não-contabilizado de campanha. Em compensação, o tal cliente era um "expert" em negociação e acordos políticos e assinava qualquer coisa que lhe punham na frente. Isso talvez explique porque o partido não cumpre acordos e a conta dos caras não fecha.

O bacharel seguinte jurou que seu cliente era um concentrado guarda-cofres e que só meteu a mão em caixa de recurso não-contabilizado porque estava no maior sufoco, senão continuaria a ser professor de matemática.

O advogado seguinte defendeu muito o cliente careca. Disse que o carequinha teve que usar dinheiro do próprio bolso para pagar despesas de campanha, coitado.

O último advogado disse que seu cliente nunca soube direito o que o seu sócio careca vivia fazendo.

domingo, 5 de agosto de 2012

Batima



Malia - Solitude

Neste almoço de aniversário em que fomos no sábado, vi um desenho que o Cabeça fez quando tinha uns 5 anos. Era o Batman. O Cabeça desenhou a máscara, uma boca mostrando dentes, o morcego no peito, as luvas com as mãos armadas em soco. O desenho a lápis mostrava ainda os pés calçados em botas que se cruzavam igual àquele passo bêbado do Jânio Quadros na foto famosa. Com capricho, ele também desenhou a capa com pontas terminando em pontas agudas. Para que não houvesse nenhuma dúvida sobre a identidade daquele herói, o Cabeça escreveu BATIMA na parte de cima da folha, quase igual ao título da capa da revista em quadrinhos em que certamente se inspirou.

O desenho foi entregue pela irmã do Cabeça, que o resgatou de algum fundo de gaveta em Recife. Junto com o BATIMA havia mais alguns desenhos em folhas pautadas de cadernetas e também de cadernos. Eram só umas três ou quatro folhas meio amareladas e um pouco ressecadas. Estavam dentro de uma pasta elástica também antiga, meio deformada pelo tempo. Em outra folha, o Cabeça também desenhou uma enorme cabeça do BATIMA com os dentes bem exagerados e pontudos, como se o herói estivesse dando um enorme sorriso sarcástico para assustar os bandidos e malfeitores. Podia ser também que o BATIMA tivesse se transformado num vampiro para punir os ladrões e vigaristas, não dava para saber.

Os desenhos não estavam assinados e não havia nenhum nome identificando as folhas. Mas na época, de acordo com a irmã, só o Cabeça era alfabetizado e poderia ter escrito alguma coisa nas folhas.

Minha mãe guardou durante anos seus desenhos de escola. Um dia, numa mudança, ela juntou os cadernos, alguns deles bem embolorados, para jogar fora. Deixou no lugar da lixeira do prédio. Na época, os prédios tinham tubos nos andares para despejar o lixo dos apartamentos. Os sacos de lixo despencavam por ali e estouravam lá embaixo, na área da lixeira das garagens. O sistema era ruim, atraía uma profusão de insetos e roedores, as lixeiras eram horrorosas e fétidas, e por isso os tubos de lixo acabaram lacrados. Foi a minha sorte, porque se os tubos ainda funcionassem, os cadernos teriam sido atirados por ali. Ou talvez não, sempre deixamos os jornais e revistas empilhados para e amarrados para os catadores de papel.

O que importa é que vi os cadernos no lixo e recolhi todos os que vi. Hoje muitos daqueles desenhos estão emoldurados e enfeitam as paredes da casa dos meus pais. Gosto de todos eles. Sempre acho comovente ver desenhos feitos por crianças. Guardo dezenas das garatujas e rabiscos feitos pelos meus filhos numa pasta. Sempre peço que coloquem a data e o nome. Um dia vamos olhar juntos aquelas folhas e tentar lembrar desses tempos de agora. Às vezes tenho a impressão que o máximo que podemos fazer é cultivar bons momentos para colher algumas poucas lembranças.


À noite, eu e minha mulher fomos assistir ao novo filme do Batman.

sábado, 4 de agosto de 2012

Quero que as coisas ruins acabem



Another One Bites the Dust" by Queen


Eu torço para que o mal perca. Eu faço figa para que as coisas ruins se acabem. Eu rezo para que o bem prevaleça. Eu quero muito que os malfeitores sejam punidos e privados da liberdade. Se for preciso, eu faço novena. Se for preciso, eu subirei escadarias de joelhos. Se for preciso, rezarei milhares de ave-marias e pai-nossos. Mas acho, talvez seja pretensão minha, que eu e todo o povo já fizemos muita contrição, estamos cansados de ser esfolados e enganados.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Só mais 15 minutos e o fôlego fisiológico



Nu-Jazz: Quantic Transatlantic
Encontrei na internet o link para o relatório completo das alegações finais do procurador geral. É um texto estarrecedor porque escancara de forma bem objetiva como foi operacionalizado o mensalão. Não tem nada de complicado. Por isso mesmo foi publicado no Site da Turminha do Ministério Público Federal dedicado ao público infanto-juvenil. O documento esmiúça, por exemplo, como as agências de um banco eram utilizadas para o saque de dinheiro em espécie e pagamento de propina. Também mostra como o sistema de controle interno do mesmo banco deixou de lado todos os procedimentos honestos e caiu de boca na vigarice mais desavergonhada de que se tem notícia.

Mas acabei não assistindo toda a leitura da peça acusatória do procurador geral. Vi só alguns trechos.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Causou-me espécie!



AC/DC - Highway To Hell


Começou mal. O nosso superior tribunal, assim como a nossa justiça, tem o vício do barroco empolado, do palavrório castiço, do juridiquês nauseabundo. E assim como nossos parlamentares, nossos juízes também adoram uma manobra regimental de última hora para adiar qualquer coisa. Por isso não me espantei quando dois ministros disseram um ao outro, bem olhos nos olhos, que o que um dizia causava espécie ao outro. Nessa hora, liguei o meu tradutor de empolês: um disse pro outro que sentia repulsa e vontade de vomitar com o que o outro falava. Eu também.

Foi preciso que o presidente do tribunal acalmasse os meninos alterados, enquanto seus coleguinhas faziam cara de paisagem e limpassem as unhas. O mal-estar entre eles foi provocado por uma questão de ordem levantada em função do pedido de desmembramento feito pelo ex-ministro que cobra 15 milhões para advogar para bicheiros. Não se sabe quanto cobra de mensaleiros, acho que é mais. De imediato, foi amparado por um longo voto lido pelo outro ministro, o decantado Levanduísque, aquele que chegou lá por causa da mulher do vizinho. Achei lindo. O advogado pede uma coisa e um dos juízes já saca do bolso um imenso calhamaço pronto para apoiar o pedido. Caramba, que juiz mais prestativo, sô! Se continuar se esforçando chegará a estafeta do advogado de defesa, é uma beleza.

Aí eu lembrei de um artigo que diz que o Levanduísque fez das tripas coração e demorou oito meses para escrever um parecer de revisor sobre um relatório de 122 páginas. Por causa disso, pessoas vulgares o chamaram de Enrolanduísque, de Embromanduísque e até de Levianuísque. Parece que só para desmentir esses detratores, Levadinho foi capaz de se antecipar e escrever umas 50 páginas sobre uma questão de ordem antes mesmo dela ter sido levantada no julgamento. O homem é um prestidigitador! Ou só sabe escrever ditado, pois foi o único a ler conteúdo. Foi soprado, disseram. Os outros falaram de improviso, cada qual na sua medida.

Como não poderia deixar de ser, pessoas baixas chamaram Levanduíski de ventríloquo de bravateiro. Esses críticos disseram que em sua arenga o ministro preferiu recitar o palavrório orquestrado e encomendado pelos inimigos do processo, incluindo aí referências partidárias.

Para superar a questão de ordem, Nossas Excelências falaram, falaram, falaram, falaram, e muito mais teriam falado se a mesma coisa já não tivesse sido dita em duas ocasiões, sobre o mesmo mensalão, nos últimos anos. Por nove votos a dois, mantiveram então a decisão de não desmembrar o processo. Nessa hora, confesso que até a minha data vênia já havia cochilado.

Mesmo entediado ao extremo, consegui perceber que aquele ministro que já deveria ter se declarado impedido também votou na questão, o que me dá a impressão de que participará do julgamento. Não é à toa que em alguns círculos esse bacharel está sendo chamado de ministro Tofu, porque ele não parece um queijo, não tem cheiro de queijo e não passou nem em concurso para juiz do trabalho. Duas vezes.

Fica para esta sexta-feira o aguardado falatório do procurador geral. Espero que tenha sucesso em sua peça acusatória. Seja como for, a melhor frase sobre o pré-mensalão já foi cunhada pelo procurador: só haverá justiça se todos forem condenados. Ele adiantou que não vai puxar a orelha do ministro Tofu e pedir o seu impedimento, até para não criar um fato que auxilie os chicaneiros a adiar o julgamento. Nesse particular, vale lembrar que vários ministros, o procurador e até a namorada do Tofu já pediram para ele pegar o boné lá no foro íntimo dele e dar o fora do julgamento, pô. Sai fuera, Tofu! Causa-me espécie!!
















quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Vidal e o sonho de voar



Chromeo - 'Hot Mess'

Gore Vidal está morto, mas alguns de seus livros estão nas minhas estantes e algumas de suas histórias ficaram gravadas na minha cabeça. A primeira coisa de que me lembrei ao saber de sua morte foi da sua paixão por voar. Lembrei, sobretudo, de um texto publicado numa antologia dos 30 anos do The New York Review of Books. Nesse texto, Gore Vidal conta como, aos quatro anos de idade, teve os tímpanos estourados durante o vôo inaugural do avião de passageiros realizado entre Nova York e Los Angeles com algumas personalidades célebres do final dos anos vinte nos EUA. Pilotando a máquina estavam Charles Lindberg, Amelia Earheart e o pai de Gore Vidal, Eugene.

Nesse texto, Gore comentava que seu pai era um empreendedor e visionário, um homem que queria que todo homem pudesse ter seu próprio avião para andar de lá para cá nos Estados Unidos da América. "O sonho de meu pai era por todo mundo no ar, como Henry Ford colocou todo mundo na estrada", ele dizia, mais ou menos assim, no meio do texto. Em outro momento, Vidal conta que no início dos anos 30 o governo americano decidiu lançar um projeto para a criação do avião de pobre. Por 700 dólares, o cidadão poderia comprar o seu próprio avião particular. Bom, é assim que eu lembro.

Eu corro para a estante para encontrar o livro, mas devo ter deixado essa antologia na minha outra estante, a da juventude, que ainda hoje deixo intacta na casa dos meus pais. Não importa. Lembro que era um texto longo e envolvente, em que ele contava parte da história do desaparecimento de Amélia Earheart e de como o sonho de um avião para cada americano foi se desfazendo aos poucos, depois de uma série de acidentes. Havia também algum tipo de insinuação sobre um romance entre Amelia Earheart e Gene Vidal.

Uma descrição de seu pai empurrando o presidente Roosevelt numa cadeira de rodas também me vem à cabeça, mas já não lembro mais porque isso acontecia. Lembro apenas que Gene Vidal tinha sido nomeado bambambam da aviação comercial dos EUA e que Charles Lindberg de alguma maneira havia contribuído para a ruína dos sonhos de seu pai.

Foi por causa do texto de Vidal nessa antologia que um dia comecei a procurar seus livros. Em muitos deles encontrei a mesma paixão, um jeito de contar histórias e estórias que me fazia mergulhar de cabeça e permanecer submerso. Vidal é tão inteligente e sofisticado que o leitor também se sente inteligente e sofisticado ao ler seus livros. Uma grande perda.

Frase do dia