quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Laudo



The Cactus Channel - Emanuel Ciccolini

Meu filho levou um tombo nesta quarta-feira na escola. Caiu de costas de um tablado de madeira de pouco mais de metro de altura. Fui pegá-lo e fomos para casa enquanto ele me dava mais informações. Coisa à tôa, um acidente besta durante o recreio ao tentar se livrar de um outro menino numa brincadeira. Não reparei em nenhuma marca, fez uma série de movimentos sem se queixar, não estava sensível ao toque, respirou normalmente, e as costas estavam sem inchaços e hematomas. Como ele ainda se queixava de dores liguei para a minha mulher para pegar o número do cartão do plano de saúde. Fomos para o atendimento de emergência de um hospital privado na Asa Norte, o mais próximo de casa. Peguei a senha para o atendimento na emergência às onze horas da manhã. Na máquina um papelzinho colado com durex informava que o hospital não tem pediatra e uma outra especialidade, que não me lembro qual era.

Esperamos duas horas e quinze minutos para sermos atendidos. Eu levei o meu caderno de desenhos. Meu filho levou seu mais recente compêndio sobre os animais mais ferozes do planeta. Esperamos com paciência.

O médico que nos atendeu tinha um ar envelhecido e chateado. Não deu aquele célebre sorriso de simpatia para estabelecer uma relação de confiança. Ficou sério e durão o tempo todo, enquanto inquiria o meu filho. Fez as mesmas perguntas que eu havia feito e foi bem profissional na movimentação e cutucação das costas do menino.

_Está tudo bem - ele disse.

_Tem certeza? Ele continua se queixando de dores. Não é melhor fazer um raio-x? - eu disse.

_Sim, talvez seja melhor. Mas eu só aceito raio-x com laudo - disse o Dr. G.

Saímos do consultório com uma papeleta de protocolo direto para a radiologia. Fui até o balcão da recepção da radiologia, onde havia uma nova maquininha de emitir senha. Havia um papel colado com durex nessa máquina também, mas ele se descolou e flutuou pelo chão da sala, não consegui ler o que estava escrito. A sala estava com bastante gente, mas ninguém parecia ansioso. Todo mundo olhava para a tela de uma tv, acompanhando as notícias. Pessoas falavam um monte de mentiras na tela. Eram 13 horas e vinte minutos. Dez minutos depois nós estávamos na sala de raio-x. Meu filho reclamou do frio da sala quando tirou a camisa, mas percebi que estava se divertindo com a máquina. Era uma máquina velha com vários pontos escuros que parecia ferrugem. Em alguns locais, a máquina parecia ter descascado. Estendi o protocolo do pedido de raio-x.

_Ele quer com laudo?!

_Sim, é o que o Dr. G escreveu aí - eu disse.

_Mas sem laudo demora apenas cinco minutos, ele vê o resultado na tela do computador - disse o médico radiologista, o Dr. V.

_Ele disse que só me receberia de volta se eu estivesse com o laudo assinado- eu disse.

_Mas que sujeitinho! Olha, o laudo só vai ficar pronto lá pelas duas e meia, três da tarde- disse o Dr. C. Ele me devolveu o protocolo. Parecia legal, o Dr. C. Mas estava com as unhas sujas e tinha acabado de me dizer que um serviço de cinco minutos ia demorar duas horas para ser feito. Pura pirraça.

Fomos almoçar perto do hospital. Eu comi um sanduíche. Meu filho pediu um sanduíche no prato. Enquanto esperávamos, eu ficava remoendo vinganças indizíveis. O atendimento de saúde do Brasil inteiro sempre foi uma porcaria. Entra governo e sai governo, continua uma porcaria. Sim, existem bons médicos, mas nem sempre estamos com sorte para sermos atendidos por um deles. A regra geral é que o atendimento é uma bosta. O plano de saúde é uma bosta. Os hospitais são ruins, sujos, escuros e mal conservados. Os shoppings centers são muito mais limpos, iluminados e bem conservados que qualquer hospital que eu já tenha ido. Os bancos também. Ora, até as concessionárias de automóveis ganham disparado dos hospitais públicos e privados. Voltamos às duas da tarde para a radiologia.

_Preciso pegar senha? - eu perguntei para a moça no balcão.

_Se for resultado, não precisa- ela disse.

Estendi o protocolo para a mulher.

_Esse Dr. G! Ele quer com laudo?!

_Sim. Está pronto?

_Ainda não. Vou pedir para apressarem o seu, tem muita gente na fila, mas vou pedir prioridade para você. Aguarde só um minutinho.

Me poupe dessa conversa mole e do tom de quem estaria me prestando um favor, eu pensei. Está tudo do mesmo jeito lá na porcaria da radiologia. Os caras pararam para o almoço e vou ter que esperar uma ou duas horas. E a balconista babaca ainda me dirá que me deu prioridade. Oh! Lord!

_Olha, passei o caso do senhor na frente. Adiantei. Agora é só esperar - ela disse, na volta.

_Muito, mas muito obrigado - eu disse.

Meu filho assistiu TV por duas horas e meia. Eu fiquei desenhando. Fui três vezes ao balcão saber como estava a prioridade. Quando o relógio marcou quatro horas, fui até o balcão e comecei a fazer perguntas para a balconista babaca. Ele se esquivou e foi para dentro. Então comecei a fazer as mesmas perguntas para a outra atendente.

_Sempre demora tanto? Caramba! Três horas para uma chapa de raio-x? Vocês estão nesse ramo há muito tempo? Devem estar, a máquina está descascada e tem vários pontos de ferrugem, não é? No hospital público, demora. No hospital privado demoooraaa. A senhora tem filhos? Quando ele fica doente a senhora leva no hospital público ou no privado? Em qual demora mais? Sabe qual é a diferença? No público, a gente sabe que vai demorar, não é? Pode mudar de canal de TV? Detesto esse programa. Não tem controle remoto? Pode chamar alguém para mudar o canal? Ainda vai demorar muito? Puxa vida, estamos esperando o resultado desde uma e meia. Vem cá, se eu tenho prioridade, você ouviu sua colega?, e vocês me deixam duas horas e meia esperando, se eu não tenho prioridade o melhor é arrumar logo um colchão, não é?

A balconista prioritária chegou depois de mais dois minutos de conversa com o envelope cheio de radiografias. Dentro, o laudo dizia bem claramente que tudo estava normal. Voltamos ao consultório do Dr.G, mas ele tinha ido embora. Esperamos mais dez minutos em frente ao consultório do Dr. F. Ele disse que está tudo normal a não ser por uma escoliose em desenvolvimento. Recomendou repouso dos esportes por quatro dias e receitou um analgésico. Chegamos em casa às cinco e vinte da tarde.

Meu filho está bem.






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