terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sobre a campanha pela volta do hífen

Não é bem a volta do hífen. Seria mais correto falar da antiga regra de uso do hífen.

Sou um saudosista, confesso. Mas veja autorretrato. É assim que se escreve pela regra da reforma ortográfica. Eu prefiro mil vezes auto-retrato. Até o corretor automático de texto concorda comigo. Com autorretrato, ele fica vermelho de raiva. Eu também fico irritado com o novo auto-retrato. Parece fora de foco. Eu fico achando que é em 3D, sobra “r”.

Autossustentável é outra que me deixa mais vermelho que o corretor automático, quase roxo. O “s” extra que a nova regra obriga me deixa com a impressão de que um militante do movimento verde está se aproximando para me cuspir por causa de crimes ecológicos que eu nem cometi. É bem verdade que não sou nenhum santo. Mas os pecadilhos verdes que cometo não são tantos assim, eu juro que troquei as sacolas plásticos por caixas de papelão. O problema é que nunca tem caixa quando eu faço compras.

Autoanálise eu vivo fazendo, mas à moda antiga, amparado pelo hífen, ouvindo o conselho de poucos e bons amigos e amigas. Autocontrole nunca tive muito, por isso não importa a maneira como escrevo. Quanto a antirracista e antissocial , considero essas duas novas ortografias aberrações impostas pelo mau gosto de dicionaristas recalcados, que deveriam ser presos ou, no mínimo, obrigados a fugir pelos esgotos pluviais de obras do PAC em morros pacificados.

Minissaia também parece grande demais com o acordo ortográfico. Eu tiraria pelo menos um “s” para ficar de bom tamanho. Antivírus é outra. Dá vontade de espirrar todas as vezes que vejo escrita sem hífen. E por causa do espirro chegamos a ultrassom. A nova redação parece reforçar o poder sonoro, parece ecoar nos ouvidos não é ? Então. Só que ninguém nunca escutou o ultra-som. Rá. Rá. Ele é usado para formar imagens, lembra? Hein? Hein? Ultra-som, bebês, exames super-legais...ops.

Pela regra nova, hiper, inter e super só podem ser usados com hífen nas palavras que começam com h ou r. Acho um super-absurdo, um hiper-abuso que só pode ter partido de pessoas que deveriam estar er... in-ter-na-das, na falta de um inter melhor.

Outro que mudou com a nova regra é o velho e bom sub, que eu costumava usar a torto e a direito com qualquer substantivo ou infinitivo que eu quisesse hum, subverter. Agora só pode hífen depois de sub quando a segunda palavra começa com b, h ou r, como em sub-base de batráquios do sub-reino dos sub-humanos panacas que adoram mudar as regras por falta do que fazer. Além de ser uma regra prá lá de sub-besta, fica bem difícil inventar uma música para decoreba com essas iniciais sem ofender algum mineiro. Outra regra que complica a feitura de música é a que só deixa usar hífen com pan e circum com segundas palavras começadas com h, m, n ou as vogais a,e,i,o e u. Eu mesmo só sei disso porque fui esperto e mandei tatuar essas letras no meu pulso esquerdo, que eu sempre consulto quando estou em dúvida.

O uso obrigatório de hífen depois de qualquer vice, no entanto, me parece bastante aceitável. Posso conviver com ele. Só não sei se o Temer conseguirá. Rá.Rá.

Por último, não gosto do novo jeito de usar mini sem hífen, como em minirreforma. Não é preconceito. Só parece que não consertou nada. O r extra parece um tijolo colocado por pura preguiça por um pedreiro pirracento. Parece o sinal de uma infiltração perigosa, que fará a palavra inteira se desmoronar. Prefiro mini-reforma. Mini mesmo. E por ser tão pequena, bem que poderiam ter deixado isso de lado, né?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A vaidade dói

Ela é minha colega de trabalho. Na saída, em frente ao elevador, eu pergunto:

_Vai viajar?

_Não, por quê? - ela estranha.

_É por causa da mala de viagem à sua frente. Em geral, quando as pessoas estão com a mala de viagem, com alça telescópica e tudo, é porque pretendem viajar - eu disse.

_Ah, mas não é o caso. Estou com dor na coluna e a mala é só para levar e trazer os papéis para o trabalho - ela disse.

_Caramba, você trouxe a enciclopédia britânica aí?

_O quê?

_Nada. Mas essa bolsa enorme não pesa? - eu disse.

_Pesa - ela disse.

_E por quê não a prende na alça telescópica da mala? - eu disse.

_Vaidade - ela disse, com uma careta de dor.

-Cruzes - eu disse, sem querer.

domingo, 28 de novembro de 2010

Copa do Mundo? Olimpíadas?

Sim, nós temos a hospitalidade. Sim, nós temos um povo maravilhoso. Mas convenhamos, não dá para fazer uma festa de arromba desse jeito. Em três anos e meio o Rio estará livre dos crônicos problemas de segurança, sem falar da infra-estrutura de recepção e hospedagem? Em três anos e meio, o Distrito Federal terá aeroporto, estádio e hotéis suficientes para abrigar 300 mil pessoas numa Copa do Mundo? São Paulo terá condições de fazer a mesma coisa? E ainda teremos transposição de São Francisco, trem-bala e pré-sal?

Não sei. Acho que não. Não vai dar pé.

Não custa lembrar que há dois anos se espera a conclusão do alargamento de uma pista de ligação entre Taguatinga e o Plano Piloto, aqui, no Distrito Federal. O lugar que tem educação, saúde e segurança bancados com recursos federais não oferece serviços de saúde e educação compatíveis. Em termos de segurança, só estamos bem até a próxima fatalidade. Os assassinatos mais terríveis ficam sem solução. Agora se descobre que o déficit do Governo do DF chega a 800 milhões de reais e já se fala em atraso no pagamento do 13 salário dos funcionários da educação, segurança e saúde. Ninguém tem culpa de nada. Ninguém é responsabilizado.

Na pressa para chamar a atenção e "garantir" a obra, o desmazelado governador tampão local mandou botar pra quebrar no estádio Mané Garrincha. Não era grande coisa, mas agora é só um punhado de cacarecos.

Novamente, ninguém será responsabilizado. Ninguém tem culpa de nada.

Acho que deveríamos, urgentemente, repensar a coisa, chamar a turma da Fifa e do COI e dizer, olha pessoal, foi mal, mas não vai dar.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A guerra contra os traficantes no Rio de Janeiro

Eu queria ter lançado hoje uma campanha pela volta do hífen. Mas as imagens do Rio de Janeiro não me saem da cabeça. Eu gosto do hífen à moda antiga, antes da reforma ortográfica. Dá uma coesão mais equilibrada para as palavras. Acho que nunca usei direito, mas gosto daquele hífen. Infra-estrutura, por exemplo. Acho que fica mais legal com hífen. E no Rio de Janeiro, falta muita infra-estrutura.

Não conheço muita coisa do Rio e não tenho a menor noção dos problemas da cidade. Mas acho que falta infra-estrutura. Simplesmente porque falta infra-estrutura em todas as grandes cidades do país. Também faltam oportunidades e empregos, a educação é precária, os hospitais estão lotados, o transporte público é uma droga,a população desconfia da polícia e a corrupção, o nepotismo e os baixos salários afetam negativamente a qualidade de tudo. Os políticos só se importam com o calendário eleitoral. Todo mundo quer o seu pirão primeiro.

Não consigo imaginar o que vai acontecer no Rio. O noticiário destaca que desta vez, diferentemente de outros incidentes espetaculares, a população consegue perceber claramente quem é do "bem" e apóia as ações dos policiais e militares. Mas se a situação é mesmo de guerra contra os narcotraficantes, a coisa está só começando. Até onde sei, também não vi nenhuma menção a diálogo entre a Prefeitura e as outras instâncias de governo. Só ouvi falar de Governo Federal e Governo Estadual conversando e combinando ações. Seja como for, tomara que uma instância não boicote a outra.

Também torço para que as tradicionais calamidades que assolam as grandes cidades(chuvaréu, deslizamentos e enchentes)não venham complicar ainda mais a vida do povo do Rio de Janeiro, onde tenho excelentes amizades. São pessoas do bem. Muitas delas nunca vi pessoalmente, só acho que conheço porque frequento os blogs. Sou besta e de tanto ler as coisas dessas pessoas, acabo por considerá-las amigos e amigas do peito. Tomara que estejam todos bem e em segurança.

Começarei outro dia a campanha pela volta do hífen.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Greve de jardineiro engorda

Brasília é uma das cidades mais cheias de gramados que eu conheço. Todas as superquadras são gramadas. E é realmente um privilégio poder andar de manhã, bem cedo, em volta do gramado. Todos os dias eu passeio com o Rafa, o cãozinho shit-tsu da minha filha. No início, quando essa tarefa sobrou para mim, achei um saco. Mas hoje curto à beça o passeio com o cachorrinho.

A quadra é bem arborizada, existem algumas árvores frutíferas, como mangueiras, e de manhã é bem bacana porque é possível ver e escutar muitos pássaros. Já vi de tudo. Do currupião ao canário. De vez em quando chove, e por isso eu passeio de guarda-chuva. Mas no Planalto Central, basta uma chuvinha de nada para a grama crescer feito doida e virar matagal. Em poucos dias, o gramado amarelo ressecado se transformou em verde esmeralda.

Aí começou uma greve na empresa que cuida dos jardins da cidade. Era Novacap, mudou para Belacap, ou um nome parecido. Dezenas de jardineiros cruzaram os braços. O gramado da minha quadra sobe rapidamente. De manhã, o Rafa mergulha entre as moitas de gramado. Os pássaros enlouquecem. Cada pulo em moita levanta uma nuvem de insetos, comida fácil para os passarinhos. Os bichos estão gordões. Outro dia vi um João-de-Barro com dificuldades para entrar na casa dele.

A grama alta também dificulta o passeio com o Rafa. É que muita gente põe o empregado para passear com o cachorro. E os empregados não colocam a mão na massa, não recolhem o cocô do cachorro do patrão nem que a vaca tussa. Mas além dos empregados, muito patrão também faz cara de paisagem. Eu vejo muito marmanjo e muita dondoca fingindo que o cachorro não fez nada. Nessa hora dá vontade de ter um pitbull.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Jabutis

Ouvi falar de uma campanha para que o Chico Buarque devolva o Prêmio Jabuti de Melhor Livro do Ano de Ficção que ganhou neste ano. Depois ouvi falar da campanha contrária, para que o Chico fique com o Jabuti.

Não assinei nenhuma das petições on-line.

O Chico tem um índice de acerto ao Jabuti impressionante. Ele escreveu quatro livros e levou Jabutis em três deles. O primeiro foi em 1992, por Estorvo. Em 1995, publicou Benjamim - que não ganhou Jabuti. Em 2004, foi premiado com Jabuti por Budapeste. E agora, por Leite Derramado, Chico leva o seu terceiro Jabuti. De quebra, levou também um Jabuti pelo 2º lugar na categoria romance. Assim, fechando as contas, Chico tem na estante três Jabutis "grandes" e um Jabuti de 2º lugar.

_O que você acha? - eu perguntei para o Mr. Flowers, meu colega de trabalho.

_Na minha humilde opinião, deveriam ficar vigiando o Chico e assim que ele publicasse um livro já fossem logo correndo para fazer a entrega do Jabuti - ele disse.

_E você, Odara, o que você acha? - eu perguntei. A Odara é uma colega nova, muito louca. O nome é fictício, é claro. A Odara me lembra aquela música do Caetano.

_Eu vou assinar a petição para que o Chico fique com mais de um Jabuti, mas só se ele quiser, né? Eu gosto mais é de coelhos - disse a Odara.

_Também acho que deveriam fazer um arrastão nos Jabutis dos anos anteriores para entregar para o Chico - disse o Mr. Flowers, sem que eu perguntasse.

_Eu amo o Chico. Muito - disse Odara.

_Sou mais a Marieta - disse o Mr. Flowers.

_Pelo Chico, eu também comeria jabuti - disse Odara.

_Cuidado com a dor na coluna - disse o Mr. Flowers.

É um assunto polêmico.

E como fiquei muito preguiçoso de polêmica depois de Caçadas de Pedrinho, vou ficar na minha, sem proselitismo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pés tímidos

No trabalho, uma amiga vem mostrar o esmalte das unhas pra outra, que tem um cubículo perto do meu.

_Nossa, que linda!- diz a amiga.

_É laranja choque, última tendência - diz a outra, rindo de orelha a orelha, orgulhosa.

_E por quê as unhas dos pés são de outra cor? - pergunta a amiga.

_É um esmalte clarinho, bem transparente - diz a outra, sem responder.

_Sim, mas a cor é diferente por causa de quê? - insiste a amiga.

_É uma corzinha discreta, ué, combina com os meus pés tímidos...

Eu ri, sem querer.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O Careca e a polêmica de Caçadas de Pedrinho

Kombi, a Cynthia me mandou a mensagem abaixo em função de dois posts anteriores, a respeito de um parecer do MEC sobre o Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato.

Careca,

Embora eu tenha inicialmente concordado com vc, a questão realmente é outra. Em primeiro lugar, trata-se de um parecer efetuado por professores universitários (não por burocratas) em resposta a uma denúncia de um cidadão com base nos critérios estabelecidos pelo próprio MEC para a compra dos livros a serem distribuídos nas bibliotecas das escolas públicas.

Segundo avaliação do parecer, obras clássicas como aquelas não podem e não devem ser banidas das escolas, mas, em conformidade com o que estabelecem o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Parametros Curriculares Nacionais, as Leis de Diretrizes de Base, dentre outros, as obras distribuídas nas escolas não podem conter estereótipos de raça/cor, sexualidade etc.

O problema, então, é como conciliar a legislação com a importância de clássicos que, devido ao período em que foram escritos, não atentavam para isso nas obras infantis. E acho, sinceramente, que o parecer do MEC foi perfeito nesse sentido: recomendar que os professores sejam formados de maneira a poder trabalhar essas questões em sala de aula e que a editora responsável pela impressão dos livros que serão adquiridos pelo MEC para compor as bibliotecas das escolas (e apenas essa!) coloque uma nota mencionando estudos sobre (como se trabalhar) a presença de estereótipos na literatura infantil. Em nenhum momento o parecer qualifica a obra de racista (como vc e eu afirmamos com base na Falha de São Paulo), sugere seu banimento ou alteração no texto original.

Por que vc não dá uma olhadinha no parecer? Tá disponível no site do MEC.

Bjs!




Cynthia, tenho o maior respeito por você, professora dedicada, pesquisadora, livros publicados e intelectual de boa cepa. Você é um ser humano inteligente e que gosta de debater as coisas com clareza e objetividade. Gosto de você pacas. Se você mudou de idéia é porque está profundamente convencida de que sua primeira impressão foi equivocada. Eu, por minha vez, mantenho a minha opinião, porque estou profundamente convencido de que a minha primeira impressão funcionou como uma bagatela de fliperama. Toda vez que desconfio do governo eu me sinto com se um monte de luzinhas se acendessem e pipocassem barulhinhos maneiros na minha cachola.

Mas se a questão realmente é outra, em parte ela é a mesma: “as obras distribuídas nas escolas não podem conter estereótipos de raça/cor, sexualidade etc.” Concordo contigo que do ponto de vista do dirigismo central, faz o maior sentido a resposta dos scholars. Para mim, no entanto, a coisa toda tem jeito de censura, parece com censura, tem um “não” de censura e um “parecer” com o maior jeitão de censura. Por isso, continuo achando que o ocorrido é nebuloso, tem versões estapafúrdias e conflitantes, e por isso mesmo constitui vitória da censura e da obtusidade politicamente correta.

Não consigo pensar num bom motivo para que uma obra distribuída na escola não possa conter estereótipo de raça/cor, sexualidade ou etc. É como dizer ao músico que ele só pode compor músicas sem gritos de ié-ié-ié. Ou ao Donald que não pegue a varinha de marmelo para dar uma surra nos sobrinhos. Ou falar para um pintor que ele não deve pintar líderes políticos e religiosos sendo torturados e assassinados. Cacilda! Toda a arte ocidental teria que ir para o oblívio porque Cristo não poderia ser representado na cruz. E não estou dizendo que os clássicos são intocáveis. Nada disso. Os clássicos nem de longe representam unanimidade. Acho que obras literárias e artísticas, infantis ou não, podem conter estereótipos de qualquer coisa e ainda assim serem muito instigantes, transcendentes, inteligentes, belas, enriquecedoras e super-legais.

Professores também podem ser burocratas. E se houve parecer, ele foi burocrático e deixou em aberto precedente para novos questionamentos espúrios e enviesados em relação aos clássicos e aos não-clássicos. Estamos falando de livros para crianças, onde a idéia geral é, “ei, crianças, leiam porque é um hábito maravilhoso que abre um mundo fantástico para a vida de vocês”. O que está em risco é que novos bananas questionem a distribuição de livros de Orígenes Lessa, Esopo, os Irmãos Grimm, Malba Tahan ou qualquer outro escritor por uma alegação besta qualquer. E desse modo, professores vão burocraticamente responder de modo burocrático que “ei, as criancinhas só poderão ler isso aqui se os professores forem bonzinhos e bem formados, se tiver debate antes e depois da leitura, se todo mundo lavar as mãos e se o livro tiver uma nota dizendo isso e mais aquilo, viu.”

Sem brincadeira, você acha mesmo natural que uma comissão de professores universitários seja chamada para escrever um parecer sobre um livro infantil, clássico ou não? E que esses indivíduos determinem que o livro seja precedido por uma nota a título de contextualização ou que remeta a novos textos sobre o tema? E que isso seja pré-condição para que o livro seja distribuído depois de impresso pela gráfica contratada pelo governo? Sinceramente, não consigo imaginar Alice no País da Maravilhas com a circulação e distribuição em escolas condicionada a notas de autoridades da educação do Reino Unido. Ou Peter Pan. Oliver Twist. Dom Quixote. O Corcunda de Notre Dame. Viagem ao Centro da Terra. Vinte Mil Léguas Submarinas. A Ilha do Tesouro. Robinson Crusoe. O Conde de Monte Cristo. Os Três Mosqueteiros. O Máscara de Ferro.

Mas a lista continua. Imagine Os Meninos da Rua Paulo com uma enfadonha nota contextualizando as brigas de turmas na Hungria. Moby Dick com a nota sobre o terrível hábito de caçar baleias dos baleeiros. Capitães de Areia e o uso da capoeira legitimado pela injustiça social. O Menino Maluquinho, a eliminação de hospícios e a liberação de maníacos homicidas nas ruas. Nááá. Nem vou falar de Edgar R. Burroughs, e o meu favorito da infância “Tarzan, o rei dos Macacos.” Clássico como esse, jamais entrará em lista de livro de nenhuma administração.

Notas e pareceres desse tipo, com toda a franqueza, só me fazem pensar em regimes totalitários e dirigismo central. Burocracia lenta e paquidérmica.

Acho que o Governo Federal não deveria estar metido com a impressão e distribuição de livros infantis. Sou a favor da liberdade de escolha pelas próprias escolas(pais e mestres) entre os livros que estão no mercado. Nas escolas privadas funciona muito bem. Com isso feito regionalmente, com a possibilidade de escolhas locais, as chances de maior pluraidade e inclusividade seriam maiores.

Acho que o Governo Federal não deveria estabelecer uma lista única de livros a serem distribuídos. Isso também cheira a controle de mercado. Por mais isento que seja o processo licitatório, o governo favorece a criação de uma gráfica supervencedora, além de garantir a aquisição de erros de editoração e logística similares aos que assolam o Enem. E falo isso numa boa, como uma possibilidade concreta que a prática já mostrou que existe, mas que um monte de gente, boa ou não, não admite e não dá o braço a torcer para o que já ocorreu. O Governo Federal, mal-acostumado com o sucesso do sistema de repasse direto de recursos aos cidadãos pelas bolsas-moles e sem contrapartida, está bypassando a federação. Agora, em tudo, quer dar uma beiçola para os governos estadual e municipal e age sozinho, sem cooperação e sem articulação, com concentração de recursos, acumulação de erros velhos e novos, e palha alta e seca, favorável ao fogo da corrupção.

Acho mais um montão de coisas. Sobretudo, acho que essa história está mal-contada e por isso fui até lá, seguindo a sugestão da Cynthia, à procura do parecer no site do MEC. Não achei o parecer, confesso que também não procurei muito, só uns 15 minutos. Achei a notícia abaixo, que reproduzo:


CNE voltará a analisar parecer sobre obra de Lobato
Quinta-feira, 11 de novembro de 2010 - 14:44
O Ministério da Educação devolveu ao Conselho Nacional de Educação (CNE), nesta quinta-feira, 11, o Parecer nº 15/2010, sobre a obra literária Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. A autoria do parecer é da Câmara de Educação Básica (CEB) do CNE.

A Câmara de Educação Básica, conforme nota transcrita a seguir, pretende fazer nova análise do parecer em sua reunião ordinária de dezembro. Será verificada, então, a existência de pontos que possam, eventualmente, ter sido mal-interpretados.

A nota:

“A Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), reunida no dia 9 de novembro de 2010, debateu sobre a repercussão do Parecer CNE/CEB nº 15/2010, tanto na mídia em geral quanto em manifestações diversas, favoráveis e contrárias, que foram recebidas ou veiculadas pela internet.

“A CEB, assim como o Conselho Nacional de Educação, reafirma seu compromisso com a defesa da mais ampla liberdade de produção e de circulação de idéias, valores e obras como máxima expressão da diversidade e da pluralidade ideológica, estética e política no regime democrático vigente em nosso país. Consequentemente, repudia e combate toda e qualquer forma de censura, discriminação, veto e segregação, seja em relação a grupos, segmentos e classes sociais, seja com relação às suas distintas formas de livre criação, manifestação e expressão.

“O CNE, em sua análise das questões trazidas a este conselho sobre o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, no referido parecer, não excluiu, não desqualificou e não depreciou a obra analisada. A CEB, no cumprimento de suas obrigações legais e regulamentares, tão-somente recomendou e dispôs sobre os cuidados necessários ao seu aproveitamento com fins educativos.

“A CEB considera, de todo modo, que o debate provocado pelo parecer está sendo importante por trazer à luz a questão do racismo e dar visibilidade às formas de preconceito e de discriminação ainda subsistentes na sociedade brasileira. Assim, a partir da devolução do parecer pelo MEC, a CEB procederá à devida análise do mesmo em sua reunião ordinária, em dezembro, a fim de verificar se existem pontos que possam ter sido eventualmente mal-interpretados quando de sua primeira publicação.”

Assessoria de Comunicação Social


Depois de ler "(...)e dispôs sobre os cuidados necessários ao seu aproveitamento com fins educativos" eu pensei comigo mesmo: porra, como é lindo o burocratês. Cuidado necessário tem o maior jeitão de “uso restrito”, de “medicamento controlado” e também de “mantenha fora do alcance das crianças.” Numa boa.

E assim, a polêmica ficou para dezembro.

Bjs, Careca

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Outra sacanagem

Outro dia escrevi aqui sobre a babaquice feita com um livro do Monteiro Lobato, o Caçadas de Pedrinho, acusado e rotulado de racista. Teve muito marmanjo por aí defendendo essa sacanagem. Li até uns caras que se dizem professores defendendo a iniciativa, ou dando uma de deixa-disso, cheios de "não é bem assim" e "veja bem".

Ora, como diria meu velho e bom amigo Natal, "pra cima de muá, não". Medalha é medalha. Sabão é sabão.

O que ocorreu foi que um grupo de burocratas (eles existem no executivo, no legislativo, no judiciário e principalmente fora, na fila do gargarejo) rotulou um clássico de racista. O grupo também recomendou que as escolas o retirassem das prateleiras das bibliotecas e impediu a distribuição de novos exemplares. E para completar, os sábios burocratas também decidiram que para o caso de alguns miúdos conseguirem pegar um exemplar escondido, as novas publicações da obra deverão conter um prefácio estupefaciante escrito por um gênio da contextualização. Esse gênio vai explicar porque o livro é racista e também porque o Visconde de Sabugosa é obviamente pansexual: essa é fácil - foi comido, roído e babado pelo porco Marquês de Rabicó.

Agora um juiz proibiu a distribuição de um livro porque um dos cem contos ali reunidos, do Ignácio Loyola Brandão, foi considerado obsceno. Se esse tipo de coisa pretensamente correta prevalecer, estamos fritos. No meu tempo de menino, é óbvio que surtiu o efeito contrário. Nos anos 70, a rebeldia era quase uma obrigação da juventude. Só li Zero, do mesmo Loyola Brandão, porque na orelha do livro dizia que o escritor estava careca de ter livro proibido.

_Deve ser jóia - eu pensei, com a gíria da época. Mas não era como o Primo Basílio, que minha mãe tinha dito para não ler ainda, que era livro de adulto. Também não tinha metade das sacanagens dos romances de José Lins do Rego ou do Jorge Amado. Ou do Velho Testamento, onde rola de tudo, até incesto com estupro duplo de um ancião(Noé). Mas gostei de ler o Loyola e tenho o maior respeito pelo escritor.

Sacanagem. Lembro do Maristinha, onde estudei. O professor Djalma manda a Ana Theresa ler Ana Terra, do Érico Veríssimo. Nesse dia, era a parte em que o Índio sobe as mãos sobre as coxas de Ana, como se fosse uma caranguejeira...A Ana da minha sala parou na metade, vermelha. Aí a Socorrinha continuou a leitura, numa boa.

Sacanagem pura é um conto do Loyola e também outros 99 contos estarem proibidos de chegar até as escolas. Não sei, não. Do jeito que a coisa vai, com a turma da academia silenciando ou imitando foca de circo antigo para tudo que é besteira da alta burocracia, é melhor tratar de ampliar as estantes. E também reler Farenheit 451do grande e genial Ray Bradbury.

Para os meus filhos, já está no quarto, em lugar nobre e acessível, a coleção completa de Monteiro Lobato. Foi um presente dos avós argutos, sempre inteligentes e instigantes. Do Ignácio, tratarei de comprar obras completas. Também vou correr atrás de um desses livros de 100 contos. E assim farei. Para cada obra proibida, tratarei de correr atrás de um exemplar. A cada recomendação negativa, a leitura atenta e crítica. Dez pessoas que falam fazem mais barulho do que dez mil que silenciam, dizia Napoleão.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Subway - It´s only mistery - Eric Serra



Do filme Subway.

Sobre doações, trocas e tratos

Ultimamente poucas coisas novas têm me chamado a atenção. Continuo dispersivo e pouco focado como sempre, mas em geral exercito a minha dispersão sobre coisas que não são de ontem. Isso também vale para o meu guarda-roupa. Está chegando a hora do ano em que é fácil organizar as doações de roupas. O que passou muito tempo guardado, vai para uma outra pessoa. Minha mulher me vigia nessa hora:

_Vai dar essa camisa? Mas foi presente de Fulano!- ela diz.

_Fulano que me desculpe, mas quase não usei essa camisa. Vai para uma pessoa que usará - eu digo.

_Está tão novinha - diz ela.

_Ficou guardada o ano todo, não vou usar, não adianta.

_E por quê não trocou? - ela pergunta.

_Eu queria trocar, mas você não deixou, lembra?

_Porque o Fulano veio nos visitar uma semana depois de dar o presente, lembra?

_E você me fez usar a camisa quando ele nos visitou, lembrei.

_E por causa disso você tirou a etiqueta da loja - ela diz.

_E isso me fez perder o direito de troca, nem tentei reclamar.

_Tem gente que dá um jeito de colocar a etiqueta de novo - diz ela.

_Nem pensar. Comigo não. Isso é trambique.

_É legítimo, está dentro do período de troca - ela diz.

_É nada. Troca é quando a gente não gosta e não usa. Tirou da embalagem, fez careta e levou para a loja - eu digo.

_Não, senhor. Troca é devolver a mercadoria dentro do prazo de devolução - diz ela.

_Tudo bem, pode ser. Mas se eu usei uma camisa a noite toda, acho que não tenho direito de devolver no dia seguinte. Isso é antiético.

_Hum, isso é pre-gui-ça de ir até a loja devolver, isso sim.

_Tem razão, é preguiça de usar a cara-de-pau. Mas agora já venceu o prazo e não vou usar a camisa. Vou doar para alguém no Natal, tá legal?

_E o que vai fazer com essa calça jeans aqui? Está puída, esburacada...

_Adoro essa calça jeans.

_Está rasgada!Por quê não doa essa calça?

_Cacilda!Porque eu adoro essa calça jeans, já disse. Esses puídos e buracos são naturais, sabe quanto tempo leva para uma calça jeans ficar assim? Denner, Yves Saint-Laurent, Kalvin Clein e Christian Dior precisariam de uns três anos de ralação de calça para conseguir esse efeito.

_Parece que você caiu do ônibus e foi arrastado. Essa calça é um lixo!

_Mais um motivo para não doar para ninguém. Não se doa lixo.

_...

_...

_E se a gente fizesse um trato?- ela diz.

_Que trato?

_Eu te dou uma coisa se você não usar mais essa calça - ela diz.

_O quê? Agora?

_Que tal? É pegar ou largar?

_Eu pego, eu pego...

(Muito tempo depois)
_Grude? - eu digo.

_O quê?

_O que você acha aquela minha camisa ali?

_Qual? - ela pergunta.

_Aquela do colarinho puído, que você vive reclamando quando eu ponho...

_Quer fazer outro trato?

_O ser humano é bom nisso - eu digo. É muito importante manter as coisas em foco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Coisas pequenas e tolas

Dois livros que li fervorosamente aos vinte e poucos anos: Zen e a arte da manutenção das motocicletas e O Guia do Mochileiro das Galáxias. Não me lembro patavina de nenhum dos dois, mas encontrei o "Guia" e estou tentando ler novamente. É meio bobo, não consigo achar muita graça. E além disso, o "Guia" descrito no livro já existe e se chama "IPad". Numa das passagens, o mochileiro narrador explica que para se saber qualquer coisa sobre qualquer coisa, basta digitar o nome daquilo no Guia para encontrar a resposta. No início dos anos 70, quando o livro foi escrito, e até mesmo quando o li pela primeira vez, nos anos 80, isso parecia mesmo uma coisa de outra galáxia. Agora não faz ninguém levantar a sobrancelha. Ser velho, já dizia o álbum de figurinhas, é se surpreender pouco.

Estou lendo muito pouco, o que é sempre uma pena. Desde que comecei a usar um óculos multifocal estou com dificuldade para concentrar na leitura. É um óculos mais. Os olhos ficam mais incomodados por mais tempo e mais rapidamente. Talvez não me adapte e passe a utilizar dois óculos. E por conta disso, me distraio facilmente, perco o fio da meada e mudo de assunto o tempo todo, além de esquecer o que estava fazendo um minuto atrás. Faço agora uma parada estratégica para ler o parágrafo daí de cima e continuar a falar sobre livros esquecidos.

Sim, ó minha querida kombi de leitores, estou fazendo um esforço enorme para me lembrar dos livros que li e já me esqueci do que se tratam. Um dos principais é "O Alvo Móvel", do John D. Mcdonald. O cara é fera. O livro é sensacional. Mas sempre preciso ler a orelha do livro para me lembrar do que acontece ali dentro. E o que é pior. Às vezes eu entro numa livraria, vou para a sessão de livros de bolso super-baratos da LP&M, olho uma porção de títulos, leio as orelhas e saio de lá com um "O Alvo Móvel" na mão. Por causa disso, tenho um nicho de prateleira na minha estante totalmente dedicada a "O Alvo Móvel".

Outro livro que sempre me esqueço de que já comprei é "Trópico de Capricórnio", de Henry Miller. O livro é ótimo. O escritor é o cara. Mas sempre confundo com o "Trópico de Câncer" e acabo levando repetido. Como resultado, tenho vários "Capricórnios" e nenhum "Trópico de Câncer". E de várias editoras diferentes. Isso sempre me deixa frustrado na livraria, porque sempre esqueço de procurar a Sabedoria do Coração, um livro fantástico do Miller que quero repor na minha estante. O fato é que emprestei para alguém e essa pessoa nunca se lembra de devolver. Ainda do Miller, sempre que saio da livraria é que me lembro de procurar "Nexus". Mas aí já estou cansado de livraria e não entro de novo. O resultado é que nunca completo a trilogia e deixo para iniciar "Sexus" e "Plexus" em outra ocasião.

O terceiro livro de que sempre me esqueço é "O Segredo de Joe Gould" de Joseph Mitchell. Li na biblioteca, há séculos. Dele só me lembro que não deveria jamais tê-lo esquecido, porque é precioso e fundamental.Uma vez, numa madrugada, assisti a uma versão do livro na TV a cabo e foi fascinante. Um conto de um dos livros da Patrícia Highsmith, que também esqueci qual é, trata basicamente da mesma coisa, de escrever sobre o que não pode ser esquecido, ainda que o tema seja pequeno, ínfimo, tolo e nulo. E o Henry Miller, ao falar de si mesmo com tanto despojamento e crueza, talvez estivesse com a antena cósmica conectada com esse modo de pensar. Mas qual seria a conexão com "O Alvo Móvel"? Não sei. Talvez seja apenas uma coisa pequena e tola.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Max, o cão trocado

A vida nunca foi fácil para Max, o pastor alemão que era do meu irmão. Isso mesmo. Era.

Max era um cachorro legal, com pedigree, boa estirpe, mas indômito. O animal não gostava de cercas. Cavava buracos muito profundos. Soltava pelo. Odiava gatos. E de vez em quando subia, literalmente, no telhado. Mas tirante isso, era um excelente cachorro.

O que complicou tudo foram as subidas no telhado. Max subia em qualquer telhado. Sabe a primeira cena de Missão Impossível II, com o Tom Cruise escalando um paredão em ângulo negativo? Então. Aquilo é puro Max. Meu irmão uma vez o resgatou do telhado do vizinho. Por conta disso, Max ficou três meses internado num canil para um treinamento indolor de animais inquietos. Meus sobrinhos ficaram com muita saudade do bicho, mas o meu irmão resolveu estender o treinamento por mais um mês, só para garantir. Depois de cinco meses, Max voltaria para casa, mas aí foi a vez do treinador do cachorro sugerir um periodozinho extra, só para não deixar dúvidas.

_Doutor, já vi cachorro estouvado, mas esse Max ganha de qualquer um.

Após seis meses de internato e treinamento pacífico, à base de alimentação balanceada vegetariana e música new age, Max voltou para casa,aparentemente melhor.

De acordo com os meus sobrinhos, que adoravam Max, o cachorro tinha voltado mais manso que um cordeirinho e mais educado que um inglês recém-matriculado em Oxford.

_Tio, ele está até cumprimentando a gente, dando a pata - eles diziam.

_Claro, ele aprendeu até as quatro operações - eu completava.

_Não, tiô, é verdade.

_Eu acredito, eu acredito.

Mas não era verdade. Max fugiu uma porção de vezes. Arrebentou a cerca elétrica que deveria impedir que ele saísse. Subiu no telhado. Desceu no telhado do vizinho. Cavou um túnel atrás de ossos. Invadiu o quintal do vizinho atrás de um gato.

Max foi reinternado. Por mais quatro meses. Mas não deu certo. Foi o primeiro insucesso do internato. O dono do empreendimento pediu sigilo ao meu irmão.

_Poxa, Doutor. Em dez anos, o Max foi o primeiro e único cachorro que eu não consegui treinar. E ele fugiu um monte de vezes daqui, deu até desânimo.

Na última fuga, ele confessou, Max escapou pelo telhado do canil.

_Nunca tinha visto um cachorro fazer isso, Doutor. Quebrou umas vinte telhas. É um excelente cachorro, Doutor. Daria um excelente reprodutor. Mas não gosta de cerca. E nem de gatos. Conforme combinamos, eu não posso cobrar nada pelo treinamento, mas posso cobrar pelo prejuízo com o telhado.

Meu irmão propôs ao treinador que continuasse com o cachorro. Depois de muita negociação, o sujeito topou. Não sei como foi, meu irmão não se abriu. Mas ao que parece, Max foi trocado por um dobberman e mais uma compensação pelo telhado e futuras cercas. O dobberman é um bicho super obediente. Respeitador de cercas. Convive com gatos. Não gosta de cavar túneis. Não solta pelos. Não sobe em telhados.

_E o Max? - eu perguntei.
_Ele está bem, ele está bem - disse o meu irmão.
_E as crianças?
_Elas vão superar, vão superar.
_E você?
_Sabe, eu gostava um bocado daquele cachorro. Mas tenho que pensar no futuro. E no futuro, nós vamos mudar para uma casa ao lado de um hospital da rede Sarah. Já imaginou o Max invadindo o hospital? Os pacientes de cadeira de rodas fugindo? Pessoas manquitolando em desespero?
_Ele está bem, eles está bem - eu disse.

E deve estar mesmo.

domingo, 14 de novembro de 2010

Frio e sobrancelha

A temperatura está variando muito ultimamente. Hoje de manhã, por exemplo, a temperatura era inferior a 14 graus. E chovia fino. Era daquelas chuvas que se arrastam durante horas, vindas da madrugada. Para onde se olhasse, tudo estava molhado.

Por causa disso, eu usava o meu tradicional casaco de couro. Minha mulher também usava o dela. As crianças estavam na casa da tia, com outros primos. Mantendo a tradição, nós fomos até a padaria onde sempre tomamos café da manhã aos domingos.

Eu peguei o meu suco de laranja e os pãezinhos de sempre. Minha mulher também pediu o café com leite e o omelete. À minha frente, um sujeito com quarenta e muitos anos lia o jornal na companhia da mãe, uma velhinha de cabelos brancos. Ele estava com aquelas camisas de jogging, cheia de furinhos. E a mãe com aquelas blusinhas finas, de renda, muito comuns no nordeste.

Talvez tenha sido a visão dos casacos de couro. Talvez eu tenha feito um comentário em voz alta sobre a temperatura. O fato é que a velhinha começou a chacoalhar de frio assim que eu dei a minha primeira mordida no pão.

Ela se sentou ao lado do filho, trocando de lado na mesa, ficando de costas para mim. Não adiantou. Ela continuou a balançar de frio. O cara não percebeu. De vez em quando, uma rajada de vento gelado fazia a velhinha estremecer.

Em seguida chegaram duas mulheres. Uma devia ser a mulher do cara que não percebia que a mãe passava o maior frio da paróquia. A outra era parecida com o sujeito. As duas explicaram que haviam demorado porque estavam vendo as vitrines das lojas. Viram um monte de roupas legais. E aí repararam que a velhinha chacoalhava de frio.

_Uau, nossa, que frio, coitada! - elas disseram.
_Que dó!Puxa!Tadinha! - elas disseram.

Mas não trocaram de lugar. A velhinha continuou a chacoalhar de frio.

Eu e a minha mulher terminamos o café e saímos dali.

_Caramba, quase levantei para emprestar o meu casaco para a velhinha - disse a minha mulher.
_Eu também! Só não fiz isso porque fiquei pensando no pós-empréstimo - eu disse.
_É, ia ser muito chato pedir o casaco de volta - disse a minha mulher.
_E eu adoro esse casaco de couro - falei.
_Por outro lado, aquelas duas que chegaram estavam de casaco.
_Vai ver era a Vingança Contra a Sogra Mal-amada - eu disse.
_Não, ninguém merece - disse a minha mulher.
_O que achei mais esquisito foi que a velhinha não reclamou.
_Quando eu ficar velhinha, de cabelo branco, eu vou ser bem reclamona.
_Eu já sou resmungão desde já, imagine quando ficar de cabelo branco...
_Que cabelo?
_Sobrancelha...





_

Sebastien Tellier - Look



Voyer.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma câmera amarrada



Acabo de ler que os amadores estão cada vez mais presentes no espaço. Malucos de toda a parte do mundo estão montando engenhocas e mandando suas câmeras digitais para uma viagenzinha espacial na órbita do planeta. As câmeras são recuperadas e depois revelam imagens fantásticas feitas na descida para a terra. Na última reportagem que li, uns caras penduraram um planador equipado com câmera num balão e soltaram. O equipamento foi encontrado e um monte de filmes e fotos foram recuperados. Achei a história um barato.

Outro dia também li que encontraram um chip de câmera com o registro do resgate de náufragos na Austrália. As fotos emocionantes foram tiradas depois que uma dupla de marinheiros conseguiu perder um pequeno iate enquanto os dois gênios mergulhavam no oceano. A dupla ficou à deriva em alto mar durante cerca de quatro horas até ser resgatada por um barco da guarda costeira. As fotos registram a alegria dos náufragos prestes a serem resgatados. O problema foi que o tal barco de resgate virou e a câmera se perdeu. Mais tarde, os guardas e os náufragos originais seriam novamente resgatados, mas sem câmera para registrar o episódio. Quatro anos depois, a câmera é encontrada na praia e o chip ainda preserva as fotos. Achei a história superbacana.

E não tem nem duas semanas, eu acho, li outra história sobre uma mensagem numa garrafa que foi lançada numa praia dos Estados Unidos, atravessou o Oceano Atlântico e foi encontrada na Inglaterra. E apenas seis meses haviam se passado. O sujeito que encontrou a mensagem se comunicou com a pessoa que havia lançado a garrafa pela Internet. Achei a história muito, muito legal.

As três histórias são também muito inspiradoras. A primeira sugere a possibilidade de se amarrar uma câmera num planador e começar a filmar "travellings" amalucados pela cidade. Um projeto facilmente exequível seria lançar o planador de diferentes janelas ou coberturas de edifícios para filmetes curtos, de um a dois minutos. Depois reunir tudo com uma trilha sonora legal. Sim, senhor, daria um clip interessante.

O segundo e o terceiro episódio também sugerem um projeto com um enredo simples. Um câmera deixada num lugar público com um recado direto: a pessoa que estivesse com a câmera deveria gravar uma mensagem de até um minuto para a pessoa que quisesse. Quando a memória estivesse cheia, o chip seria remetido para o endereço escrito nele. Bom, não importa. O calcanhar de Aquiles de projetos assim é a logística de finalização.

Muitas boas idéias, a princípio parecem bem idiotas. A do clip do The Cure, por exemplo, parecia bem bocó. Imagine o roteiro. "Vamos pendurar a câmera em cordas e vocês, músicos malucos, vão ficar brincando com ela". Uau. Para mim, é um dos melhores clips de que tive notícia desde os anos 80.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Careca, o trânsito e o bruxismo

Foi isso mesmo, ó minha kombi de leitores! Aconteceu nesta quinta-feira, dia 11 de novembro. Eu estava dirigindo, numa boa, do trabalho para casa, pensando no almoço. Acontece que estou em pleno período de tratamento de dentes, o que dificulta um pouco a mastigação. E hoje, especificamente, por recomendação expressa do dentista, eu não poderia mastigar nada na hora do almoço.

Talvez eu estivesse distraído por isso. Talvez estivesse dirigindo com o estômago. Mas o mais provável é que estivesse dirigindo numa boa, como sempre. Súbito, um uno mille ameaça colocar o bico para fora da sua fila marcha lenta, mas percebe a minha presença e recua rapidamente. Continuei na minha faixa, que seguia em fila um pouco mais rápida, pensando em como mastigar arroz e feijão sem usar os dentes.

Foi aí que o uno mille saiu da fila e colou atrás de mim. Olhei pelo retrovisor e vi uma mulher soletrando palavrões e buzinando para mim. Não liguei por simples e pura concentração dental, já que estava avaliando se o cimento cirúrgico de um lado e o cimento branco do outro seriam capazes de suportar um purê de batatas. A mulher atrás de mim achou aquilo uma afronta. A louca surtou. Buzinou, acelerou, emparelhou comigo e começou a fazer gestos obscenos. Abaixou o vidro, xingou, mostrou o dedo.

Eu continuei numa boa, olímpico, seguindo a fila, que parou no semáforo. A mulher surtada furou o sinal ainda brandindo o punho para mim. Emparelhados, obedientes nas filas, os caras nos outros carros olhavam para o Careca. Foi aí que eu percebi a influência do trânsito sobre o bruxismo.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Careca passeia com o cachorrinho

Existem contos célebres sobre passeios com cachorro. Verdadeiras obras-primas. Tem o conto do Tchekov, por exemplo. Tem o título do conto jamais lido do alter-ego do John Fante em Pergunte ao Pó, "O cachorrinho riu". Este texto, é óbvio, não é nada disso.

Mas não é por causa da literatura ou pela vontade de escrever que eu passeio com o cachorrinho da minha filha, o Rafa(para quem não se lembra, o Rafa-el é o shi-tsu que ela ganhou de aniversário no ano passado).

Eu passeio com o Rafa porque eu adoro a minha filha e também por causa do passeio com o Rafa, em si. Caminhar com o cachorro não é um prazer à primeira volta. Não senhor. Não, senhora. É um aprendizado com suas dificuldades intrínsecas e exclusivas, incomparáveis a qualquer outro tipo de passeio. Eu, em mais um exemplo, não gosto muito de passear com outras pessoas. A principal razão é que não consigo falar, andar e pensar ao mesmo tempo, isso sempre provoca um tipo de descoordenação nos meus passos e tropeções. Quando isso não acontece, eu acabo por imitar inconscientemente a passada do acompanhante, o que sempre me deixa com a sensação de estar marchando ao lado da outra pessoa. Em consequência, acabo por forçar uma saída do passo encadeado, o que acarreta tropeções e desequilíbrios. A única maneira de evitar as duas coisas é me concentrar no meu próprio caminhar, o que me distrai e deixa a pessoa que me acompanha irritada.

_Pô, Careca, e aí? Não vai responder?
_Hã?
_Eu perguntei o que você acha do rombo de novecentas milhas no PanAmericano?
_É um rombão, né?
_E o que você acha?
_Acho que é muito dinheiro.
_Mas qual é a sua posição?
_Sentado, de longe, observando de queixo caído.

Diálogos como esse são facilmente evitados com um passeio com o Rafa. É bem verdade que ele pensa que é gente, mas ainda não fala. O que evita tropeções da minha parte. Sim, senhor. Ou sim, senhora. A verdade é que passear com o Rafa tem me ensinado coisas muito interessantes e me ajudado a manter o equilíbrio durante as caminhadas. Mas o fundamental é que não sou eu que leva o Rafa para o passeio. É o contrário.

Em geral, o Rafa me leva para passear antes que eu tenha tempo de tomar café. Consigo apenas pegar um pedaço de maçã antes que ele me arraste para uma caminhada de quinze minutos, no relógio, pela quadra. Rafa é pontual, ele sabe que o tempo é curto e dispara pelas escadas. Felizmente, o cordão da carretilha tem cinco metros, senão eu teria que voar sobre os degraus.

Assim que saímos do edifício o Rafa começa a marcar território com xixizadas de diferentes mililitros de acordo com a importância do local. A ponta de meio-fio no início da calçada central é, sem sombra de dúvida, um dos locais mais importantes da nossa jornada diária. Rafa sempre capricha nessa marca. Todos os cachorros do meu prédio, capricham neste meio-fio. É como se todos os cães fossem pichadores e o meio-fio fosse um muro branco esperando por um spray. Não gosto muito de passar por ali, mas é o Rafa que está me puxando. Na sequência do caminho, Rafa levantará a perninha para molhadas e cheiradas alternadas nos lugares mais bacanas do caminho. Existem tufos de gramas especiais, que merecem grande consideração e regadas mais alegres. Existem troncos de árvores que só valem uns pinguinhos mixurucas. E existem os postes meio-termo, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, mas que valem uns pingos a mais. E, no final, existe o lugar superespecial, que tenho que deixar limpo de acordo com o bom senso, as normas legais, as regras da boa vizinhança e a saúde pública. Para isso, a prefeitura da quadra espalhou sacos plásticos para que o cidadão cumpra o seu dever. Eu cumpro.

No caminho diário, o que inclui os dias chuvosos, sempre encontramos outros cachorrinhos. Em geral, acompanhados por outros seres humanos, mal-humorados. Consequentemente, os cães estão sempre irritados e agressivos. O Rafa, não. Ele está sempre de bom-humor e saltitante. Rafa passa numa boa por esses cãezinhos irritados e seus donos mal-treinados. Eu sigo o Rafa e digo, bom dia, bom dia, mas raramente alguém responde. Mesmo assim, o passeio com o Rafa de manhã bem cedo me faz muito bem. Só é chato no domingo.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Lawrence Block e as técnicas de higiene bucal

Uma das coisas mais legais do mundo é você encontrar um parágrafo inteiro de uma opinião bem expressa sobre um tema importante e concordar com absolutamente tudo. Neste caso não foi um parágrafo inteiro e nem mesmo foi sobre um assunto relevante, mesmo assim fiquei super-feliz de encontrar o trecho abaixo na página 46 de "O Ladrão no armário", de Lawrence Block.

(...)ela ter me mostrado, pelo que parecia ser a milésima vez, a maneira correta de escovar os dentes(e toda profissional de higiene bucal te mostra uma maneira diferente, cada qual jurando ser a única maneira), (...)

Explico. Concordo absolutamente com todo esse trecho porque já vivi isso com a minha própria mandíbula e dentadura. Todas as vezes que vou a um dentista, sou terrivelmente admoestado sobre os males que provoquei às minhas arcadas dentárias devido a erros crassos de escovação. Houve um tempo em que discordava. Tentava tartamudear que aquela era uma acusação frívola e que deveria haver uma outra explicação para os meus problemas bucais. Nessa hora, em geral, o dentista franzia o cenho e retomava a explicação da única maneira correta de se escovar os dentes desde a invenção da escova. Uma vez fiquei tentado a filmar a explicação em vídeo para postar no youtube, expondo o dentista ao ridículo eterno. Mas já devem existir vários vídeos de escovação na internet, todas as coisas legais já foram filmadas e postadas. O problema é saber qual é a maneira correta.

Hoje, escuto o sermão com interessados "hum-huns" e sinais intermediários de aprovação e regojizo. Mesmo assim, os dentistas não se mostram satisfeitos e renovam seus conselhos sobre a única maneira correta de se escovar os dentes. Agora mesmo, que estou em pleno período de tratamento dentário, ouvi três explicações diferentes sobre a única e correta maneira de se escovar os dentes. Um dentista me disse que devo usar escovas macias e caprichar nos movimentos circulares. Outro me garantiu que os movimentos circulares podem provocar traumas terríveis nas minhas gengivas sensíveis e recomendou movimentos de varrição para cima e para baixo. Uma terceira, cuja clientela presumivelmente é composta por grande maioria de crianças, me disse assim: você pega a escovinha, coloca a pastinha, e faz assim e assim, como se estivesse lavando o dentinho, entendeu?

Eu entendi. Não existe apenas uma maneira correta. E como muito bem resumiu a minha mulher, eu certamente não estou usando nenhuma das técnicas certas.

domingo, 7 de novembro de 2010

Um livro para a menina

Era uma vez um livro para a menina que queria muito ler um livro.
A primeira página do livro para essa menina teria de ser cor-de-rosa.
E depois de uma folha azul com arco-íris de sete cores, viria uma página com os 10 dedos dos pés. E depois um monte de pés de centopéia.
Haveria então uma folha dupla na forma do trevo de quatro folhas, junto com anéis de cabelos, fios de seda, conchas e escamas de peixe.
E em algum momento, haveria uma cadeira de balanço ou uma rede, porque essa menina gosta muito de balançar.
E uma página deveria ter braços para abraçar e uma boca grande para dar beijos estalados.
E se tivesse jeito de ter colo, então esse livro teria um colo igual ao da mãe, onde a menina senta e joga os pés para frente e para trás.
Esse livro deveria ter um coração enorme, com janela aberta para um jardim florido.
E no meio das flores, haveria margaridas, rosas, cravos, camélias e violetas.
E bem no meio de tudo, haveria um dente-de-leão para a menina soprar.
Também haveria um apito e um relógio para a corrida que vai começar.
Já estão na pista a ema, o tamanduá, a anta e o lobo guará.
Também haveria água para o macaco, o sapo e o boi.
Lá pela metade, também haveria um canudinho, com um copo d’água, para que ela não precisasse se levantar para matar a sede. E biscoitos também, essa menina adora biscoitos.
E banana, laranja, maçã, manga, abacate e uva.
Uma página desse livro deveria ser feita com pedaços de nuvens.
E grudados nos pedaços, viriam palavras difíceis de ler mas fáceis de adivinhar.
Haveria tristeza, alegria, dor de espinho no dedo, raiva, soluço e medo.
E depois de raios, trovões e trovoadas, viram paz, amor e felicidade.
E o livro teria um monte de sonhos e pilhas de canções, todas gravadas numa fita cassete mágica para levar a gente para qualquer lugar.
E lá no final, o livro teria um nariz bem grande e macio.
Ué, e pra quê esse nariz? perguntaria a menina.
Para fazer cócegas e escutar a risada, é claro.


Se eu fosse mesmo um escritor eu tiraria o livro da estante e estenderia para ela.

sábado, 6 de novembro de 2010

Três coisas que eu sempre me esqueço

1- A porcaria do crachá.
2- De verificar a porta da frente, antes de deitar.
3- ...?(eu não me lembro nem a pau).

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Três fitas cassete que adorava



Houve um tempo em que os seres humanos gravavam fitas cassetes. As fitas, que você pode conhecer em museus de tecnologia, eram superpopulares. Em todo lugar você encontrava gente vendendo. Algo como DVDs piratas, hoje em dia.

Eu amava gravar fitas cassetes. Especialmente porque eu não tinha grana para comprar discos. Felizmente, o Cabeça, o Ruble e o Rodrigão tinham e compravam. Eu pedia discos emprestados para todo mundo. Planejava as gravações com cuidado. Caprichava nas capas. Tinha fitas e mais fitas. Três delas eram especiais.

A primeira fita especial era uma de um álbum duplo do Yes, chamado Yesssongs. Os discos eram de um outro amigo, o Mauro. Era impossível de encontrar outra cópia na época. E os discos do Mauro eram bem rodados, cheios de defeitos. Era preciso aumentar o peso da agulha para que o braço acompanhasse o sulco. Senão era escorregada na certa. Para reduzir o ruído, havia um macete de se colocar água sobre a faixa desejada. Usei o sistema uma vez, mas não senti grande redução de ruído. Lembro de buscar o equilíbrio perfeito do peso do braço nestes discos, mas as bolachonas eram gastas demais pelo uso. Acabei descobrindo que o peso ideal, que permitia uma reprodução de boa qualidade, sem que a agulha escorregasse, era uma borracha de escola velha equilibrada sobre a cabeça, perpendicular à agulha. Lembro de ter gasto uma tarde inteira para gravar uma fita o Yessongs. Ficou muito boa.

Na mesma época, gravei uma fita coletânea das músicas que eu mais gostava. Era um saladão musical que no Ipod ninguém gasta mais do que alguns segundos para copiar. Na época do cassete, my brother, você gastava horas, dias, semanas. Em primeiro lugar, eu tinha que fazer uma lista de músicas e discos fontes. A lista de músicas era super simples. O problema era com os discos fontes. Felizmente, eu ia visitava muito os meus amigos e suas discotecas, que conhecia quase tão bem quanto a coleção de discos do meu irmão. Entre discos e livros, eu optava por gastar economias pechinchando os volumes no sebo da Livraria Eldorado.

A terceira fita que adorava foi gravada pelo Cabeça. Ele usou um prato de doze quilos do toca discos profissional que até hoje tem em casa. Esqueci a marca do toca-discos. Mas já vi alguns audiófilos lacrimejando ou ver o aparelho. O Cabeça fez uma mistura dos discos do Cream que possuía na época, se não me engano, Wheels of Fire, Disraeli Gears e Goodbye. Eram importados. Não sei como o Cabeça conseguia importar, mas conseguia. O resultado da fita ficou muito parecido com uma coletânea do Cream lançada em 2005, chamada Cream Gold.

Um dia, as três fitas sumiram da estante. Procurei em todo lugar. Nada. Depois do episódio, por via das dúvidas, passei a proteger todas as fitas contra a regravação.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Dez filmes que me deixaram tonto no cinema

1 - Guerra nas Estrelas
2 - Alien, o oitavo passageiro
3 - Solaris - o original do Andrei Tarkovsky, é claro
4 - Brazil, o filme
5 - O beijo da Mulher-Aranha
6 - Cat people
7 - Os imperdoáveis
8 - Lawrence da Arabia
9 - Imensidão Azul
10 - Blade Runner

A minha lista de filmes marcantes é enorme. Mas dessa lista daí de cima, quase todos assisti no Cine Brasília em festivais incríveis. Invariavelmente, aquele cinema enorme era todo meu e de mais um ou outro gato pingado perdido no planalto central. Assistia ao filme logo depois do almoço, na primeira sessão da tarde. Ia à pé. Morava bem perto do melhor cinema da cidade e usufruí desse privilégio enquanto pude, o máximo possível. Outra tela frequente era na Cultura Inglesa, na sessão noturna. Íamos aos magotes no tempo da universidade. Star wars assisti na estréia, adolescente, no falecido Cine Atlântida que virou templo e hoje já não sei mais o que é. Era a segunda melhor tela da cidade.

Mas nada, nada, nada, se comparava à grandiosidade luxuosa e fantástica do Cine Brasília. A iluminação maravilhosa, a penumbra que permitia ver tudo. As poltronas em couro e veludo, super-confortáveis. A tela gigantesca em curva. Assisti a Blade Runner vezes sem conta, sabia diálogos inteiros.

Faz muito tempo que não vou ao Cine Brasília. Passei de carro em frente ao cinema na manhã de hoje, voltando do dentista. Mudaram a cor. Era bege, depois mudaram para amarelho queimado. Agora está um vermelho quase roxo, bonito, combina com o tempo nublado que anda fazendo.

Houve um tempo em que eu conseguia imergir com facilidade num filme. Hoje em dia isso é raro. Acontece mais com os desenhos animados do cinema, que vejo com as crianças, do que com os filmes adultos, que vejo com a minha mulher.

Para se ter uma idéia, chorei de verdade com Toy Story 3, na cena em que o Andy se despede do Woody. O discurso do garoto me emocionou profundamente. Mas não dei bandeira, disfarcei bem. Quero dizer, disfarcei melhor do que o sujeito que estava à minha frente, que soluçava de bacada costela-de-vaca, bou-ou-ou-ou, pior do que o Obelix interpretado por Gerard Depardieu.

Outro dia encontrei Cat People numa loja. Em português é A Marca da Pantera, não precisa ir ao google. O legal é que no livro O beijo da Mulher Aranha aparece uma bela descrição do Cat People original. Também marcaram: Laranja Mecânica(Cultura Inglesa), O enigma de Kaspar Hauser(Cultura), Berlim Alexanderplatz(passei uma semana no auditório da Caixa) e um filme superfantástico que assisti no cinema da UnB chamado O Ilusionista, dica dos amigos Salimon e Dulcídio. Talvez a memória tenha truncado esse título, nunca encontro informação sobre ele na internet. O que me restou é a vontade de entender melhor esse filme, cheio de imagens emocionantes, parecidas com as de um sonho, sem diálogos, só música e efeitos sonoros. Esse foi, sem dúvida, o que me deixou mais tonto e curioso, o que tenho vontade de rever até hoje. Ao mesmo tempo, tenho medo de rever e achar uma grande bobagem.

No dentista, enquanto esperava fiquei observando uma reprodução ampliada de um Van Gogh. Achei uma bela coincidência, pois estou obcecado com os 37 auto-retratos que localizei do VG na internet, veja lá no meu blog de desenhos. Não me lembrava desse quadro entre os 2138 dos trabalhos listados do VG, sendo 849 pinturas. Considerando que o cara trabalhou como pintor somente durante 10 anos, é possível dizer que teve uma produção considerável. O que também me faz lembrar de um filme em que VG foi interpretado por Kirk Douglas. Depois vi um outro, em que ele era encarnado por Tim Roth. Ambos marcantes. Mas esses filmes vi na TV.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dez LPs que eu curtia muito

1 - Goodbye Stranger - Supertramp
2 - Blue - Joni Mitchel
3 - The Wall - Pink Floyd
4 - London Calling - The Clash
5 - Who´s Next - The Who
6 - Shoot Out At The Fantasy Factory - Traffic
7 - Secos e Molhados - 1973
8 - A Arte de Caetano Veloso - Caetano Veloso
9 - Pérola Negra - Luiz Melodia
10 - A Night at the Opera - Queen

Não eram apenas esses, é óbvio. Fiz essa lista rapidinho, com as primeiras coisas que apareceram na cabeça. Não estão na ordem de preferência, escutava muitos LPs várias vezes durante a semana. Escutava de pé, na sala do apartamento, em frente ao aparelho de som que meu irmão foi cuidadosamente equipando, com as aquisições escolhidas a dedo e às custas de muitas economias e pechinchas. Pick-up Technics, receiver Sanyo, Caixas Technics e um Tape-deck Technics. Dicas preciosas de um vizinho que sabia tudo sobre alta fidelidade, Seu Mário Malafaia, que morreu no vôo Gol 1907, lembrei dele no Dia de Finados. Meu irmão seguiu as orientações do Seu Mário à risca, depois de leituras superatentas da revista Som Três. Muito tempo depois minha irmã acrescentou um CD Player da Marantz.

Se houvesse alguém em casa eu colocava os fones de ouvido, que eram enormes e tinham almofadas forradas de couro de verdade. Às vezes eu acompanhava as músicas aos berros. Minha mãe só não enlouquecia porque o barulho da máquina de costura ajudava a abafar o ruído do rock´n´roll. Uma vez quase morri de vergonha, meu pai chegou do trabalho mais cedo, acompanhado de um colega. Imerso e absorto na música, de olhos fechados e fones, quase morri de susto quando percebi que os dois estavam ali, rindo de mim escutando rock e cantando em inglês fajuto. Queria ainda ser capaz de mergulhar e imergir em música daquele jeito, mas talvez seja impossível.


Dizem que a gente só canta quando está feliz. Ou só se é feliz se você puder cantar. Não sei. Na dúvida, tenho cantado bem baixinho. Vai que uma coisa puxa a outra...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Da missa não sei a metade

Perdi. Eles venceram. Mas não vou aqui tratar de chorumelas. Nem bancar a Cassandra com o vaticínio de calamidades e catástrofes. Paciência. Também não vou mentir que torço para que dê certo. Torço nada. Fico indiferente. Farei cara de paisagem para as declarações destemperadas, para o português claudicante, para a incapacidade de expressão, para a ausência absoluta de autonomia de vôo e para o assembleísmo bestificado. Também faço cara de paisagem para a falta de entusiasmo dos vencedores.

Uma vez falei sobre um chefe que vivia com as frases penduradas, os subordinados se apressando a tentar assoprar palavras e completar idéias que o sujeito não tinha. Era um espetáculo e tanto observar os cupinchas se apressando a completar frases irrelevantes com verbos, predicados e estrofes inteiras que o sujeito não dizia. Era extraordinário observar essa pessoa exercer seu poder sobre aquela chusma de gente ansiosa por agradar. Ele matreiramente só assumia a autoria das idéias bem sucedidas.

Mas no início eu gostava do sujeito, achava que era um bom chefe. Lembro que uma vez esse sujeito flagrou o meu olhar e se viu descoberto, seu estratagema de poder e manipulação bem sacado nos meus olhos. Só para ter certeza, ele dispensou a chusma de bajuladores e me pediu para esperar um pouco, a pretexto de conversar sobre um assunto qualquer. Em seguida, quando estávamos sós, começa o sujeito com a ladainha de sempre, deixando frases pela metade, cortando palavras no ar para que eu completasse. Deixei que morressem em silêncio as frases e palavras que ele queria que eu inteirasse.

Alguma outra coisa morreu naquele dia. Nunca mais nos tratamos como antes. Outras coisas aconteceram, crises econômicas, eleições e empregos. Esqueci do assunto. Durante muito tempo eu me perguntei sobre o que poderia ter acontecido para nos afastar. A memória prega peças na gente, a cabeça gosta mesmo é de guardar coisa boa. Uma vez cheguei a telefonar para a figura no dia do aniversário, como se ainda fôssemos amigos. Fui tratado com uma fina e fria educação. E até mesmo disso me esqueci.

No dia das eleições, eu revi esse chefe. Ele e sua barriga. Flanava lá longe. Quando me aproximei para cumprimentá-lo, esboçou o sorriso constrangido de quem se esqueceu do nome de quem lhe aperta a mão.

_Rapaz, há quanto tempo?! – ele disse.

_ Como vai? - eu disse, soletrando cuidadosamente cada sílaba do seu nome para lhe mostrar que a minha memória é melhor do que muita ingratidão que existe por aí.

_Tem oito? Dez? Quinze anos? – ele disse.

_Sim, estou bem, obrigado – eu disse.

E ainda sem desistir, ele perguntou para um outro sujeito que o acompanhava.

_Você se lembra dele, Júlio? É o Ca...? É o Ca...?

_Ca...reca, Chefe! – emendou o Júlio.

Júlio ainda não sabe da missa a metade. Nem eu. Muita gente boa não sabe.

Frase do dia