quinta-feira, 31 de maio de 2012

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Canseira

Um dos heróis da minha infância foi o Didi, dos Trapalhões. Eu sabia aquele nome inteiro do personagem do Renato Aragão. Eu o imitava dizendo ei, psit e ô da poltrona. Eu também deixava as coisas cair no chão para falar com alguém sobre alguma coisa que ninguém mais poderia ouvir, mas que todos poderiam escutar. Eu também queria me dar bem no final de todas as piadas.

Didi foi provavelmente o sujeito que arrancou minhas mais sinceras risadas infantis. Mais do que Jô Soares. Mais do que Chico Anysio. Mais do que o Trinity de Terence Hill e Bud Spencer. Mais que Jerry Lewis. Mais do que Chaplin e qualquer outro comediante do cinema e da TV. Didi e os Trapalhões foram os campeões que forjaram o meu senso de humor durante o final da infância e da adolescência.

Didi era a encarnação do Jeca na cidade, era o Malasarte com tiradas desmoralizantes: Audácia da pirombeta! Machucou, Santa! Hum, mas que rapaz feliz! Didi foi um dos poucos sujeitos que conseguiu me deixar bem humorado e predisposto ao riso durante um período de pelo menos seis anos. Mas um dia aquele humor simplório deixou de me agradar. E pior, muitas vezes comecei a achar o personagem chato e grosseiro. Didi deixou de ser um campeão do riso para mim. Ficou sem graça. Não era culpa do Renato Aragão. Ele ainda conseguia fazer muita gente rir. Era o personagem Didi que havia se esgotado para mim, só isso. Eu me cansei das imitações. Daquela coisa boba de pegar um lápis e jogar no chão, ao lado do sujeito, dizendo "Caiu aqui, caiu aqui". Parei de rir daquela coisa de fazer o Dedé de bobo, quando ainda havia Dedé no programa, antes do alcoolismo e da redenção religiosa. Cansei de ver o Didi derrubar a peruca do Zacarias ou esconder a garrafa de cachaça do Mussum.

Talvez aquilo tudo estivesse mesmo datado e pronto para ser superado. Didi, o Malasarte nordestino, retirante com resposta pra tudo e muita ginga para vencer qualquer um, inclusive os ricos e poderosos. Dedé, a escada pronta para ser pisada, o auxiliar direto da maioria das piadas. Mussum, o bêbado incorrigível e feliz. Zacarias, o maricas com o coração de ouro.

Acho que isso também aconteceu com o próprio Renato Aragão. Cansou do personagem.

Coloco o ex-presidente na mesma categoria dos humoristas superados. Há anos me cansei do seu lero-lero e das suas bazófias, simplesmente não tenho mais paciência para suas futricas e baixarias. Vejo com preocupação que ainda recebe muito apoio. Mas depois fico observando melhor e vejo nas declarações de muita gente aquele quê de tolerância que costumamos reservar para alguns coitados. Acho que ele sempre se aproveitou disso.






A nota que confirma o achaque


Leia aqui a nota que confirma o achaque sistemático aos ministros do supremo.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Todos ao detector



Gente, vamos falar sério. Ninguém falou o que disse, embora todo mundo saiba que o que foi dito tenha sido realmente dito. Não é verdade que ninguém está mentindo e que todos os que mentem também possam falar a verdade de vez em quando, embora isso seja pouco usual pelo menos para um dos três. Vamos dar nomes aos bois. NJobim não mentiu quando disse que não houve encontro marcado, pois confirmou o encontro. Então, o encontro ocorreu. GMendes não mentiu quando disse que ouviu o que lhe disseram, mesmo porque escuta bem. E o terceiro, bom, este nunca faltou com a mentira, digo, verdade.

Então estamos em um impasse. Um diz que não se falou em adiamento e que isso é conversa mole do outro. Aquele ali disse que não é bem assim, que talvez não tenha sido dito nada. E o outro, o que disse que houve uma conversa sobre adiar o inadiável, confirmou tudo o que é inadmissível.

Esta é uma época estranha. Na semana passada, um ex-ministro da justiça se sentou ao lado de um notório contraventor que já está preso para apoiá-lo a ficar mudo, ao invés de negociar uma delação premiada para ao menos tentar abreviar a sua condenação. Nesta semana, tivemos notícia de que um ex-ministro do supremo abre seu escritório para encontros furtivos entre políticos e magistrados. Eles conversam sobre coisas do arco da velha que só chegam ao conhecimento público na forma de escândalo, um mês depois.

Ninguém acha nada disso esquisito porque a economia vai bem, ensinam os marqueteiros. Suuuper-bem. Na América Latina, estamos na rabeira do crescimento, é um espanto. A inflação está só em 4,5% e subindo. O desemprego está em dois dígitos mas só para quem tem curso superior. O dólar está subindo mas isso faz muito bem para nossas exportações. A inadimplência e o endividamento da população são recordes, mas isso é efeito do choque de crédito. Você trabalha cinco meses só para pagar impostos e não conta com infra-estrutura, transporte, hospitais, escolas e segurança com um mínimo de qualidade na sua cidade. Então está tudo bem e melhorando ainda mais, não é mesmo?

Vamos aos fatos. Este não é um país atrasado, é um país tão inovador que poderá criar a figura do impeachment de um ex-presidente. Nossas instituições são mais sólidas que o solado de uma havaiana. A sexta economia do mundo é tão rica que se propõe a combater a pobreza que o governo anterior disse que havia exterminado e registrado em cartório.

NJobim já se disse cercado de idiotas e que votou em outro. Mendes tem pelo menos dois episódios controversos: o hábeas corpus rapidíssimo para DDantas e o voto tripartite em que absolveu Pallóuci e condenou o presidente da Caixa na quebra do sigilo do caseiro. O ex já contou inúmeras lorotas e bravatas. E também pediu desculpas por ter sido traído. De uns tempos para cá jura que não existiu o que levou SilviLandRover a cumprir pena e DuMendonça a confessar, aos prantos, que sim, estocava a grana não contabilizada que recebeu de um carequinha pela campanha em paraísos fiscais.

Cada um dos três indivíduos possui um histórico de declarações controversas e sofre de falastrofismo agudo. Prestariam grande serviço a todas as torcidas do Brasil se a partir de agora só fizessem novas declarações atrelados a um detector de mentiras.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Inferno



The Link Quartet - Purple Haze

O inferno existe, isso é inquestionável. Às vezes eu tenho medo de ir para o inferno quando eu morrer. Eu não sei como é para vocês, mas para mim o inferno não é só um lugar quente. Também é frio e coberto de neve, igual a uma vez em que o carro quebrou e tivemos que empurrar o Subaru para fora da pista. Tudo era tão escorregadio e gelado. Bati tanto o queixo que fiquei com dor de dente por uma semana. Quando chegamos em casa, enfiei os meus pés dentro do forno elétrico. Não adiantou muita coisa, o frio só passou quando entrei debaixo do chuveiro quente. Mas na maioria das vezes em que penso no inferno, acho que ele é quente, de um calor bem tedioso, chato.

Onde tem inferno, tem demônios, isso é lógico. Eu não sei como são os demônios de vocês, mas para mim eles não são vermelhos, nem têm rabos e chifres. Um monte deles usa barba, é verdade, mas também existem os que não usam barba e nem cavanhaque, só um bigodinho fininho de cafajeste. E também, é claro, existem os que ficam ali fingindo que estão de cara limpa. Não é bom falar de demônio e nem de capeta. Todo mundo conhece aquele dito "falando no diabo, ele aparece" e só isso já bastaria para a gente mudar de assunto, mas eu estou ficando velho e embora tema o inferno, não me assusto muito com gente má.

Outro dia tive um sonho ruim, daqueles de acordar suado e triste. Neste sonho eu já estava no inferno e não havia maneira de sair dele. Eu já estava lá há muito tempo, não me lembrava mais como havia ido parar ali. O que me chamou a atenção é que não havia muita diferença daquele inferno para a cidade em que eu moro. Parecia a capital. Os demônios pareciam com gente comum, ninguém tinha nada de especial. Tinha uns caras com tatuagem, mas isso não chama a atenção nem no inferno, é verdade. E ali, no sonho, eu fazia uma digressão bem longa, pensando em como seria tatuar um nome em letras góticas no meu braço esquerdo, os meninos no parque olhando para mim e dizendo baixinho um para o outro:

_Olha o véio tatuado, véi!

E quando eu olhava por cima do meu ombro, lá estava o meu amigo Cabeça cantando aquela musiquinha que os Trapalhões não tinham vergonha de cantar para as crianças na noite de domingo, logo depois que eu voltava da missa na Igrejinha:

_ô mãe eu quero me casar! - dizia o Zacarias, vestido de noiva.

_ô minha filha, ocê diga com quem - dizia o Didi.

_Eu quero me casá com o Marlon Brando...

_Com o Marlon Brando ocê não casa bem.

_Por quê, papai?

_O Marlon Brando amantegou a Maria Schnáider e depois vai amantegar você também....

Zacarias colocava a mão sobre a boca e dava uma risadinha.

No inferno, é claro, eu misturo tudo, não tenho foco e perco o sentido.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O disco inteiro




new order - love vigilantes

É possível encontrar os discos completos dos Beatles no Youtube. Escute aqui, por exemplo, o Sargento Pimenta inteiro. No final, alguma coisa está sendo tocada ao contrário, confira.

Faltou água hoje à noite aqui em casa. Fiquei subindo e descendo escadas à procura do problema. Conferi os registros. Testei todas as torneiras e descargas. Um mistério. Achei que o fornecimento tinha sido cortado, fiquei revirando os arquivos para ver se encontrava o comprovante de pagamento. Está em débito automático. Depois de uma hora, consegui encontrar o comprovante. Tudo ok. Fiz nova vistoria e necas. Só depois que a minha mulher chegou com as crianças é que descobri que a Rose havia fechado o registro geral. O mais óbvio nunca me ocorre. Rose é a secretária-babá-cozinheira-universitária que trabalha aqui em casa. Ela só se reporta à minha mulher, no que faz bem. O problema foi que a Rose fechou o registro geral por causa de um vazamento no vaso do banheiro dela. Corri para o banheiro para verificar a situação. O registro do banheiro estava aberto, conforme eu já havia verificado. Não era vazamento. A válvula da descarga tinha travado. Com isso, toda a água da caixa foi para o ralo e nenhuma água entrou durante toda a tarde. Ou seja, mais uma super-conta de água virá no próximo mês. Quando abri a torneira geral juro que escutei o barulho de uma caixa registradora. Money, that´s what I want.

Durante o dia fiquei bastante tempo na oficina e não me lembro de ter visto a Rose fechar o registro. Talvez ela tenha feito isso enquanto fui levar meu filho para a aula de inglês.

Montei um outro banco rústico para a área externa. Já me perguntaram se só sei fazer coisas rústicas. Respondi que eu costumo usar sobras de madeira ou peças de demolição. Fora algumas tábuas de pinus reciclado, não me lembro de ter comprado madeira. Usei as tábuas para fazer armários que usamos como criados-mudos nos quartos e também prateleiras na oficina e escritório. Ah, também fiz um armário que pintei de azul claro e vermelho para guardar ferramentas. Durante anos comprei as ferramentas que uso. A principal, no entanto, foi um presente do meu irmão: uma serra de esquadria. Fiz o banco rústico com três tábuas de um píer e uma vigota de um antigo telhado. Gastei muito tempo lixando e limpando as peças. Algumas partes estavam bem estragadas, usei massa de madeira F-12 para tapar trechos muito ruins. Amanhã terei que lixar e passar um verniz marítimo à base de água no tal banco. O fabricante diz que o produto protege contra os efeitos do sol e da chuva. Tomara. O banco vai ficar a descoberto.

A chuva de anteontem prejudicou muito a secagem da base da mesa. Talvez amanhã tudo finalmente esteja seco.

Experimentamos hoje um novo lugar para o peixe Beta. Amigos nos disseram que o aquário deve ficar em lugar com pouca luz para que fique limpo por mais tempo. Tem a ver com a proliferação de fungos e plantas. Quanto mais luz, mais trocas de água serão necessárias. Bom, não custa nada experimentar.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Mal na fita



China Anne McClain - Dynamite


Choveu um bocado no final da tarde, o que me fez pegar um engarrafamento terrível na volta com as crianças da aula de judô. Preciso trocar os CDs que estão no carro, já escutei todos um zilhão de vezes e as crianças já não agüentam mais. O ipod está com um monte de músicas que eles gostam, mas quase sempre esqueço o aparelho em casa, espetado no carregador.

Algumas pessoas insistem em serem grosseiras e tentam furar a fila no último instante. Às vezes esses trapaceiros ainda têm coragem de buzinar. Aqui na cidade, buzinar é considerado um ultraje.

Acabou o gás, comprei dois botijões por cem mangos. Dizem que não há cartel no setor, mas todos eles cobram o mesmo preço. Deve ser coincidência.

Procurei notícias sobre a CPI do Cachoeira. O sujeito não disse nada. Fizeram um monte de salamaleques para o advogado do bandido, que coisa feia. Estamos muito mal na fita, eu penso. Onde está a polícia do Karma? Estamos condenados a perder as esperanças a cada geração? O surrealismo da nossa realidade deixa qualquer esforço imaginativo no chinelo.

Houve uma época que eu queria ser poeta. Mas quando eu era menino eu queria ser dentista, porque meu padrinho era dentista. Prático. E com grande clientela. Depois eu quis trabalhar no zoológico. Também quis ser astronauta e cowboy. E skatista. Hoje eu luto para vencer o sono.

Verdade

O Prof. Marco Villa analisa a Comissão da Verdade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Faz frio em Brasília



New Order live, 1984, 'Temptation'

As noites agora estão bem mais frias, é preciso usar um cobertor bem grosso ou um edredom. As crianças dormem com pijamas de flanela. Minha mulher dorme de pijamas. Eu uso moletom e meias. Rafa dorme com um cobertor sapeca-fulô. Beta, a peixinha beta, fica parada no meio do aquário, acho que peixes não dormem. Pela manhã, o gramado do quintal está coberto por uma fina camada de gelo. À noite, o sono chega mais forte, é mais difícil manter a concentração e escrever. Noites frias combinam com cama e chocolate quente. De madrugada, uma das crianças certamente virá para a nossa cama. Elas parecem ter combinado um revezamento. Ontem foi a minha filha. Anteontem, o meu filho. Eles não ficam parados e às vezes é preciso acordar e pegar um cobertor que caiu no chão. Os dois dizem que tiveram pesadelos, mas nunca se lembram do que os afligem. Talvez seja só o frio.

Finalizei hoje os dois pedaços de troncos. Um deles é alto demais, o outro ficou bom. A piscina está dois azulejos abaixo do nível ótimo. O piscineiro joga muita água fora na filtragem. Minha conta de água veio muito alta. Nós reforçamos o discurso ecologicamente correto que as crianças assimilam na escola na hora do banho. Desperdício de água é uma agressão à natureza. Proteja o meio-ambiente, tome um banho rápido. Feche a torneira quando estiver ensaboando. Faça xixi enquanto está no chuveiro. As crianças acham graça. Eles pedem que eu lave os seus cabelos. Faço isso desde que eram bebês. Os primeiros banhos fui eu que dei, dentro de um balde transparente, a água na temperatura mais gostosa. As primeiras fraldas de pano, a limpeza do umbigo com cotonete até que a ponta cortada secasse e caísse. Os banhos de sol bem cedo. Às vezes tenho saudades. Mas também me lembro de acordar assustado e correr para ver se estavam mesmo respirando, enquanto dormiam no berço.

Eu e meu pai conversamos pela manhã. Lembramos de um tempo em que ele andava à noite com um tijolo e uma lamparina nas mãos. Havia muitas aranhas nessa casa onde moramos quando eu era um menino, numa cidadezinha na beira do rio Araguaia. Por coincidência, hoje à noite as crianças vieram correndo me chamar por causa de uma aranha gigante que havia entrado na cozinha. Pensei logo nas caranguejeiras que o meu pai caçava em casa e corri para ver a tal aranha. Era pequena, varri a danada para fora de casa. Na varanda, um silêncio como há muito não havia.

O tempo parece andar mais depressa com o frio.

domingo, 20 de maio de 2012

Cena de um filme



Etta James - Damn your eyes

Nesse filme que eu vi de madrugada tinha uma cena legal e chocante. É um filme meio do tipo que você já viu, com um cara muito calado, mas que é do bem. A partir da primeira cena você já sabe que o cara é do bem, é o mocinho. Ele tem a postura e os sapatos certos, não importa. Você sabe que provavelmente ele não irá morrer, não no início, pelo menos. Talvez seja o olhar, não sei. Você olha para o sujeito e já sabe que ele carrega um grande segredo e que pode ser violento e imprevisível. Talvez eu também queira ser assim, talvez eu queira confiar no meu instinto como aquele cara do filme. Pode ser que seja isso que me faça de alguma maneira me identificar com o personagem, que me faça gostar dele. E há também a mocinha, a heroína. Ela usa cabelo curto, chanel, é loira e tem um sorriso enorme e maravilhoso. É linda, frágil, carente e tímida. Eu gosto dela e a acho atraente desde a primeira cena. Talvez os estúdios de cinema façam pesquisas para descobrir o que os homens acham de mulheres de cabelos curtos. Ou talvez sejam os olhos dessa atriz. Ou a boca. Não sei. O que importa é que desde a primeira cena você sabe que os dois vão se apaixonar. E este não é um filme romântico, é um filme sobre bandidos, com tiros, lutas, violência e perseguições de carros. Mas você sabe também que é em filmes assim que as cenas românticas são mais românticas.

A cena legal e chocante acontece dentro de um elevador. Eles estão conversando no corredor do prédio onde moram. O filme já passou da metade e caminha para um final com muita ação, você sabe que a qualquer momento as cenas de grande impacto vão começar. Os dois estão saindo e a verdade é que tudo está desmoronando nesse momento do filme, os dois já sabem que não vão ter a chance de ficarem juntos e que qualquer esperança de final feliz está descartada. É sobre isso que conversam no corredor. É tudo impossível, é o fim, mas ainda não querem desistir, não aceitam a separação. Bom, talvez ele aceite, mas não quer dar o braço a torcer. Ela ainda está aturdida, são muitas notícias ruins, talvez não entenda direito o que aconteceu.

E o que acontece é que o elevador acaba de chegar e há um homem dentro dele. Está de chapéu e terno. É um matador e veio matar a mulher de cabelo curto. Ele pergunta qual é o andar e o mocinho sabe que ele é um assassino desde o primeiro instante. Mas a mulher de cabelo chanel não tem essas manhas, ela entra no elevador e aí o mocinho também entra. Então estão os três dentro do elevador. O casal que sabe que não tem mais um futuro e o matador. O elevador está subindo ou descendo, mas já não importa porque agora a câmara está no nível dos olhos de cada um dos três. E você vê que o matador está escolhendo o melhor momento para sacar a arma e matar a dupla de amantes. E também que o mocinho já viu a arma do bandido e está pensando no que vai fazer quando o sujeito sacar a arma. A mulher de cabelos curtos não parece saber ou se importar se a sua vida está em perigo. De qualquer forma, ela não está bem, está desconsolada. É então que acontece o beijo.

A cena é feita em câmara lenta. O mocinho está à esquerda, a mulher de cabelos curtos está ao centro, colada na parede de fundo do elevador. O bandido está à direita, na mesma linha do mocinho. O herói estica o braço esquerdo e puxa a mulher para as suas costas, gira e a beija longamente. É o primeiro e único beijo dos dois. O beijo termina quando o elevador chega ao térreo e é nesse instante que o bandido saca a sua arma. Rapidamente, o mocinho o derruba no chão do elevador e o mata a chutes ali mesmo, como se pisoteasse uma barata, sem a menor piedade. A mulher de cabelos curtos está fora do elevador os dois se olham. Ela está chocada, horrorizada e ao mesmo tempo feliz por estar viva. Os dois se olham e a porta do elevador se fecha.

sábado, 19 de maio de 2012

Sobre rodas



Empire Of The Sun - Walking On A Dream

Implantei uma metodologia de trabalho aqui em casa que é seguida à risca. Eu faço algumas coisas de madeira e, se a minha mulher aprovar, aquilo vira móvel da casa. Se ela não aprovar, a coisa poderá ser transformada na oficina ou virar item de fogueira. O índice de aprovação é inferior a trinta por cento, mas quem está contando? Agora mesmo acabei de emplacar a aprovação para um dos troncos com rodas em que trabalhei durante a semana. A idéia é utilizá-lo como mesinha auxiliar ao lado do sofá, na sala.

_Você gostou? - eu disse.

_Mas está torto! - disse minha mulher.

_Isso quer dizer que você não gostou?

_Ficou interessante, mas seria melhor se ele não estivesse inclinado.

_Posso deixar ele plano com a ajuda de um calço entre a base da roda e o tronco.

_Por quê não coloca o tronco sobre uma tábua?

_Pensei nisso, mas acho que ficaria feio, é muito contraste - eu disse.

_Bom, se você conseguir consertar, o tronco pode ficar - disse minha mulher.

_Tem certeza? - eu disse.

_Tenho. Mas de qualquer jeito, o tronco tem rodas. Se eu mudar de idéia é só empurrar ele para fora de casa.

Tenho um monte de coisas construídas sobre rodas aqui em casa. Reparando bem, o índice de aprovação de coisas construídas sobre rodas chega a quase 100%. Facilita bastante a arrumação e a limpeza. E sempre é possível empurrar tudo de volta para a oficina ou até a lareira.





quinta-feira, 17 de maio de 2012

Chuva púrpura



Etta James - Purple Rain

Terminei hoje a colocação de seixos brancos debaixo da jabuticabeira. Ficou bonito, modéstia à parte. Também lixei os dois troncos e coloquei as rodas em um deles. Será necessário acertar a altura. Isso é bem difícil, porque não há serra que dê conta da largura desses pedaços de árvore. É preciso fazer muitos pequenos cortes com a serra elétrica de 10 polegadas e depois recortar com formão e martelo. É divertido, mas demora. O menor dos troncos não dará tanto trabalho. Amanhã termino de colocar massa de madeira em algumas partes ruins e quando tudo estiver seco passarei o verniz. Também deu tempo para comprar mais cactus e revisar a lixação da pérgula. Com um pouco de sol, será possível envernizá-la. Com isso, faltará apenas concluir a pintura das paredes para completar a lista de projetos que fiz no início do mês. A parede já está impermeabilizada e aproveitei para mais uma mão de pintura no piso da oficina. Acho que melhorei a configuração dos móveis, transformando uma das bancadas em base para a serra de esquadria. Fiz ainda uma base com rodas para a serra de bancada e dei um fim a todas as madeiras para a lareira. Estou cansado fisicamente e pouco concentrado. Mas me sinto bem.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Chifres de veado



Moby - Go

Nós vivemos num país fantástico, todo mundo sabe disso. Aqui tem tatu(será mesmo o mascote da Copa?). Tem paca. Preguiça. Cotia. Anta. Tamanduá. Quer bicho mais esquisito que tamanduá? Um bicho especialista em comer formigas, com uma língua fina, longa e grudenta.

E não é só bicho esquisito. Tem frutas estranhíssimas. Caju. Graviola. Siriguela. Jenipapo. Sapoti. Jabuticaba. Tucum. Macaúba. Ingá. Cajá. Todas deliciosas e perfumadas, de vida brevíssima, não duram dois dias no fruteiro. De vez em quando, na época certa, é possível encontrar alguma delas no supermercado ou então no CEASA. Houve uma época em que íamos todos os sábados para o CEASA, comprar frutas e verduras frescas. Mas minha mulher agora também dá aulas aos sábados e eu acho chato ir ao mercado com as duas crianças.

Além dos animais e das frutas, existem também as plantas super-estranhas, com os nomes mais estapafúrdios que se possa imaginar. Para ficar só nas plantas do cerrado, aqui pertinho de casa tem Sucupira, Pau de Espeto, Unha-de-vaca, Bolsinha-de-pastor, Lobeira, Xixi-de-Macaco e Erva de passarinho. Bom, talvez a xixi-de-macaco não seja daqui, não importa, o nome é bem estranho.

Por isso, no meio dessa profusão de esquisitices e estranhezas, não me melindrei quando a minha mulher resolveu que colocará apenas uma planta específica naquele porta-vasos que construí e grudei bem parafusado na parede dos fundos do casa.

_Como é mesmo o nome da planta, amor? - eu disse. Minha memória está cada vez pior, dizem que é falta de cerveja.

_Chifres de veado - ela disse.

_Ah. E pode colocar umas orquídeas ou uns vasos com outras plantas?

_Não. De jeito nenhum. Vai ter só chifres-de-veado.

_Sei - eu disse. E eu ia falar mais alguma coisa, aquilo parecia uma mensagem cifrada. Mas não deu tempo.

_Por quê? Não gosta da idéia? - ela disse.

Meu alarme tocou na hora, igualzinho ao robô de Perdidos no Espaço. Pe-ri-go! Pe-ri-go!

_Longe de mim. Acho que é uma boa, os chifres vão ficar lindos - eu disse.

E depois, quando recebemos visitas uns dias mais tarde, todos olharam para o porta vasos e quiseram saber o que estávamos planejando fazer com aquilo.

_Bom, minha mulher está querendo plantar ... hum, como é mesmo o nome da planta, amor?

_Chifres de veado - ela disse.

As visitas se entreolharam. Disfarçaram, mudaram de assunto, falaram de futebol, da instalação da comissão da verdade, de vaias, da alta do dólar, da tungada na poupança, da cpi do Cahoeira, um monte de coisas. E então, fizeram a pergunta.

_Por quê? - eles disseram juntos, como se fosse um jogral.

_O quê? - disse a minha mulher.

_Por quê chifres-de-veado?

_Gosto da planta. Acho bonita, não importa se tem um nome esquisito - ela disse.

_Sei - eles disseram, e olharam para mim, como se eu tivesse a obrigação de explicar alguma coisa.

E como eu não disse nada, os dois trocaram um novo olhar, como se dissessem que aquilo era mesmo culpa minha. E então falamos da crise do Euro, da nova dieta, da volta da inflação, da queda na produção industrial, do minha casa minha dívida, do país rico sem pobreza, da venda da construtora e do fim do trema.

_Não me conformo até hoje. Morreu antes que eu aprendesse a usar - disse a visita.

No domingo, fomos passear no shopping e ficamos vendo vitrines. De repente, minha mulher apontou para um vaso muito bonito sobre uma mesa.

_Você sabe que planta é aquela? - ela disse.

_É a tal?

_Ela mesma.

_Vai ficar bacana lá em casa - eu disse.

Comissão da verdade


Artigo histórico e super atual do Prof. Villa.

(...) criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo.(...)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Despojamento



Moby - In This World

Caiu uma chuva fina e preguiçosa no início da noite. Mais uma vez, não pude usar tinta e verniz. É que mais cedo também chuviscou. Aproveitei para um dia de limpeza na oficina, com nova organização das mesas e ferramentas. Também tratei de lixar um pouco os dois pedaços de tronco que pretendo usar como mesas auxiliares na sala, caso fiquem bons. Usei uma esmerilhadeira. Retirei a capa de metal e fiz uma base de madeira para adaptar uma lixa grossa, número 36. Gosto de comprar a lixa já cortada em círculo, cada unidade custa 3,50. É feita de um silicato qualquer muito bem colado em tecido. Vale mais a pena do que uma folha de lixa A4, que é basicamente areia colada em papel. Essa lixa que eu gosto é para uso industrial, aguenta o tranco. E para remover casca estragada de tronco é super boa. Os dois pedaços de tronco são muito pesados, tomara que as rodas aguentem. Cada uma, de acordo com a etiqueta, suporta até 60 kg. Eu pretendia lixar totalmente os dois troncos, que coloquei do lado de fora da oficina, a descoberto, mas começou a chuviscar e tive que parar. Usei máscara porque a máquina provocava uma nuvem de pó. Foi então que eu comecei a faxina na oficina. Usei um pano limpo e seco. E o aspirador de pó. Gosto de usar esse aspirador como um soprador, basta acoplar a mangueira na saída de ar. Soprar é mais rápido.

Nesta semana tenho escrito pouco, a cabeça cheia de idéias demais, tudo fora de foco e sem objetivo. Tenho pensado muito em desenhar, mas também tenho desenhado pouco. Estou com a idéia fixa em mapas. Uma vez fiz um desenho do mapa do percurso que eu fazia quase todos os dias para encontrar a minha mulher, quando éramos namorados. Eu gosto desse desenho, mas o perdi. Perdi tantas coisas que gosto, nem sei mais por onde começar a procurar. A série de mapas que comecei a desenhar na minha cabeça inclui o mapa do local em que tive um acidente de carro, o caminho que percorri quando meu filho nasceu, o lugar onde quebraram o meu nariz e onde partiram o meu coração mais de uma vez. Tenho tentado fugir do que me parece literário e procurado escrever de uma maneira despojada. Faço isso não para estabelecer um estilo próprio, muito pelo contrário, a idéia é só escrever sem firulas e cacoetes. É incrível a quantidade de clichês que observo em minhas frases. E mais uma vez, a idéia não é vetar o clichê, mas podá-lo sempre que possível.

Às vezes tenho medo de estar perdendo tempo precioso, refletindo sobre as coisas que acontecem em minha vida. Houve uma época em que eu me preocupava em extrair lições ou arrancar algum significado no amontoado de banalidades que acontece todos os dias, mas desisti. Hoje me considero incapaz de estabelecer um sentido nesse emaranhado caótico de fatos. E pensar assim soa pomposo, parece uma espécie de modéstia cuidadosamente despretensiosa.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Andando com o cachorro



The Crowns - Walking the Dog

Projetos em marcha lenta. O dia ficou bastante nublado, não tive coragem de pintar nada.

domingo, 13 de maio de 2012

Coisas que quero fazer



Empire Of The Sun - We Are The People


Fico pensando nas coisas que eu quero fazer antes do mês acabar. Falta pouco para concluir os reparos na casa, tudo já está bem encaminhado. Nesta semana termino o trabalho na pérgula com a aplicação do verniz marítimo. Existem alguns vernizes à base de água no mercado, será uma questão de escolher o mais adequado. Já fiz a impermeabilização da parede externa, amanhã passarei uma camada de massa acrílica para nivelar. Tenho a intenção de pintar com uma cor clara, com uma faixa de graffiato. É trabalho para uma manhã ou tarde. Se ficar legal, pintarei outra parede. Caso fique horrível, não terei alternativa senão chamar um pintor em junho, ou julho.

A organização da oficina está sendo feita aos poucos. Estou com duas bancadas grandes e pouco espaço. Vou precisar optar. Uma das bancadas foi feita com uma base do antigo armário do banheiro da casa e um tampo, que por sua vez era o fundo em MDF de um outro armário que havia na área de serviço. É um Frankenstein branco, onde construí um monte de coisas. A outra bancada é mais pesada, fiz a base com as vigas de um telhado. O tampo é uma peça grande de pinus reciclado que comprei quando não estava em alerta vermelho nível cinco. As duas bancadas têm rodas de 6 polegadas e podem ser facilmente movimentadas.

A colocação dos seixos brancos no perímetro da jabuticabeira também será concluída amanhã, ou no máximo na terça-feira. Falta apenas comprar e transportar mais pedras. Com isso, concluo o trabalho no quintal. Ao mesmo tempo, surgiu uma idéia nova a partir de uma foto vista numa revista. Nesta foto havia um cepo bem lixado e envernizado sobre rodas grandes servindo de mesa auxiliar ao lado do sofá. Achei bonito e acontece que tenho um pedaço de tronco quase cilíndrico à espera de lixa e verniz no fundo do quintal. Também tenho quatro grandes rodas de 6 polegadas. Talvez faça algo parecido.

Estou perto de concluir a edição do livro de textos do blog. A verdade é que ando enrolando esse trabalho porque às vezes a leitura de coisas que já escrevi inibe a criação de coisas novas. Ou pior, às vezes dá vontade de reescrever textos que já publiquei. Não sei por quê, mas isso me parece tão desonesto quanto dizer que o mensalão não existiu, que a mudança nas regras da poupança não foi uma tungada no dinheiro dos mais pobres ou que não existem motivos para o impeachment de dois governadores.

Hoje comemoramos o dia das mães com um monte de mães e avós. Foi bacana. Como sempre acontece, um bebê roubou todas as atenções na festa. Minha mulher ficou com o menino no colo um tempão, o que despertou os costumeiros comentários sobre a possibilidade de aumentar a família. Estou me sentindo bem, minha mulher e as crianças estão felizes e com saúde, vivo um dia depois do outro. Mas às vezes me sinto velho e ultrapassado. Outro dia meu amigo Salimon veio me visitar e conversamos um bocado sobre as nossas vicissitudes e superação de obstáculos. Ele me fez um alerta interessante.

_Cuidado com o efeito Cassiano – ele disse.

_???

_Mais um ano se passou...

Desde então, tenho procurado estabelecer um prazo curto para todos os meus projetos.

sábado, 12 de maio de 2012

Dia de Judô



Tame Impala - Expectation

Acordamos às seis da manhã neste sábado. Em geral, aos sábados preferimos acordar uma hora mais tarde, mas hoje foi dia de competição no judô. Os professores avisaram que a pesagem começaria às oito horas em ponto e que os atrasos não seriam tolerados. As crianças acreditaram. Nós duvidamos um pouquinho, é claro, nosso nível de organização está um pouco atrasado quando se trata de pontualidade. Basta observar as obras da copa. Todas estão atrasadas, algumas estão muito atrasadas, outras estão muitíssimo atrasadas. As que estão pouco atrasadas entraram em greve, então sabemos que em breve estarão de acordo com o cronograma, meses fora do planejado.

Chegamos ao ginásio da competição com dez minutos de antecedência. A primeira preocupação foi com o pagamento da inscrição na competição: 15 mangos. Esperei trinta e sete minutos numa fila de duas pessoas para resolver essa questão. Eu estava atrás de um sujeito grandalhão, que foi substituído por outro, e mais outro, e mais outro, até eu perder a conta. Quando comecei a ficar impaciente por estar sendo literalmente passado para o fim da fila, um sujeito de dois metros e vinte de altura me pediu muito educadamente para examinar a possibilidade de ceder a minha vez para ele.

_É claro que não - eu disse.

_É rapidinho - ele disse, enquanto me afastava com o mindinho.

A pesagem da turma de seis a sete anos começou cinquenta minutos depois. Minha mulher acompanhou a pesagem da minha filha, num banheiro feminino. Eles são bem científicos quando se trata de pesar crianças, então foi preciso tirar o quimono e a camiseta. Desse jeito, ela conseguiu pesar míseros 23,3 kg. Com o quimono, a faixa azul e os chinelos ela chega a 24.

_Filha, em dias de vento forte vamos precisar de uma botas de chumbo para você - eu disse. Ela não entendeu.

Por volta das nove e cinquenta, começaram a pesar as crianças de oito a nove anos de idade. Meu filho correu logo para o local da pesagem dos meninos: o banheiro masculino do ginásio. Nada contra, estava tudo muito limpo, embora três boxes de chuveiro estivessem com as portas de vidro dependuradas, terrivelmente danificadas. A pesagem teve início com mães e pais dentro do banheiro, o que provocou uma certa confusão com as pessoas que entravam para usar o banheiro para os seus devidos fins. Então os organizadores da competição se lembraram de que talvez fosse bom manter só as crianças dentro do banheiro e um grandalhão comandou a retirada dos parentes berrando do lado de fora. Eu não podia ver quem era, mas o sujeito começou a fazer uma contagem regressiva de dar medo e num instante todos os pais e mães deram o fora. Eu não, fiquei petrificado. Para disfarçar, fingi que era um cabide segurando quimono, faixa e chinelos feito um espantalho, mas não deu certo.

_Olha só quem está aqui, o sujeitinho que diz não - disse o grandalhão.

_Sim, quero dizer, não está mais aqui quem falou - eu disse, e também dei o fora.

O ritual da pesagem demorou cerca de trinta segundos. Meu filho está com nove anos e pesa 27,29 kg sem o quimono, a faixa e os chinelos. Ele ficou só com um calção grande para a pesagem, então ele deve estar com 27 quilos líquidos.

_Filho, em dias de vento forte vai ser melhor você usar uma corda grande como cinto - eu disse. Ele não entendeu.

Quando estávamos saindo, chegaram minha cunhada, marido e o casal de filhos para a pesagem. Olhei no relógio e eles estavam com pelo menos duas horas de sono bem dormidos na minha frente. Raios.

Com as crianças devidamente pesadas, só nos restava esperar as competições. Elas começaram pontualmente às 10 e 30. Minha filha ganhou duas e perdeu uma. Lutou com bravura. Mas queria a medalha de ouro e chorou um bocado quando perdeu. Ficou inconsolável na premiação e só se acalmou depois que fomos beber água no bebedouro.

_Filha, no judô não tem empate - eu disse.

_Eu sei, paiê, mas eu queria muito ganhar a medalha de ouro - ela disse.

_O que importa é lutar com vontade de vencer, respeitando o adversário. E além disso, não é ouro de verdade, é só dourado - eu disse.

_Sério?!

_Hum-hum.

_E a de prata? É de verdade?

_Não, é só metal prateado.

Tive medo de ter dinamitado o espírito competitivo da menina, mas em seguida ocorreu a luta da prima, de oito anos de idade. É uma das meninas mais valentes que eu já vi. É pequenina e leve e enfrentou adversárias bem mais altas e pesadas. Foi combativa e resistiu bravamente, mas não conseguiu nenhuma vitória. Torcemos feito loucos, com berros e assobios, e quando tudo acabou minha filha foi correndo abraçar a prima, que também chorava desconsoladamente. Enfrentamos então um longo período de espera para a luta do meu filho. Há um grande número de meninos e meninas entre oito e nove anos fazendo judô e participando de competições. Contei mais de 80. Eles entraram em formação pela quadra e fizeram aquecimento juntos, um belo espetáculo. Foram distribuídos pelas quadras e então as lutas começaram. Por volta de meio-dia meu filho lutou a sua primeira. Durou mais ou menos uns sessenta segundos. O outro garoto simplesmente lhe deu um puxão forte e o jogou no chão, caindo em cima para imobilização. Ele ficou chateado e fez força para não chorar de raiva e frustração. Conseguiu se conter e só isso já valeu ter acordado às seis da manhã de sábado. A segunda luta durou alguns segundos a mais, mas ele se superou em contenção de choro e cara triste, caminhando com resolução para a área de concentração. Esperamos longamente por uma terceira luta, mas acho que os segundos de resistência contaram pontos e ele não ficou em último lugar na bateria. Fomos correndo buscar a medalha de bronze e num instante ele estava animado e sorridente.

As lutas do meu sobrinho ocorreram quase uma hora depois. Ele começou com uma derrota, mas não desanimou e lutou muito bem a segunda luta, com uma vitória sensacional. Mais uma vez esperamos longamente a terceira luta. Era uma da tarde quando os organizadores anunciaram que o seu adversário já havia perdido duas lutas e que, portanto, ele já estava em terceiro lugar na bateria. Famintos, batemos em retirada até o restaurante mais próximo.



sexta-feira, 11 de maio de 2012

Seixos brancos na jabuticabeira



Tame Impala - Lucidity

Abri nova frente de trabalho. Além da pérgula e da pintura da parede externa, cuidei hoje de forrar o círculo em torno da jabuticabeira de seixos brancos. Tirei toda a terra fofa e deixei o chão bem batido. Com restos de estacas, que cortei na serra de esquadria, fiz um perímetro de toquinhos enterrados. Tive que usar madeira de lenha para fechar o círculo. Usei umas pedras pirinópolis e também alguns pedaços de tábuas de madeira como base. Fiz isso porque no período de chuvas a área embaixo da jabuticabeira fica meio pantanosa, o que poderia sujar facilmente os seixos brancos. Usei dez sacos de seixos, consegui cobrir três quartos da minha circunferência. Amanhã terei um dia cheio de atividades com as crianças, elas vão participar de uma competição de judô. Depois disso, vou tentar comprar mais pedras. Teoricamente, um saco com vinte quilos de seixos brancos é suficiente para cobrir um metro quadrado. Mas a prática é diferente. Cada saco cobre 80 centímetros quadrados. Seja como for, o dia foi produtivo. O problema é que estou com o sono atrasado e amanhã teremos que acordar cedo para a competição. Por isso, vou encerrar rapidinho.


quinta-feira, 10 de maio de 2012

A parte difícil foi o barulho



Crocodiles - Stoned to Death

Terminei hoje a lixação da parte aérea da pérgula. Foi cansativo e tive que usar máscara. Aprendi a manusear a esmerilhadeira com uma só mão no alto de uma escada. A máquina pesa uns dois quilos, que depois de alguns minutos pareciam pesar muito mais. Amanhã faço uma revisão da parte aérea e concluo as pilastras. A parte mais difícil foi o barulho. Também comecei a descascar uma das paredes externas. O removedor não funcionou muito bem e tive um trabalhão com a espátula. Duas horas com a espátula renderam míseros quatro metros quadrados. Sou um péssimo peão de mim mesmo. Fiz um intervalo no período da manhã para comprar esterco de gado para a horta. Minha mulher me pediu para comprar oito cactus, mas não entendi direito e só comprei dois. Estamos tentando uma nova configuração do jardim da frente da casa. No quintal, também teremos novidades. Gostamos tanto dos seixos brancos que usamos para encher o antigo tanque de areia, que resolvemos colocar essas pedras também debaixo da jabuticabeira. Minha idéia inicial era cimentar em volta da árvore, mas minha mulher achou que poderia comprometer a planta. Então resolvemos fazer um círculo de toquinhos de madeira na área da sombra da copa e depois cobrir o interior com as pedras. O dia foi proveitoso. E à noite, o sono é melhor.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Chapadão estatelado



Crocodiles - Stoned to death

Tenho o hábito de ler o jornal local todos os dias, logo que deixo as crianças na escola. O jornal local sempre foi ruim, mas ultimamente está muito ruim. As notícias, qualquer uma, parecem sofrer de uma esquizofrenia aguda: os títulos não correspondem à matéria e a matéria é incompleta, insossa e preguiçosa. Os releases governistas ufanistas se amontoam em todos os cadernos, tenho preguiça de ler release. Ao mesmo tempo, pequenas matérias insistem em aparecer, mostrando que o paraíso ainda não é aqui, na oitava economia do mundo, como muita gente dentro e fora do governo quer nos fazer acreditar. Hoje uma dessas pequenas notícias falava de um grupo de enfermeiros e médicos que fizeram rifas para equipar, comprar remédios e manter um hospital local. Os outdoors da governo local dizem que esta administração investiu 70% a mais na saúde. Acredito. Mas talvez fosse preciso investir 80% ou 90% a mais. Representantes do governo consideraram a rifa ilegal e querem punição para o grupo de enfermeiros e médicos.

Outra notícia fala que a quase totalidade das casas do bairro onde eu moro estão irregulares, porque cercaram a área verde, um problema que já tem uns 40 anos. Não duvido. A matéria insinua que o governo local deverá cobrar uma taxa dos moradores do bairro. Será mais uma. Os moradores ainda estão pagando a taxa extra pela interligação do sistema de esgoto condominial e pelo novo sistema de registro de água, que coloca os leitores dos registros fora de casa.



terça-feira, 8 de maio de 2012

A melhor parte do judô



A Taste of Honey - Boogie Oogie Oogie - um clássico, as duas tocavam e cantavam à beça.


As crianças fazem judô. E agora estão tendo treinamento extra para competições.

_Pai, perdi duas lutas no treino de hoje - disse o meu filho.

_Não tem problema, filho. O importante é lutar com garra. Em competição é assim, tem vencedor e tem perdedor.

_Nem sempre, pai. Também tem empate - ele disse.

_Alguém empatou?

_Não, pai, o professor não gosta de empate. Nem eu.

Eu também não. Mas não digo isso a ele.

_Paiê, também perdi duas lutas no treino de hoje - disse a minha filha.

_Mas você sempre ganha? O que aconteceu? - eu disse.

_Bom, eu estou com o dedão machucado. E as meninas pisaram no meu dedão - ela disse.

_Ai. E você não reclamou?

_Elas não fizeram de propósito. Foi sem querer.

_Duas vezes é sem querer?

_Acontece. E também era só um treino. No dia da luta de verdade, meu dedão já vai estar bom.

Orgulhoso, eu entro com os dois, ainda com os kimonos, na pizzaria que fica bem perto de casa.

_Eu quero de calabresa.

_Eu quero de quatro-queijos - disse o meu filho.

Eles estavam animados e com bastante apetite. Quando as pizzas chegaram, comeram tudo rapidinho.

_Sabe de uma coisa, a pizza é a melhor parte do judô - disse a minha filha.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Camburão na porta



Iyeoka - Simply Falling

O camburão da PM ficou tocando a sirene na minha porta. Corri para a janela. Não era comigo, era com o vizinho da frente, que tinha deixado o portão aberto. O coitado saiu de casa se vestindo para fechar o portão. Ficou constrangido ao me ver na janela e nem respondeu ao meu aceno. O camburão da PM só saiu depois que meu vizinho fechou o seu pesado portão de ferro. Ele sempre deixa o portão aberto no horário em que os filhos e a mulher costumam chegar. São vários carros, têm a ordem certa para sair, com variações para cada dia da semana. O último a chegar é sempre o filho mais velho, que fecha o portão e passa o cadeado. Pela manhã, ele também é o primeiro a sair. Mas por causa da PM, o vizinho teve que fechar o portão antes da hora e todo o arranjo foi para o espaço. Os filhos e a mulher chegaram logo depois e ficaram irritados por encontrar o portão fechado. Todos bateram a porta ao entrar em casa. Por último, como sempre, chegou o rapaz que fecha o portão. Ele desceu do carro, abriu o portão, entrou no carro, estacionou, saiu do carro, fechou o portão e passou o cadeado. Bateu a porta ao entrar em casa. Daí a pouco saiu de novo e teve que fazer tudo ao contrário. Voltou em quinze minutos e repetiu a operação. Tinha ido buscar pão.

Não sei se é bom ter um camburão da PM com a sereia ligada na sua porta, esperando você trancar o portão da garagem. De qualquer modo, pessoas te azucrinando para que você faça uma coisa que você não quer, para mim ultrapassaram o limite da chateação. Por outro lado, é melhor ter um camburão de PM por perto do que não ter nenhum.



domingo, 6 de maio de 2012

Ice-Beta e o Dr. House

Beta é a peixa que minha filha ganhou de lembrancinha da festa de aniversário de uma amiga, que completou sete anos.

_Tem certeza de que não é um peixe menino, filha?

_Paiê, ô, é claro que é menina, ela é cor-de-rosa, não tá vendo?

Nos primeiros dias Beta inspirou cuidados especiais porque havia controvérsias quanto à quantidade de comida que ela poderia consumir. Depois de algumas discussões, acabamos decidindo por uma dieta de supermodel: Beta só come 4 grãozinhos de comida de peixe beta, bem esfarelados sobre o grande vaso de vidro que virou aquário. Mas de vez em quando fico com dó e deixo cair uns dois ou três grãos a mais.

_Essa peixa está bem gordinha, hein? Você está dando comida escondido pra ela?

_Quiéisso?! Acho que são gases, benhê.

Beta alterou um pouco a rotina com o primeiro mascote da casa, o Rafa. Ele é um cãozinho shi-tsu ciumento, que late muito quando estamos cuidando da Beta. Por isso, evitamos lidar com a peixa quando o cachorro está por perto. Tudo pode acontecer quando Rafa está com ciúmes. E ele tem ciúmes especialmente da minha filha.

Por isso, neste sábado, quando ouvi a minha filha chorando, a primeira coisa em que pensei foi no que o Rafa poderia ter feito desta vez. Desci as escadas correndo e encontrei a minha mulher abraçada com a minha filha, as duas chorando e o Rafa latindo feito doido.

_O que foi? Foi o Rafa? – eu disse, enquanto levava o Rafa para fora da casa.

_Não, é a Beta, paiê, a Beta morreu! – chorou a minha filha.

_Ela foi trocar a água do aquário e o peixe morreu – disse a minha mulher.

_Oh, não! Oh, não! – disse o meu filho. Ele é muito teatral. Oh! Não!

Então fui olhar o aquário e lá estava Beta, deitada durinha no fundo do aquário. As guelras estavam bem abertas, a cauda esticada. O olho grande estava ainda maior, parecia a Kate Moss naquele vídeo da internet. Na hora, rolou logo um sentimento de culpa, porque naquele dia eu havia dado pelo menos uns quatro ou cinco grãos a mais para a Beta. Tadinha, tão magrinha, tão rosa pálida.

_Joga fora, logo, joga fora, logo – disse a minha mulher.

_Não, a Beta não, não joga, não joga, não joga – disse a minha filha.

_Oh, não! Oh, não! Oh, não! – disse o meu filho.

Putz, que tragédia grega, eu pensava.

_A gente também poderia enterrar a Beta no jardim – eu disse.

_Não, joga no ralo – disse a minha mulher.

_Não, não joga – disse a minha filha.

_Vamos fritar! Fritar-ar! Fritar-ar! Fritar-ar! – disse o meu filho.

Então, quando eu me preparava para jogar Beta no ralo, notei um pequeno movimento da nadadeira. Toquei o aquário e vi que estava gelado.

_Putz, choque térmico! – eu disse, lembrando de todos os episódios do Dr. House que eu já vi na minha vida. Tratei então de colocar água do filtro no aquário e em poucos segundos, Beta começou a se movimentar e mexer as guelras.

Quando tudo se acalmou, descobrimos que minha filha tinha tentado trocar a água do aquário sozinha. Fez tudo como ensinamos, mas usou um litro de água da geladeira. Depois disso estabelecemos uma política de troca de água do aquário. Ela pode ser feita pelas crianças, mas desde que um adulto esteja de olho. E o Rafa esteja longe.

sábado, 5 de maio de 2012

A poupança virou Geni

Havia uma regra.

Mudaram a regra.

Por causa dessa mudança, uma caderneta de poupança passará a render menos do que antes.

(Linha 4) Alguns intelectuais da economia dizem que essa queda no rendimento será pequena, não será grande coisa, porque o governo não quer desestimular a poupança do pequeno poupador.

Aparentemente, essa mudança vai contra os ganhos do sistema financeiro, porque é declaradamente favorável à queda dos juros e foi arquitetada para que deixemos de ser os campeões mundiais dos juros nas alturas.

Quanto mais os juros caírem, menos renderá a poupança.

Uau. Em todos os países do mundo, a poupança é estimulada.

Aqui, não. A poupança brasileira parece fazer mal à economia. Talvez por isso, a poupança seja tungada sistematicamente. (Não é tungada? Meu amigo, só não seria tungada se a regra tivesse sido mudada para ampliar a remuneração da poupança. Mudança de regra que implica em perda, é tungada.)

Naquela que parecia ter sido a última vez, talvez a pior das aventuras com malabarismos econômicos, com a única bala do seu revólver, o ex-presidente Collor ordenou a rapa do tacho nas contas acima de 50 mil caraminguás. Os geniais economistas de então foram correndo para a TV chorar a coragem dos tungadores, que haviam assim matado de morte matada a inflação.

Não foi daquela vez. Como também não foi com o Plano Real, que melhorou e muito a situação do país. Mas nunca prometeu matar a inflação, até hoje bem viva. E muito dessa vivacidade, nem precisa dizer, é por causa do governo que sempre gasta muito mal gastado o dinheiro público. E nem coloco burrice, desvio, corrupção e favorecimento nessa conta. Mas acho estranho que todos os recordes de arrecadação de impostos, que são quebrados a cada mês há mais de dez anos, sejam des-per-di-ça-dos. Os impostos estão em franco crescimento há 15 anos, a infra-estrutura é uma lástima pelo mesmo tempo, o cipoal legal dificulta tudo, é difícil e caro abrir e fechar empresa, a pirataria reina, a insegurança é imune a toda e qualquer milícia, e falta dinheiro pra tudo. Mas não falta pra propaganda.

No lançamento do Plano Real, eu me lembro, os mesmos economistas que haviam aplaudido o plano do Collor, que dera errado, torceram o nariz para a estabilização da economia. Naquela época, não houve confisco e não se mexeu na poupança. Até porque, o achaque da turma do Collor ainda estava muito fresco na memória, nenhum gênio queria mexer com a poupança. Pelo contrário, o que se buscava era aumentar a poupança.

Mas, de repente, a tungada na poupança começou a fazer sentido para a cabeça de muita gente. Agora, os bambambans dizem que a poupança, tadinha dela, é a vilã dos juros altos no país. É a poupança que impede a queda real da taxa de juros – dizem uns. Agora não há obstáculos para uma queda maior – dizem outros. A poupança virou Geni.

Sou uma besta, é claro. Afinal de contas eu quase acreditei no que estava escrito na Linha 4. Não precisa ir lá em cima. Eu repito aqui mesmo: Alguns intelectuais da economia dizem que essa queda no rendimento será pequena, não será grande coisa, porque o governo não quer desestimular a poupança do pequeno poupador.

Se a perda não é grande coisa, então por quê seria a remuneração da poupança o impeditivo para a queda dos juros? Ou só é grande coisa para os bancos?

Penso na poupança como o meu porquinho cheio de moedas. Com o meu porquinho em casa, perco dinheiro por causa da inflação. Então levo o cofrinho para o banco. Lá eles me oferecem uma série de produtos para guardar o dinheiro do meu cofrinho, que eles vão emprestar para outras pessoas e bancos, cobrando uma taxa por isso, é claro. No banco queriam me cobrar uma nota preta para que eu deixasse o dinheiro lá, aplicado em coisas sofisticadas como fundos, fifs e CDBs. A poupança era a única coisa que parecia valer a pena, porque me defenderia contra a inflação, não custaria taxas absurdas, estaria isenta de imposto de renda e o dinheiro do meu cofrinho seria emprestado para que pessoas construíssem suas casas, na forma de crédito imobiliário. Uma beleza.

Valia a pena. Porque agora o governo disse que a poupança não vai me remunerar do mesmo jeito. Disse para milhões de pequenos poupadores. Sim, para o café pequeno. Para a turma que não tem como gastar sola de sapato para ir atrás de banco porque, com sorte, só existe um banco na área. E pior, sujeitos do governo disseram que as mudanças não afetarão a remuneração dos recursos das contas antigas, para esses continuam valendo as regras antigas.

Ãhn?

Não sei como isso será operacionalizado. Isso significa que os bancos vão me remunerar de forma diferente para recursos depositados numa mesma conta em tempos diferentes? Eu me imagino chegando ao banco e falando que vou sacar da poupança. Ó, vou tirar cem pratas da grana nova, que eu depositei ontem, que é pra grana velha continuar rendendo do mesmo jeito, falou? Outra coisa: a destinação dos recursos da poupança continua a mesma? Ou seja, os recursos captados com a aplicação poupança serão destinados a operações de crédito imobiliário ou isso também mudou? Alguém falou alguma coisa sobre impostos?

Eu também solto foguetes pela queda dos juros dos bancos. Mas acho que não vamos conseguir isso com gaiatices e malabarismos financeiros ou chamando a poupança de Geni. Juros altos são conseqüências de uma série de coisas, que incluem os malfeitos com o dinheiro público, a complexidade ruidosa do ambiente jurídico, a falta de infra-estrutura, a nossa desordem administrativa, a bagunça e a incrível volatilidade das regras brasileiras e a esperteza de dirigentes nada republicanos. Não é por causa da Geni.

De boas intenções, todos sabemos, o inferno está cheio.

Frase 2


As velhas poupanças também serão tungadas.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A pesquisa doida sem crioulo



David Byrne - (Nothing But) Flowers

Eu estava no jardim da frente, terminando de arrumar uma luminária. Isso já tem uma semana, é um post de memória. Eram duas moças, jeans, camiseta branca, bic e prancheta. Pesquisa, adivinhei logo.

_Ei, você pode chamar o dono da casa? - disse a mocinha sem óculos.

_Pra quê? - eu disse. Eu estava sujo, mal vestido e suado, não parecia o dono da casa.

_É uma pesquisa, não demora nada, é super-rapidinho - disse a moça com óculos. Dentes ruins, eu pensei, puxa, também preciso voltar ao dentista.

_Pode fazer as perguntas - eu disse, tirando um bocado de terra de dentro da luminária.

_Mas não é pra você, é para o dono da casa - disse a moça sem óculos.

_Sou eu mesmo - eu disse, já estou acostumado que pensem que sou o meu próprio empregado.

_Como é o seu nome? - disse a moça sem óculos.

_É pesquisa com identificação do entrevistado? Se for, eu não vou responder.

_Ânhn?

_Se for preciso dizer o nome, não vou responder a pesquisa - eu disse.

_Não precisa. É só que é chato chamar os outros de senhor o tempo todo - disse Dentes Ruins.

_Não precisa me chamar de nada, é só fazer as perguntas.

_Tudo bem, vou tentar. O senhor considera o atual governo bom, ótimo, ou não sabe?

_Que governo? Federal ou local?

_Tanto faz.

_Só tem essas três opções?

_Não. Tem excelente, mas ninguém até agora disse que é excelente então já nem digo mais.

_Mas não tem medíocre, ruim, ou péssimo? - eu disse.

_Marca que ele não sabe - disse a moça sem óculos.

_Mas eu sei - eu disse.

Não adiantou. As duas me olharam como se eu não soubesse. Aquela prancheta, aquela bic, tudo parecia dar a elas uma grande autoridade. Cochicharam um pouquinho e passaram para outra pergunta.

_O senhor considera a cidade segura, muito segura ou não sabe?

_Você está de gozação?

_Não falei? Marca que ele não sabe - disse Dentes Ruins.

_O senhor considera possível recuperar criminosos para o convívio com a sociedade?

_É a mesma pesquisa? - eu disse.

_Pô, não sabe, de novo - elas disseram.

_Vai demorar muito, essa pequisa? - eu disse.

_Esta é a última. Se as eleições fossem hoje, o senhor votaria no atual governador, em branco ou não sabe?

_Eu...

_Não sabe - elas disseram e foram embora com a prancheta e a bic.






quarta-feira, 2 de maio de 2012

Versos para quiabar



Paul McCartney - For no one

Em alguns círculos minimamente frequentados, conjuga-se o verbo quiabar. Eu não, eu não quiabo. Mas ele quiaba, ela quiaba e aqueles que vacilam, quiabam. Um montão de gente há um dia de quiabar. Mas vós, Senhor? Vós, não, tenho certeza e fé de que jamais quiabarás.

É um verbo raro, o verbo quiabar. Eu mesmo, não quiabo. Mas hoje mesmo, um fulano quiabou comigo, não ficou só no atraso. Marcou e confirmou com antecedência mês, dia, hora, local e assunto, mesmo assim quiabou, nem deu as caras e nem ligou para se desculpar. Não importa, eu digo para mim mesmo, quem aqui quiaba, um dia quiabado será.

Considero quiabar um ato voluntário e imperdoável. Sujeitos que quiabam não têm a decência de ligar e avisar antes que irão faltar. Também não ligam depois, nem ligam a mínima, se esquecem rápido do que um dia fizeram questão de confirmar.

Quiabar não é só se esquecer de um compromisso. É mais grave. É se esquecer de que jurou que não iria faltar. Por isso, não é passível de perdão, o quiabar.

Sou do tipo que não esquece e até guarda rancor de quem comigo quiaba. Por causa disso, da quiabagem alheia, amigos viraram bandidos, amigas viraram traíras e até parentes bani para o limbo. Não é exagero. Tenho certeza de que, em países civilizados, quiabar é crime hediondo e inafiançável, nos estrangeiros não se brinca com coisa séria.

Tenho porém que confessar que um dia, também eu, quiabei, embora não seja, como já disse, de quiabar. Felizmente, dos males o menor, quiabei comigo. Mas até hoje acho que não vou me perdoar.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Dentro e fora de casa



Norah Jones (with Wynton Marsalis) - You Don't Know Me

Tenho todo espaço que preciso e ainda me sobra um pouco. Mas às vezes me sinto preso. Tenho todo o tempo do mundo e estou sempre tendo que deixar coisas para o dia o seguinte, porque não dá tempo de fazer tudo. Tenho andado ocupado pra burro, mas às vezes tenho a impressão de que não estou fazendo nada. Estou há um ano desempregado, e acho que nesse tempo fiz até mais coisas relevantes para mim e para a minha família do que nos últimos três anos em que estive empregado. Entretanto, tenho absoluta consciência de que não é esta a leitura que é feita por qualquer pessoa que esteja me observando, não importando o quão próxima ela esteja. Estar em casa, sem contribuir ou contribuindo com pouco para as despesas, não é uma situação confortável. Para começar, as mesmas coisas que poderiam significar verdadeiros momentos de epifania e regozijo também são capazes de propiciar mal-estar e depressão. Tenho prestado muita atenção nisso, porque não posso me dar ao luxo de ficar doente. Não é só porque o convênio não é grande coisa, mas também porque recuperar a saúde exige muito esforço e tempo. Tenho me dedicado a projetos. Existem os projetos dentro de casa e os projetos fora de casa. Os que desenvolvo dentro de casa, estão saindo às mil maravilhas. Os projetos fora de casa não vão muito bem, é uma pena.

Dentre os projetos dentro de casa, falo muito aqui no blog dos trabalhos de marcenaria, dos móveis, da iluminação, jardim e pequenas tarefas da manutenção da casa. Também estou preparando o livro com os textos do blog e uma seleção dos desenhos e ilustrações. Escrevo diariamente e tenho conseguido manter a rotina de publicar um post por dia, ainda que às vezes não diga muita coisa. Estou feliz com o desenvolvimento dessas atividades. Dentre os projetos fora de casa destaco três: concursos, emprego e ARRAIS. Já prestei vários concursos nos últimos doze meses, sem sucesso, nem é preciso dizer. Também já fiz algumas entrevistas para empregos. Em todas elas, os entrevistadores se impressionam com o currículo e com a minha experiência profissional, que inclui postos de chefia e supervisão. Em todas, me dizem que não poderão me remunerar tão bem quanto nos três últimos empregos. Houve uma pessoa que me ofereceu, sem enrubescer, pouco mais que dois salários mínimos. Em geral, falam que entrarão em contato posteriormente. Houve uma vez em que a pessoa já foi me encomendando trabalhos, mas nada de concreto surgiu. Apesar dos insucessos, não desanimei, ainda acho que um concurso ou uma entrevista de emprego podem gerar resultados positivos.

Por isso, com as outras coisas rolando, resolvi dar um pouco de atenção para o projeto ARRAIS, engavetado desde a mudança do velho apê para a casa. Existem duas possibilidades: estudar e fazer uma prova sobre a legislação e regras da navegação, ou estudar e fazer um curso prático com avaliação ao final. Estou mais inclinado para a segunda opção. Sempre quis ter a autorização para navegar no Lago Paranoá, desde a época em que remava um caiaque pelas águas da península norte. Está na hora de tirar esse projeto da gaveta e começar a equilibrar a balança dos projetos fora de casa.

Brasil Brasileiro

Excelente artigo do Prof. Vila: Meu Brasil Brasileiro.

Frase do dia