quinta-feira, 3 de maio de 2012

A pesquisa doida sem crioulo



David Byrne - (Nothing But) Flowers

Eu estava no jardim da frente, terminando de arrumar uma luminária. Isso já tem uma semana, é um post de memória. Eram duas moças, jeans, camiseta branca, bic e prancheta. Pesquisa, adivinhei logo.

_Ei, você pode chamar o dono da casa? - disse a mocinha sem óculos.

_Pra quê? - eu disse. Eu estava sujo, mal vestido e suado, não parecia o dono da casa.

_É uma pesquisa, não demora nada, é super-rapidinho - disse a moça com óculos. Dentes ruins, eu pensei, puxa, também preciso voltar ao dentista.

_Pode fazer as perguntas - eu disse, tirando um bocado de terra de dentro da luminária.

_Mas não é pra você, é para o dono da casa - disse a moça sem óculos.

_Sou eu mesmo - eu disse, já estou acostumado que pensem que sou o meu próprio empregado.

_Como é o seu nome? - disse a moça sem óculos.

_É pesquisa com identificação do entrevistado? Se for, eu não vou responder.

_Ânhn?

_Se for preciso dizer o nome, não vou responder a pesquisa - eu disse.

_Não precisa. É só que é chato chamar os outros de senhor o tempo todo - disse Dentes Ruins.

_Não precisa me chamar de nada, é só fazer as perguntas.

_Tudo bem, vou tentar. O senhor considera o atual governo bom, ótimo, ou não sabe?

_Que governo? Federal ou local?

_Tanto faz.

_Só tem essas três opções?

_Não. Tem excelente, mas ninguém até agora disse que é excelente então já nem digo mais.

_Mas não tem medíocre, ruim, ou péssimo? - eu disse.

_Marca que ele não sabe - disse a moça sem óculos.

_Mas eu sei - eu disse.

Não adiantou. As duas me olharam como se eu não soubesse. Aquela prancheta, aquela bic, tudo parecia dar a elas uma grande autoridade. Cochicharam um pouquinho e passaram para outra pergunta.

_O senhor considera a cidade segura, muito segura ou não sabe?

_Você está de gozação?

_Não falei? Marca que ele não sabe - disse Dentes Ruins.

_O senhor considera possível recuperar criminosos para o convívio com a sociedade?

_É a mesma pesquisa? - eu disse.

_Pô, não sabe, de novo - elas disseram.

_Vai demorar muito, essa pequisa? - eu disse.

_Esta é a última. Se as eleições fossem hoje, o senhor votaria no atual governador, em branco ou não sabe?

_Eu...

_Não sabe - elas disseram e foram embora com a prancheta e a bic.






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