quinta-feira, 24 de maio de 2012

Inferno



The Link Quartet - Purple Haze

O inferno existe, isso é inquestionável. Às vezes eu tenho medo de ir para o inferno quando eu morrer. Eu não sei como é para vocês, mas para mim o inferno não é só um lugar quente. Também é frio e coberto de neve, igual a uma vez em que o carro quebrou e tivemos que empurrar o Subaru para fora da pista. Tudo era tão escorregadio e gelado. Bati tanto o queixo que fiquei com dor de dente por uma semana. Quando chegamos em casa, enfiei os meus pés dentro do forno elétrico. Não adiantou muita coisa, o frio só passou quando entrei debaixo do chuveiro quente. Mas na maioria das vezes em que penso no inferno, acho que ele é quente, de um calor bem tedioso, chato.

Onde tem inferno, tem demônios, isso é lógico. Eu não sei como são os demônios de vocês, mas para mim eles não são vermelhos, nem têm rabos e chifres. Um monte deles usa barba, é verdade, mas também existem os que não usam barba e nem cavanhaque, só um bigodinho fininho de cafajeste. E também, é claro, existem os que ficam ali fingindo que estão de cara limpa. Não é bom falar de demônio e nem de capeta. Todo mundo conhece aquele dito "falando no diabo, ele aparece" e só isso já bastaria para a gente mudar de assunto, mas eu estou ficando velho e embora tema o inferno, não me assusto muito com gente má.

Outro dia tive um sonho ruim, daqueles de acordar suado e triste. Neste sonho eu já estava no inferno e não havia maneira de sair dele. Eu já estava lá há muito tempo, não me lembrava mais como havia ido parar ali. O que me chamou a atenção é que não havia muita diferença daquele inferno para a cidade em que eu moro. Parecia a capital. Os demônios pareciam com gente comum, ninguém tinha nada de especial. Tinha uns caras com tatuagem, mas isso não chama a atenção nem no inferno, é verdade. E ali, no sonho, eu fazia uma digressão bem longa, pensando em como seria tatuar um nome em letras góticas no meu braço esquerdo, os meninos no parque olhando para mim e dizendo baixinho um para o outro:

_Olha o véio tatuado, véi!

E quando eu olhava por cima do meu ombro, lá estava o meu amigo Cabeça cantando aquela musiquinha que os Trapalhões não tinham vergonha de cantar para as crianças na noite de domingo, logo depois que eu voltava da missa na Igrejinha:

_ô mãe eu quero me casar! - dizia o Zacarias, vestido de noiva.

_ô minha filha, ocê diga com quem - dizia o Didi.

_Eu quero me casá com o Marlon Brando...

_Com o Marlon Brando ocê não casa bem.

_Por quê, papai?

_O Marlon Brando amantegou a Maria Schnáider e depois vai amantegar você também....

Zacarias colocava a mão sobre a boca e dava uma risadinha.

No inferno, é claro, eu misturo tudo, não tenho foco e perco o sentido.

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