Havia uma regra.
Mudaram a regra.
Por causa dessa mudança, uma caderneta de poupança passará a render menos do que antes.
(Linha 4) Alguns intelectuais da economia dizem que essa queda no rendimento será pequena, não será grande coisa, porque o governo não quer desestimular a poupança do pequeno poupador.
Aparentemente, essa mudança vai contra os ganhos do sistema financeiro, porque é declaradamente favorável à queda dos juros e foi arquitetada para que deixemos de ser os campeões mundiais dos juros nas alturas.
Quanto mais os juros caírem, menos renderá a poupança.
Uau. Em todos os países do mundo, a poupança é estimulada.
Aqui, não. A poupança brasileira parece fazer mal à economia. Talvez por isso, a poupança seja tungada sistematicamente. (Não é tungada? Meu amigo, só não seria tungada se a regra tivesse sido mudada para ampliar a remuneração da poupança. Mudança de regra que implica em perda, é tungada.)
Naquela que parecia ter sido a última vez, talvez a pior das aventuras com malabarismos econômicos, com a única bala do seu revólver, o ex-presidente Collor ordenou a rapa do tacho nas contas acima de 50 mil caraminguás. Os geniais economistas de então foram correndo para a TV chorar a coragem dos tungadores, que haviam assim matado de morte matada a inflação.
Não foi daquela vez. Como também não foi com o Plano Real, que melhorou e muito a situação do país. Mas nunca prometeu matar a inflação, até hoje bem viva. E muito dessa vivacidade, nem precisa dizer, é por causa do governo que sempre gasta muito mal gastado o dinheiro público. E nem coloco burrice, desvio, corrupção e favorecimento nessa conta. Mas acho estranho que todos os recordes de arrecadação de impostos, que são quebrados a cada mês há mais de dez anos, sejam des-per-di-ça-dos. Os impostos estão em franco crescimento há 15 anos, a infra-estrutura é uma lástima pelo mesmo tempo, o cipoal legal dificulta tudo, é difícil e caro abrir e fechar empresa, a pirataria reina, a insegurança é imune a toda e qualquer milícia, e falta dinheiro pra tudo. Mas não falta pra propaganda.
No lançamento do Plano Real, eu me lembro, os mesmos economistas que haviam aplaudido o plano do Collor, que dera errado, torceram o nariz para a estabilização da economia. Naquela época, não houve confisco e não se mexeu na poupança. Até porque, o achaque da turma do Collor ainda estava muito fresco na memória, nenhum gênio queria mexer com a poupança. Pelo contrário, o que se buscava era aumentar a poupança.
Mas, de repente, a tungada na poupança começou a fazer sentido para a cabeça de muita gente. Agora, os bambambans dizem que a poupança, tadinha dela, é a vilã dos juros altos no país. É a poupança que impede a queda real da taxa de juros – dizem uns. Agora não há obstáculos para uma queda maior – dizem outros. A poupança virou Geni.
Sou uma besta, é claro. Afinal de contas eu quase acreditei no que estava escrito na Linha 4. Não precisa ir lá em cima. Eu repito aqui mesmo: Alguns intelectuais da economia dizem que essa queda no rendimento será pequena, não será grande coisa, porque o governo não quer desestimular a poupança do pequeno poupador.
Se a perda não é grande coisa, então por quê seria a remuneração da poupança o impeditivo para a queda dos juros? Ou só é grande coisa para os bancos?
Penso na poupança como o meu porquinho cheio de moedas. Com o meu porquinho em casa, perco dinheiro por causa da inflação. Então levo o cofrinho para o banco. Lá eles me oferecem uma série de produtos para guardar o dinheiro do meu cofrinho, que eles vão emprestar para outras pessoas e bancos, cobrando uma taxa por isso, é claro. No banco queriam me cobrar uma nota preta para que eu deixasse o dinheiro lá, aplicado em coisas sofisticadas como fundos, fifs e CDBs. A poupança era a única coisa que parecia valer a pena, porque me defenderia contra a inflação, não custaria taxas absurdas, estaria isenta de imposto de renda e o dinheiro do meu cofrinho seria emprestado para que pessoas construíssem suas casas, na forma de crédito imobiliário. Uma beleza.
Valia a pena. Porque agora o governo disse que a poupança não vai me remunerar do mesmo jeito. Disse para milhões de pequenos poupadores. Sim, para o café pequeno. Para a turma que não tem como gastar sola de sapato para ir atrás de banco porque, com sorte, só existe um banco na área. E pior, sujeitos do governo disseram que as mudanças não afetarão a remuneração dos recursos das contas antigas, para esses continuam valendo as regras antigas.
Ãhn?
Não sei como isso será operacionalizado. Isso significa que os bancos vão me remunerar de forma diferente para recursos depositados numa mesma conta em tempos diferentes? Eu me imagino chegando ao banco e falando que vou sacar da poupança. Ó, vou tirar cem pratas da grana nova, que eu depositei ontem, que é pra grana velha continuar rendendo do mesmo jeito, falou? Outra coisa: a destinação dos recursos da poupança continua a mesma? Ou seja, os recursos captados com a aplicação poupança serão destinados a operações de crédito imobiliário ou isso também mudou? Alguém falou alguma coisa sobre impostos?
Eu também solto foguetes pela queda dos juros dos bancos. Mas acho que não vamos conseguir isso com gaiatices e malabarismos financeiros ou chamando a poupança de Geni. Juros altos são conseqüências de uma série de coisas, que incluem os malfeitos com o dinheiro público, a complexidade ruidosa do ambiente jurídico, a falta de infra-estrutura, a nossa desordem administrativa, a bagunça e a incrível volatilidade das regras brasileiras e a esperteza de dirigentes nada republicanos. Não é por causa da Geni.
De boas intenções, todos sabemos, o inferno está cheio.
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