segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Da missa não sei a metade

Perdi. Eles venceram. Mas não vou aqui tratar de chorumelas. Nem bancar a Cassandra com o vaticínio de calamidades e catástrofes. Paciência. Também não vou mentir que torço para que dê certo. Torço nada. Fico indiferente. Farei cara de paisagem para as declarações destemperadas, para o português claudicante, para a incapacidade de expressão, para a ausência absoluta de autonomia de vôo e para o assembleísmo bestificado. Também faço cara de paisagem para a falta de entusiasmo dos vencedores.

Uma vez falei sobre um chefe que vivia com as frases penduradas, os subordinados se apressando a tentar assoprar palavras e completar idéias que o sujeito não tinha. Era um espetáculo e tanto observar os cupinchas se apressando a completar frases irrelevantes com verbos, predicados e estrofes inteiras que o sujeito não dizia. Era extraordinário observar essa pessoa exercer seu poder sobre aquela chusma de gente ansiosa por agradar. Ele matreiramente só assumia a autoria das idéias bem sucedidas.

Mas no início eu gostava do sujeito, achava que era um bom chefe. Lembro que uma vez esse sujeito flagrou o meu olhar e se viu descoberto, seu estratagema de poder e manipulação bem sacado nos meus olhos. Só para ter certeza, ele dispensou a chusma de bajuladores e me pediu para esperar um pouco, a pretexto de conversar sobre um assunto qualquer. Em seguida, quando estávamos sós, começa o sujeito com a ladainha de sempre, deixando frases pela metade, cortando palavras no ar para que eu completasse. Deixei que morressem em silêncio as frases e palavras que ele queria que eu inteirasse.

Alguma outra coisa morreu naquele dia. Nunca mais nos tratamos como antes. Outras coisas aconteceram, crises econômicas, eleições e empregos. Esqueci do assunto. Durante muito tempo eu me perguntei sobre o que poderia ter acontecido para nos afastar. A memória prega peças na gente, a cabeça gosta mesmo é de guardar coisa boa. Uma vez cheguei a telefonar para a figura no dia do aniversário, como se ainda fôssemos amigos. Fui tratado com uma fina e fria educação. E até mesmo disso me esqueci.

No dia das eleições, eu revi esse chefe. Ele e sua barriga. Flanava lá longe. Quando me aproximei para cumprimentá-lo, esboçou o sorriso constrangido de quem se esqueceu do nome de quem lhe aperta a mão.

_Rapaz, há quanto tempo?! – ele disse.

_ Como vai? - eu disse, soletrando cuidadosamente cada sílaba do seu nome para lhe mostrar que a minha memória é melhor do que muita ingratidão que existe por aí.

_Tem oito? Dez? Quinze anos? – ele disse.

_Sim, estou bem, obrigado – eu disse.

E ainda sem desistir, ele perguntou para um outro sujeito que o acompanhava.

_Você se lembra dele, Júlio? É o Ca...? É o Ca...?

_Ca...reca, Chefe! – emendou o Júlio.

Júlio ainda não sabe da missa a metade. Nem eu. Muita gente boa não sabe.

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