terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Mais uma da fada dos dentes

Desta vez minha filha balançou o primeiro dente da frente por umas duas semanas, com a língua. O dente ficou parecendo uma portinhola, pendurada por um fio. Ela gostou da alteração que a janela produzia na voz, que ficou mais anasalada e sibilina. O dentinho moribundo também era soprado e ficava parecendo um encosto de cadeira moderna de cabeça para baixo, se você estivesse realmente querendo fazer comparações. Na hora do almoço, eu e a minha mulher olhávamos com preocupação aquele dentinho, morrendo de medo dela se engasgar. O irmão da menina achava graça.

Até que na segunda-feira o dente caiu. Ela só percebeu porque de repente havia um espaço maior na boca, uma vaga para colocar a ponta da língua. E também porque duas colegas apontaram para a boca da menina, que sangrava só um pouquinho. Aí fez cena. Valorizou a queda do dente. A professora acudiu, colocou o dente num pedaço de guardanapo, guardou na mochila.

Minha filha mostrou orgulhosa o espaço vazio do dente para mim, assim que cheguei em casa. Disse que não doeu nada e eu senti orgulho dela, tão valente e destemida, sem lenço, sem dente, caminhando contra o vento. Depois falamos de outras coisas e num instante terminei o almoço e voltei correndo para o trabalho, é preciso chegar mais cedo de volta se quiser estacionar.

À noite voltamos a falar do dente, da alegria da transformação, do primeiro sinal de maturidade. Nós somos piores do que os peixes, a velhice começa a nos fisgar pela boca. Mas para ela, crescer é uma alegria, amadurecer é uma conquista diária. Eu fico tentando lembrar quando foi a última vez que fiquei feliz por ficar mais velho. Deve ter sido quando tirei a carteira de motorista. É bom amadurecer. Combina muito com aprendizado e conhecimento. E isso é muito importante. Mas amadurecer e felicidade parecem não combinar. Amadurecer combina com dor e amargura, com resignação.

Eu lembro daquele filme do Milos Forman, Amadeus, em que retratou o gênio da música como um palhaço risonho, que gargalhava a todo momento, para desespero do maestro medíocre que narra a história. A genialidade de Mozart era uma afronta insuportável que Deus(Ele Próprio) cometia contra Salieri, que era o compositor oficial da realeza. Para Lobão(vou ter que ler essa biografia), Herbert Vianna é um chupador de idéias e músicas que o atormenta até as raias da loucura.

E o que isso tem a ver com o dente de uma menina de seis anos?

Nada, por enquanto. São essas coisas que passam pela minha cabeça e me deixam calado, enquanto fico observando as crianças e a inquietude tão bonita que é própria delas. Mas é preciso voltar para o dente da minha filha.

À noite, eu caio na besteira de falar em fada dos dentes e ela se lembra que a professora havia guardado o dente num pedaço de guardanapo. Ela corre até a mochila, mas é tarde demais. Rose, a governanta-cozinheira-babá-universitária daqui de casa já se livrou da bolinha de lixo. O choro da menina começa a ficar mais alto, quando descobrimos o que aconteceu. Aí eu lembro da risada desconcertante do Mozart de Milos Forman e eu tenho uma idéia magnífica.

_Filha, vamos escrever um bilhete explicando o que aconteceu para a Fada dos Dentes. Tenho certeza de que ela vai compreender a situação e deixar pelo menos uma moeda para você - eu disse.

_Moeda? Mas da última vez eu ganhei uma nota de vinte reais.

_É, mas a Fada levou o seu dente. Desta vez não tem dente. Não vale tanto. Eu acho que a Fada vai deixar só a metade - eu disse.

_A não ser que o bilhete seja caprichado, né? - ela disse.

Ela mesma escreveu as letras ditadas pela mãe:
Querida FaDa DOS DentEs

E depois ela ditou e a mãe escreveu:

meu dente caiu, mas eu perdi.
Você poderia me dar um dinheirinho, por favor.
Eu sou uma menina comportada.
Obrigada!
Um abraço,
nome da minha filha

E foi por isso, ó minha kombi de leitores, que a Fada dos Dentes passou de madrugada e deixou uma nota de vinte reais para minha filha, ainda que ela não tenha deixado nenhum dente.(Mozart gargalha)

2 comentários:

Cynthia disse...

Hahahaha!

Careca disse...

Isso mesmo, era uma risada assim.

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