quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
A memória dos monstros
Tenho um bloco bem pequeno de desenhos em algum lugar daqui de casa. É da época em que recomecei a desenhar, o que coincide com a volta à escrita e o início deste blog. O bloco cabe com folga no bolso da camisa. Está cheio de monstros. Ou melhor, de cabeças de monstros. Era só o que eu conseguia desenhar, na época. Às vezes, quando eu me dou ao trabalho de repensar as coisas que já fiz e entender porque faço as coisas que faço, eu pego esse bloco de monstros.
Na última vez que vi o bloco, ele estava muito desengonçado e torto, parecia alguém da oposição disputando a primeira secretaria da mesa da câmara. Para reforçar a cola que unia as folhas, eu passei uma fita crepe, que encobre um pouco da primeira folha do bloco. São 50 folhas. Todos os dias, durante 49 dias, desenhei um monstro. Sempre no final da tarde. Nenhum é particularmente interessante e inventivo. São bocas, dentes, olhos esbugalhados e línguas. Alguns têm focinho, em outros fiz cavidades parecidas com as cavas de pássaros e répteis. Fiz monstros com bocas enormes, espinhos, pêlos, verrugas, escamas e línguas com ponta de flecha. Nenhum é tão assustador quando a reeleição para a presidência do senado.
Eu seguia uma regra simples. Primeiro imaginar a cabeça do monstro totalmente, na minha cabeça. Depois desenhá-lo rapidamente, da memória do que eu havia imaginado. Essa acabou se tornando a regra genérica para tudo o que desenhei depois. Primeiro procuro imaginar o que vou desenhar, rabiscando com cuidado o desenho dentro da minha cabeça. Não é muito fácil, quando se começa. Mas com o tempo, vira um hábito. Depois, sem parar, procuro desenhar a figura, de preferência com uma caneta de tinta gel preta.
Para desenhar as coisas que observo, o processo é o mesmo. Olhar, memorizar, rabiscar dentro da cabeça e só depois desenhar. Caso esteja usando um dos cadernos caros, o ideal é fazer um aquecimento antes de usar o moleskine, numa folha de papel avulsa. Aprendi depois desses desenhos, mais uma vez, que não existe inspiração sem trabalho diário. Todo mundo sabe disso, mas vive se esquecendo. O bloco é o meu lembrete. E ele também me lembra que é preciso aquecer. O atleta, o pintor, o cantor, o escritor, o ilustrador, o cara que pratica cuspe a distância, todo mundo precisa de aquecimento.
A última folha está quase em branco. Não terminei o desenho. Acho que me cansei dos monstros, ou já não tinha mais nenhum para tirar da cabeça. Mas ultimamente tenho pensado muito em monstros, como se a memória da minha imaginação estivesse sendo ativada por alguma coisa. Corri então à procura do meu bloco de monstros, mas o armário anda um pouco bagunçado, não encontrei o tal bloco.
Ao invés dele, encontrei um caderno cheio de borboletas, que fiz em agosto e setembro de 2009. Uma delas é a que está aí em cima. Tenho diminuído bastante o ritmo dos desenhos, o que me chateia um pouco. A verdade é que uso muito mal o tempo que eu tenho. Mas tenho organizado as coisas e tenho certeza de que vou conseguir melhorar. Estabeleci algumas metas para esse ano e a cobrança de mim mesmo tem sido forte. Talvez seja por isso que os monstros estejam voltando à minha cabeça.
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