terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Prioridades

Depois da ventania e chuvaréu de domingo à tarde, algumas árvores enormes do terreno ao lado da casa tiveram seus galhos quebrados sobre outras árvores no quintal do meu pai. O terreno é do governo do Distrito Federal. Obviamente isso significa que é um terreno baldio, que os piores elementos da sociedade utilizam como depósito de entulho ou área para esconder lixo. Um dos galhos de um gigantesco guarapuvu caiu sobre o pé de jenipapo, uma bela árvore do quintal, que dificilmente será capaz de se recuperar. O galho fez uma ponte entre a cerca da casa e o pé de jenipapo, que está todo curvado e pode se arrebentar a qualquer momento. Um perigo para as crianças no quintal. Prejuízo certo para a cerca, que pode ruir sob o peso do galho.

Na segunda-feira, minha mãe ligou para os bombeiros para explicar o problema. Eles ficaram de mandar uma equipe para cortar o galho e evitar mais complicações.

_Rá, duvido que eles mandem alguém hoje – eu disse, mastigando um delicioso arroz com feijão. Fui almoçar com eles nesta terça-feira para ver os estragos da chuva, que também levou um pedaço do telhado embora e provocou uma série de pequenos estragos.

No vizinho, o chuvaréu também provocou a quebra de galhos, que atingiu em cheio o telhado da casa.

_Mas ninguém se machucou. E já tiraram o galho de cima do telhado – disse a minha mãe.

Nós ainda estávamos falando dos estragos da chuva, quando a campainha soou. Os bombeiros chegaram minutos depois que eu falei que eles não iriam aparecer. Bati na madeira.

_Putz, vou pagar língua - eu pensei. O país mudou. As coisas funcionam. O inferno não tem nada a ver com os trópicos.

O carro de bombeiros com uma equipe de quatro bombeiros havia estacionado em frente à casa. Três soldados do fogo, trajando aquele uniforme laranja desceram do veículo e tomaram posição em frente ao portão. Meu pai foi mostrar os estragos para a equipe, eu corri para alcançá-los.

Quando cheguei perto, eles estavam com as mãos na cintura, apreciando o galho quebrado.

_É, está perigoso. Mas infelizmente a viatura com o equipamento para cortar o galho está quebrada, desde domingo. Vamos registrar o problema, esse caso é prioritário, mas vamos ter que voltar outro dia – disse um bombeiro, com jeito de novato.

_Do jeito que está é prioritário, mas ainda agüenta mais uns dias – disse outro bombeiro.

_Gozado, parecia que no chamado havia alguma coisa sobre o galho estar sobre o telhado. Nós só viemos aqui porque era um chamado prioritário – disse outro bombeiro, com jeito de veterano.

_Não, o galho que caiu sobre o telhado foi no vizinho, do outro lado, mas acho que vocês estiveram lá ontem – disse o meu pai.

_Não, não, a viatura com o equipamento está quebrada, não foi uma equipe dos bombeiros – disse o novato.

_É, mas estamos sem o equipamento, vamos ter que voltar outro dia, talvez no sábado. Isso é prioridade – disse o veterano.

_É,isso aqui está perigoso, é prioridade, pode ficar tranqüilo que até sábado, no mais tardar, uma equipe estará aqui – disse o outro bombeiro.

_Mas a viatura está quebrada ... – disse o novato.

_No sábado, com certeza, no sábado ou no máximo na segunda-feira, uma equipe vem para cortar o galho, isso é prioridade – disse o veterano.

Acompanhamos os bombeiros até o carro. Depois, quando tomávamos café, nós voltamos a falar dos estragos da chuva, de como as coisas funcionam neste país, dos bombeiros que retiram galhos e destroços dos telhados com a força dos braços, e da facilidade com que as prioridades são elencadas e descartadas.

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