O senador Aécio Neves perdeu ontem uma grande chance de pavimentar um pedaço da estrada rumo à Presidência da República. Tudo parecia ter sido preparado para que ele brilhasse. O discurso técnico de Demóstenes Torres, a abstenção fundamentada de Kátia Abreu, as perorações de Álvaro Dias e até as falas insossas de Itamar Franco. Aécio Neves assistiu a tudo com expressão altiva. Guardou o momento certo para marcar o seu primeiro pronunciamento na tribuna do senado. Mas falhou miseravelmente.
Aécio não fez aquecimento. Dispensou gargarejos e exercícios vocais. Até Itamar Franco, o ex-presidente que amava fusquinhas e a companhia de moças sem peças íntimas em outros carnavais, percebeu que o momento era grave. Franco fez de tudo para tirar Sarney do sério, mas o imortal marimbondo de fogo provou que tem uma paciência de múmia egípcia. Só arredou pé quando recebeu a notícia de um acidente doméstico com a mulher.
Aécio permaneceu impávido e sorridente. Fez pose de craque da política. Deixou crescer a expectativa.
Eu acompanhei tudo pela Internet. E torci de verdade para que Aécio brilhasse. Que fizesse o gol de pênalti. Era jogo de campeonato, em decisão estava a própria harmonia entre os poderes. O senado não poderia admitir que o executivo invadisse a seara do legislativo e levasse embora a atribuição constitucional e o poder de definir, em lei, o valor do salário mínimo deste e dos próximos anos. Não, isso seria uma humilhação muito grande para a classe política. Até mesmo para o mais Tiririca dos parlamentares.
Enquanto esperava a entrada em cena de Aécio, lembrei de algumas sessões empolgantes da Constituinte. De manifestações fantásticas e contagiantes do lado de fora do Congresso. Discursos empolgantes. CPIs. As frases cruas das denúncias de Roberto Jefferson, a confissão chorosa de um publicitário bahiano, o sorriso congelado de outro publicitário mineiro. Lembrei do choro e depois da vergonha que se repetiria do senador que depois foi governador preso, do outro senador e de sua ex-amante, que posou nua para uma revista, do presidente da câmara que não conseguiu resistir ao dedo em riste do senador que se arrependeu do terrorismo, que perdeu a moral quando também se soube que financiou viagens da filha com passagem do senado, do discurso indignado de Jarbas Vasconcelos quando pediu a saída de José Sarney. Das nomeações por atos secretos e jamais publicados. Das reportagens que falavam de milhões guardados em dinheiro vivo no armário de um certo diretor, que virou deputado distrital...
Tudo isso me passou pela cabeça enquanto eu esperava. E eu esperava ver Aécio Neves arrebatar o senado. Esperava vê-lo encantar serpentes. Mas isso não aconteceu. Aécio, o jovem senador, falou com aquele tom velho dos discursos de antigamente, usou as frases pomposas, estufou o peito, pegou fôlego de pombo e começou as soltar os adjetivos polissilábicos e bem soletrados. Foi ator articulado, e-mol-du-ra-do, mas sem emoção. Faltou imagem forte. Faltou garra. Faltou convicção na fala. Aécio disse as palavras bem ditas, mas depois de dez minutos seus pares já não prestavam atenção. Tinha gente de costas. Um monte de senadores foi cuidar da vida no celular, no iphone e no blackberry. O senador ainda iria encompridar a falação por mais sete minutos enjoativos, em que fiquei firme, esperando ao menos um bom desfecho. Mas ele não veio. Aécio perdeu o momento. O discurso não o arrebatou. Aécio perdeu o embate para si mesmo. Quando encerrou, risadas já eram escutadas no plenário do Senado.
O senador José Sarney parecia sorrir atrás do bigode. Em trinta segundos anunciou o resultado da votação da MP que tirou do Legislativo o poder de legislar sobre o salário mínimo. Só para ver se a turma estava mesmo acordada, ele quase abriu um precedente no regimento ao autorizar o senador Humberto Costa a replicar a fala de Aécio. Alguns não estavam dormindo e Sarney voltou atrás, cortando a palavra a Costa. Daí a um minuto, a sessão estava encerrada. Quem esperava ver um leão rugir, não viu nem bichano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário