sábado, 18 de dezembro de 2010

De cabeça para baixo

Alguém me falou que tomar água em jejum, logo depois de acordar, faz muito bem para a saúde. Eu acredito e bebo dois copos de água em jejum todos os dias.

Outra pessoa me disse que para acabar com as manchas nos dentes é preciso evitar o café. Eu evito, mas não muito. Meus dentes jamais serão brancos novamente.

Um cara disse que faz muito bem para a próstata urinar em pé e ao mesmo tempo levantar os calcanhares do chão, até doer as panturrilhas. Eu adotei o método e minhas panturrilhas vivem doloridas.

Uma outra pessoa me disse que faz bem para a saúde beber uma taça de vinho tinto todos os dias. Eu acredito, mas um ser humano que gosta muito de mim uma vez me falou que beber todos os dias faz de você um alcoólatra. Além disso, eu não gosto tanto de vinho assim.

Uma amiga me disse que largou o cigarro e que só fuma de vez em quando, sem se sentir culpada. Eu me sinto culpado só de pensar em acender um cigarro. Eu vivo dizendo para mim mesmo que sou um viciado em cigarro e que um viciado jamais se cura. Eu sei que só consigo manter o vício interrompido se ficar sem fumar. Tenho a cabeça dura o suficiente para achar que vou conseguir ficar sem fumar até o dia que eu quiser. E consigo.

Um grande amigo me disse que as pessoas devem dormir de lado, procurando manter a coluna reta paralelamente à linha da cama. O uso de um pequeno travesseiro entre os joelhos ajuda muito a se conseguir o alinhamento correto. Nunca me lembro do pequeno travesseiro antes de ir dormir. Em geral durmo torto e desalinhado, mas durmo pesadamente durante seis horas. Minha mulher diz que eu ronco. Uma vez acordei à noite assustado com um barulho à noite e descobri que era eu mesmo. Mesmo assim digo para a minha mulher que jamais escutei o meu próprio ronco, o que não chega a ser inteiramente mentira. O monstro que ronca não sou eu.

Pessoas que acham que eu estou em péssima forma física vivem me dando conselhos para fazer ginástica e correr. Sei que não estou em péssima forma física. Eu poderia ser capa da Tiozão do Chopp. Sei que jamais terei uma barriga de tanquinho. Já me conformei com isso. Não gosto de correr. Mas gosto de andar. Um monte de gente diz que a distância percorrida é o que importa e não o tempo em que a distância é percorrida. Não levo isso muito a sério porque um passeio relaxado e distraído não tem o menor efeito sobre a forma física. Entretanto, desconfio das pessoas que dizem que andar devagar não vale nada. Vale sim, faz um bem danado para a cabeça e é ótimo para escutar música, assobiar ou simplesmente prestar atenção na respiração.

Gosto de nadar. Gosto de remar. Adorava andar de caiaque no lago da cidade. Remava durante horas. Uma vez o caiaque virou comigo quando remava próximo à margem, enquanto eu escutava o walkman. Perdi o walkman, bebi água pra caramba, levei um dos maiores sustos da minha vida, mas consegui sair do caiaque e voltar a remar. Felizmente eu havia prendido os óculos com um elástico. Se os tivesse perdido, certamente teria me apavorado e, no mínimo, bebido muito mais água do que bebi. Depois dessa virada no caiaque passei a evitar remar longe da margem. Durante algum tempo, se eu tivesse pesadelos eles certamente terminariam com o caiaque virando. Desorientado, eu tentaria subir desesperadamente, com todas as forças, até tocar o fundo com as duas mãos e só então perceberia que estava de cabeça para baixo.

Um amigo me pergunta se eu me importo com as festividades de fim-de-ano. Eu digo que as datas festivas são realmente muito importantes e que eu as valorizo à beça. Eu digo também que a maioria das pessoas de todo o mundo pensa dessa maneira e é bom que seja assim. Uma longa cadeia de serviços e produtos são criadas e fortalecidas em função das datas do calendário cristão e das outras, que são muito especiais, como aniversários, casamentos, formaturas, confraternizações e férias. Disse também que temos uma longa cultura de celebração da memória e da lembrança. E teria dito mais coisas, mas ele já me olhava como se tivesse tido uma revelação ou se escutasse um louco.

E então se passaram vários dias e ninguém se interessou pelo que eu poderia dizer. Quando isso acontece durante muito tempo, começo a duvidar de mim mesmo e costumo me perguntar se eu realmente tenho algo a dizer. É um troço meio cíclico, acabo me convencendo de que não importa, o processo é o que importa, é o caminho e a busca permanente que trazem algum sentido para as coisas que fazemos. E o significado é intangível e efêmero, quando acreditamos que será possível captura-lo para uma dissecação minuciosa ele se esvanece como fumaça no ar. Nessas horas me vem novamente a sensação de estar mergulhando como se buscasse a superfície e a salvação, sem saber que estou indo na direção oposta e errada.

2 comentários:

Anônimo disse...

aos 20, podemos ter qq vicio que sempre tem um charme inconsequentemente delicioso.
aos 40, os vicios incomodam e viram doenças.
deixei de fumar, engordei muito e ainda lamento a falta do cigarro nos momentos delicados, inseguros ou vazios. sempre se é algo a fazer, ou se ocupar.
deixei de exercitar aquele lado feminino de empinar os peitos ao falar com algum homem interessante.
deixei de achar interessante os angustiados bebados.
deixei algumas irresponsabilidades inocentes de lado.
deixei praticamente toda eu de lado.
e cá estou eu, aos 44, tentanto emagrecer, tentanto me inventar de um jeito q caiba a mae, a mulher interessante,a alguem.
tem horas q td cansa,né nao?
beijoca.
joceli

Careca disse...

Joceli,
caramba, acho que sou um cara desinteressante, porque nunca vi mulher empinando os peitos pro meu lado, rá, rá.
Bj,

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