sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A velhinha que acredita na oposição

Numa pequena cidade do interior do Brasil, lá na fronteira de Minas com São Paulo, vive uma linda velhinha que acredita que neste país ainda existem políticos na oposição. Dona Crédula é uma intelectual que não desanimou após as eleições. Ela mantém, confiante, uma vela acesa para o santinho do Serra, a quem chama de carinhosamente de Zezim. D. Crédula atribui a derrota de Zezim às declarações fortes e incisivas do candidato contra a situação, se é que eu entendi direito.

_No sentido neoweberiano do schumpeterismo exacerbado, Zezim talvez não tenha se rendido a um abstracionismo beneplacitário com a necessária ênfase. Tinha que ter sido mais propositivo nas declarações, nos discursos e nos debates. Aliás, utilizando uma linguagem mais chula, me desculpe, Zezim deveria ter esclarecido com mais concretude aos adversários oponenciais que ele estava, de acordo com o papel histórico que lhe coube, participando com servilismo canino ao processo. Ou seja, ele daria a terceira e a quarta face a tapa, como mais tarde o fez.

_Ele pegou pesado demais, D. Crédula?

_Excessivamente. Além disso, talvez tenha sido um pouco renitente ao tentar construir sua imagem por dissuasão cognitiva da imagem do outro, ao utilizar reflexos e imagens iconográficas que remetiam a um cabeludo barbudo, ao invés de um imberbe calipigiano e com olheiras. Quando a propaganda é boa demais, o povo compra a televisão.

D.Crédula gostou do vídeo de estréia na campanha eleitoral. Aquele em que Zezim usou a imagem do PR.

_Foi lindo e inteligente. Uma metáfora perfeita do desconstrutivismo abstrato que psicodelicamente se espera da social-democracia mais evoluída e pró-sustentabilidade. Infelizmente, esse aproveitamento simbólico e sub-reptício da imagem presidencial de outrora não recebeu o devido reconhecimento do público, que interpretou tudo como uma desinteria imagética despropositante.

_Mas sustentabilidade não é discurso da Marina?

_Sim, em parte, e isso explica a ocorrência da segunda etapa do processo sufragitário. Há que se considerar a propedêutica salutar da uso polissilábico na construção de expressões de uso comum, mas que nem por isso são ou deixam de ser mais ou menos inteligentes, quiçá verossímeis.

_Hã?

_A presença da Marina foi muito importante para ressaltar as possibilidades de diferentes abordagens político-sociológicas numa primeira fase de votação. Na outra, verificamos que, ao contrário do que se pensava, a cor verdejante de uma candidatura não estava atrelada a uma palpabilidade conceitual que expressasse qualquer coisa que fizesse um mínimo de sentido. Tudo era um vamos ver, vamos estudar. Mesmo assim sou obrigada a reconhecer que foi um dos principais motivos para a realização do segundo turno.

D. Crédula também gostou do engajamento e apoio da turma tucana e democrata na campanha do Zezim.

_Guerra, Maias, Yeda, e até o Jereissati foram esplêndidos. Mas Aécio poderia ter aliviado um pouco. O superuso da imagem do Zezim na campanha mineira provocou um efeito reverso obliterado pé-de-pato mangalô três vezes. Aécio mencionava, de passagem, o nome de Serra a cada duas semanas. Às vezes mais. Três semanas. É preciso relativizar e reduzir a doses homeopáticas o poder de transferência do Aecim. Usado sem parcimônia, da maneira descabida e desenfreada como foi, há que se esperar externalidades negativas. O sujeito que iria votar no Zé mudou de idéia na última hora porque já estava cansado de usar lupa para ver o tucano na propaganda do Anastasia. Como bem sintetizou o Aecim, "a lição dada teve o bis e o tri merecidos".

_E agora, D. Crédula?

_Agora é seguir unidos para a próxima, ou, quem sabe, 2018. Zezim e Aecim estão em evidente sintonia, cada um no seu canto, sem se falar há uns dois meses, conchavando com os demos de sua predileção. Essa estratégia oposicionista foi muito bem-sucedida em um país próximo à Suazilândia. Ela consiste em evitar ao máximo confrontar a situação com fatos e assuntos do dia-a-dia. Abandonando a população ao esculacho diário, será possível constituir um projeto apedêutico que garanta a vitória da social-democracia. Ou não.

Um comentário:

Anônimo disse...

Careca,
Achei simplesmente genial a estória da velhinha que acredita na oposição. A linguagem dela alcança os píncaros da magnitude dacomunicação sócio-política contemporânea, sem resvalar-se para amesmice do quotidiano jornalístico. A posição e os questionamentosinstitucionais dela - frutos de um fascinante e inquestionávelequilíbrio mental e cultural - são como premissas de um perfeitosilogismo, que, queiram ou não os incrédulos ou contestadores deplantão, nos levam a uma certeira conclusão: a velhinha vive e professa ensinamentos e conceitos de uma nova era pós socrática, valedizer, a era que veio depois da democracia do Sócrates corinthiano. Acho que a velhinha, na verdade, é a mãe disfarçada do Gilberto Gil.Ou não. Um abraço de um correligionário da velhinha.

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