As pessoas que trabalham comigo, em média, são mais jovens do que eu uns dez anos. Isso, por um lado, é bem legal. Fico sabendo mais sobre os discos novos, os livros que a moçada anda lendo. Aprendo expressões que estão na moda e difundo gírias velhas, como putzgrila. Mas em geral, é meio solitário ser mais velho do que essa "garotada". Às vezes me chateia, porque faço referências a coisas que eles não conhecem e recebo um monte de caras de paisagem em resposta.
O grupo de pessoas mais velhas, da minha faixa etária, responde melhor a essas referências mas isso também não me anima. Esse grupo é até meio gregário, mas não me sinto muito próximo desses caras. Alguns tiveram filhos mais tarde, como eu, mas a maioria é de gente que se dedica muito à carreira. São pessoas que prezam muito o sucesso profissional. E por isso sacrificaram vida pessoal, família e bom humor. São muito vaidosos e dão um jeito de começar quase todas as frases com "eu".
Alguns são visivelmente depressivos, alternando momentos de euforia com crises de irritação profunda. São emotivos, pedem desculpas com facilidade e também se esquecem rapidamente das grosserias que acabaram de cometer. Não têm pudor. Dão um jeito de lhe contar coisas cabeludas para pedir o seu segredo. Eles nem se importam muito com o segredo em si e muitas vezes se esquecem de que já contaram aquele segredo outras vezes. O importante é checar se você não vai dar com a língua nos dentes.
Escolado, eu fujo dessa galera deprê como posso. No minuto em que os segredos são ensaiados, eu saco do meu celular e peço um segundo para uma ligação urgente. É o contrário do que fazia o Didi, dos Trapalhões, lembra? Quando o Didi queria falar alguma coisa com uma pessoa qualquer, ele fingia jogar o lápis no chão para chamar a atenção da pessoa.
_Ô psit, caiu o lápis aqui...
Então o Didi cochichava no ouvido do Zacarias ou do Mussum.
Eu faço o contrário. Tiro o celular do bolso e cochicho primeiro nele, como se estivesse recebendo uma misteriosa ligação particular. Eu fico franzindo a testa, pisco forte e peço para o meu interlocutor imaginário esperar um pouco.
_Por favor, aguarde um instante...sei...eu sei...eu falo num minuto... só um instantinho...
E com gestos indico para o sujeito que quer contar o segredo que depois eu volto, que preciso resolver o assunto da ligação, que é urgente, é urgente.
A mania de querer contar segredo para mim atinge a turma dos jovens de outrora e também a garotada.
No início achei estranho. Depois comecei a pensar e perceber que as pessoas deprês dos dois grupos não estão interessados em contar segredos para mim. É bem possível que eles estejam achando que eu é que tenho cara de quem está louco para dividir um segredo, jogar uma conversa fora, só para passar o tempo e criar uma falsa sensação de intimidade. Quem sabe?
Para tirar a dúvida, entrei no elevador com um colega da turma dos jovens de outrora, o Mr. Flowers.
_O que é isso na sua boca? - ele disse.
_Uma reação alérgica a abacaxi. Meu lábio inchou e rachou - eu disse.
_É, na sua idade as alergias aparecem da noite para o dia, tem que ter cuidado - ele disse.
_E como vocês lidavam com as alergias, no seu tempo? - eu disse.
_No meu tempo? Como assim? - ele disse.
_No seu tempo as alergias eram comuns? - eu insisti.
_Não me lembro - ele disse, desconfiado.
_Ou é segredo? - eu disse.
E imediatamente o Mr. Flowers sacou o celular.
_Um segundo só, é uma ligação urgente.
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