segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Adelino que está no skate

São várias faixas estendidas no início da subida do setor policial sul. Milhares de pessoas passam pelo trecho todos os dias.

"O Adelino que está no skate agradece a ajuda e deseja a todos um feliz Natal". O mendigo que atua na área fez uma mega-produção de agradecimentos. As faixas verdes são quadradas e grandes. As letras são garrafais. No meio da faixa está desenhada a figura de Adelino, amputado, sem as duas pernas, sobre um skate. Fiquei impressionado.

Todos os anos, as ruas de Brasília se enchem de mendigos para o Natal e Ano Novo. Eles montam tendas de plástico preto e esperam as doações das pessoas nos semáforos.

Governantes já fizeram campanhas na cidade para que os cidadãos não dessem dinheiro para os pedintes. Ao invés disso, deveríamos todos ligar para um número da assistência social, para que as pessoas carentes recebessem atendimento profissional e especializado. Acho que isso nunca, jamais, em tempo algum, funcionou, mas a propaganda oficial fazia a gente quase acreditar que as coisas funcionavam. Coisa muito parecida com...com agora.

Em outros tempos, os governantes montavam estruturas para receber os migrantes de Natal ainda na rodoviária, para despachá-los de volta. Hoje em dia tudo isso parece acabado. Acho que nenhum governo faz mais nada, só distribui o dinheiro diretamente para os carentes, sem intermediários.

Dentro dessa lógica fica mesmo muito difícil dizer para o cidadão não dar esmola. Como não fazer o que o Estado já faz a torto e a direito? Muitas vezes mais a torto e a gente torta que a direito, de acordo com alguns críticos. Pelo que vejo, no entanto, a pobreza permanece, a despeito de algumas leituras muito otimistas dos números e estatísticas.

_Careca, você é míope - dirão alguns.

_Sim, Pedro Bó, mas as meninas do Leblon não olham mais pra mim, eu uso óculos.

Muitos usam crianças para aumentar o efeito compaixão. Em mim, o efeito é o contrário, mas como dizer não para uma criança de cinco anos que lhe estende a mão em meio ao choro?

Passei a andar com pacotes e pacotes de bolachas. Ao invés de moedas, dou um pacotinho de bolachas para as crianças.

_Uma moeda, tio?

_Não, quer bolacha?

_Ô.

_Pega aí.

Fiquei sem bolachas para o lanchinho rápido no trabalho durante novembro e dezembro.

Mas com o Adelino é diferente. Ele não é um garoto. Está no mesmo cruzamento há pelo menos quatro anos. Eu mesmo já contribui com algumas moedas. Teng! Ting! Teng! Fizeram as moedas na latinha do Adelino. Toda vez que passo por ali eu diminuo a velocidade, com medo de não ver o Adelino deslizando sem pernas sobre o asfalto. Uma vez tirei um fino do Adelino, sem querer. Até fiquei com raiva do Adelino.

_Pô, Adelino, quase que eu não te vejo, rapaz!

Ele precisava mesmo aumentar a visibilidade. Mas parece que resolveu dar um salto. Adelino que está no skate investiu pesado no marketing da mendicância. São muitas faixas. Se a coisa der certo, tenho certeza de que no próximo ano Adelino fará, no mínimo, um outdoor.

Um comentário:

Mwho disse...

Careca,
O Adelino merece um prêmio pela originalidade!!!
Obs.: Não dou esmola...

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