Lá estou eu, novamente, na fila da loteria. A mega-sena acumulada atrai dezenas de pessoas que querem ficar milionários. Eu me sinto indiano, muito indiano. E a fila, como sempre, fica no meio do caminho das pessoas, no shopping. E as pessoas, como sempre, continuam a achar o Careca aqui com cara de passagem. Para a Índia, rá, rá.
Ali estou eu, na fila para fazer a minha fezinha. E a autoridade chega.
A autoridade é um guardinha de shopping. Ele usa uniforme. Tem porte militar. Barriga encolhida. Ventre preso. Quepe com distintivo, brasão, sei lá o quê. Ele cisma com a fila. Olha para mim, o único careca.
_Por gentileza, o senhor poderia fazer fila aqui, nessa direção?
_Claro, sem o menor problema – eu digo. Eu sempre tenho o maior respeito pelas autoridades. E me dirijo para onde o guardinha do shopping aponta. Com as duas mãos perfeitamente paralelas, ele traça uma linha imaginária acompanhando uma larga faixa preta que existe no piso do shopping.
_Saquei, é pra ficar em cima da linha, né? – eu digo, fazendo cara de careca inteligente. Frankenstein sorri, num lampejo de superioridade.
Mas aí a coisa encrenca. O cara que estava atrás de mim, um Baixinho Magrelo com Barriga, não havia prestado atenção. Autoridades são loucas por atenção.
_O senhor, por gentileza, poderia fazer fila aqui, atrás desse outro senhor? – disse o guardinha. Com educação. Mas dava pra notar que o sujeito não ia admitir não como resposta. O Baixinho colocou as mãos cruzadas sobre a barriga, como quem busca apoio no umbigo.
_Estou bem, aqui onde estou. Muito bem – ele disse, ao mesmo tempo em que os meus sensores de alerta interno piscavam mais do que o robô de Will Robinson (Perigo! Perigo!).
O resto da fila, que não queria saber de confusão, foi logo se alinhando atrás de mim. Havia assim uma fila em ponto L, com um Baixinho fora da fila. Graficamente, a situação poderia ser descrita da seguinte maneira:
. L
Eu comecei a assobiar baixinho. Fiu. As duas pessoas que estavam na minha frente estavam focadas nos guichês dos caixas, esperando a vez. As pessoas atrás de mim começaram a conversar potocas, buscando assuntos em voz alta, para disfarçar constrangimento. Guarda e Baixinho com Barriga se olharam durante um prolongado minuto. Os dois caras da minha frente andaram, foram cada qual para um guichê. O próximo era eu. Depois o Baixinho.
Aí o Baixinho disse para o guardinha.
_ Já fez o seu jogo, seu guarda?
Não ouvi a resposta, porque era a minha vez de apostar. Mas quando eu saí de lá e estava na escada rolante, olhei para trás. E lá estava o Baixinho, um ponto fora do L, vigiado pelo guardinha. Nenhum dos dois parecia inclinado a mudar de posição.
2 comentários:
crônica da vida.
e um baixinho otário.
kkkkk, adorei o 'Autoridade', kkk
beijos, querido e bom fim de semana
MM.
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