A coisa mais difícil do mundo é atender pedido de família. Não é difícil por má vontade. É pela coisa de fazer caprichado, bem feito, para agradar a quem pediu e todo o resto. Nesse quesito, admiro profundamente minha mãe e a mãe da minha mulher. Elas atendem aos pedidos com a maior desenvoltura, coisa que eu ainda não consigo fazer direito. No aniversário da minha filha, por exemplo, as duas avós fizeram coisas de cair o queixo. O bolo foi feito com desenho caprichado pela minha sogra. As cocadas foram feita pela minha mãe. Todo mundo achou o máximo, as duas foram super-elogiadas e minha filha adorou.
Comigo a coisa não funciona desse jeito. Primeiro porque eu não sei cozinhar, nem fazer bolo, nem cocada. Segundo, porque eu desde sempre me meto a besta e digo que sei escrever e desenhar. Então os pedidos acabam sendo de coisas relacionadas. Em geral, é cartão de aniversário. Meu pai, meu irmão e minhas irmãs sabem escrever uns cartões de aniversário super bonitos, com mensagens edificantes em diversos parágrafos encadeados. Coisa com início, meio e fim, parábola, metáfora e moral no estilo Padre Vieira. Eu também achava que era bom nessa coisa. Mas já caí na real. Hoje sei que eu me embolo todo, não consigo passar de duas linhas e no final acabo optando por "Feliz Aniversário". É uma lástima. Já fracassei na escritura de tantos cartões de aniversário que minha mulher nem me pede mais para escrever cartão para as tias e os afilhados.
Antigamente ela bem que tentava:
_O menino é seu afilhado, escreve uma coisa bonita pra ele, é uma data importante, e coisa e tal - ela falava. Em geral, eu suava frio nesses dias de escrever coisa importante e não saía nada inteligente. Só recado pomposo, mensagem lateral, palavras de escanteio. Os melhorzinhos pareciam inspirados em bula de melhoral infantil, coisa ruim mesmo.
E depois, numa época em que eu comecei a desenhar e a achar que sabia desenhar, comecei a receber pedidos para desenhar alguma coisa. Eram pedidos de gente da família que ouvia as minhas bravatas e que queria incentivar. Sabe como é, ninguém que dinamitar um potencial. Metido a besta, como eu sou, entregava os desenhos já com sugestão de moldura.
_Esse daí pede um "passipatú" branco largo, de uns vinte centímetros, com vidro anti-reflexo e moldura dourada. Vai ficar muito bom perto daquela sua reprodução do Picasso - eu dizia. É óbvio que nem os parentes me aguentaram, depois de uns tempos.
Por isso, foi com grande surpresa que recebi, no início da semana, o pedido da minha irmã para escrever uma carta para meu sobrinho.
_Mas é carta de quê, irmã?
_É só uma carta. Pode escrever qualquer coisa.
_Mas eu sou ruim nisso, você sabe, eu suo para escrever cartão de aniversário...
_Não é aniversário. E você vive dizendo que tem um blog. Então é só fingir que está escrevendo no blog.
_Tenho quantos dias para entregar?
_Só até amanhã.
_Pô, o deadline está muito em cima.
_É pegar ou largar.
_Tudo bem, eu pego:
"Querido sobrinho,
Você é uma espécie de herói lá em casa. Ser herói não é uma coisa que acontece facilmente, você sabe. Os heróis têm que batalhar muito, é dureza. Mas eu, sua tia e seus primos achamos que você está indo muito bem. Você é o sobrinho mais velho, o primo mais experiente, maior e mais forte.
Tudo porque as coisas acontecem primeiro com você. Isso começou, eu acho, com as fraldas. Você foi o primeiro a usar fraldas descartáveis na família. E também o primeiro a deixar as fraldas descartáveis, o que é ótimo. Você também foi o primeiro a ganhar aquela famosa bola que faz barulho de presente. Você sabe, aquela bola maluca. Ela solta uns barulhos esquisitos quando muda de posição. E ela sempre muda de posição. Parece o anúncio de uma invasão planetária, a explosão de um sapo reclamando. Você foi o primeiro bebê da família a ganhar aquela bola. E também foi o primeiro a fazer todo mundo enjoar dela. Tenho erisipela toda vez que eu vejo aquela bola.
De qualquer maneira, isso não diminui o seu caráter pioneiro. Aliás, isso aconteceu mais vezes, esse pioneirismo. O lance das fraldas, por exemplo, foi bem interessante. Sua mãe, que, como você bem sabe, é minha irmã, a pretexto de ensinar aos irmãos as coisas que todos nós deveríamos saber, fez questão que trocássemos algumas fraldas suas. Usadas. Pra valer. O resultado disso é que demorei a ter filhos. Tive primeiro que perder o olfato.
Para resumir, você é o primeiro, o exemplo. Embora não tenha pedido para ser o exemplo, você não tem fugido dessa responsabilidade, o que é ótimo. E tem se saído super-bem, o que é melhor ainda. Você é um bom exemplo.
É difícil ser exemplar. Todo mundo presta muita atenção, não se pode enfiar o dedo no nariz, coçar alguns lugares. É um saco, às vezes. O mais chato de ser “exemplo” é também o mais legal. Você tem imitadores. Seguidores. Exerce uma liderança. Influência. E você tem sido uma influência positiva. É bacana. É melhor do que brincar de “seu mestre mandou”. Mas tudo isso também pode ser bastante embaraçoso se você não estiver a fim de ser imitado. Acontece. Eu conheci um cara que fazia de tudo para não ser imitado, mas mesmo assim, era imitado em tudo o que fazia..."
Escrevi três laudas e meia. O texto empaca tanto que parece a mula de "os caçadores da arca perdida". E só tenho até a tarde de amanhã para entregar. Ou talvez eu compre um daqueles cartões bem legais, em três dimensões. Socorro!
Um comentário:
"...não se pode enfiar o dedo no nariz, coçar alguns lugares. É um saco, às vezes"
careca, genial!
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