terça-feira, 29 de setembro de 2009

Os desenhos do meu filho

Meu filho vem me mostrar um dos desenhos que fez. Sou um pai velho e tudo o que ele mostra me enche de orgulho. Ele tem seis anos e me admira. Não sei como, consegui me tornar uma referência para ele. Uma espécie de modelo. Sei que ele observa todos os meus gestos. Ele gosta de me imitar. É uma enorme responsabilidade. E a melhor maneira de exercer essa responsa é não ficar ligando muito pra ela, mas ficar sempre ligado. Na verdade, eu tenho mais de quarenta anos e um enorme medo de desapontar o meu filho. Sei que isso vai acontecer, e acontece todos os dias, aos pouquinhos, mas procuro ser cuidadoso. Sei que não posso me derramar em elogios. Isso iria provocar uma canseira no menino. Também sei que não posso ser muito crítico, para não tolher a criatividade. A indiferença é um crime. Muito entusiasmo é pior do que o desdém. É difícil. Decido pelo tom de voz interessado e curioso:

_Uau!Achei massa esse lance aqui e as cores também são muito legais, amarelo e vermelho, puxa!

_Que bom que gostou, Pai!

Acho realmente admirável o uso que ele faz das cores. Gosto de verdade das soluções complexas que ele cria para inventar uma perspectiva. E me emociono com a forma apressada como ele desenha cabeças, braços e pernas. Ele tem uma preocupação com umbigos. Ele não se esquece de desenhar umbigos. E orelhas. Já desenhei um monte de pessoas e cabeças, mas não me preocupo com orelhas. Ele não, ele sempre faz os desenhos com orelhas. E umbigos.

Ele pinga o pontinho do umbigo sobre as camisas e roupas de super-heróis, de vez em quando. Acho que tenho culpa nisso. Lembro de uma vez ter dito que o Super-Homem não tinha umbigo, porque era um extraterrestre. E não havia garantias de que lá no planeta dele as coisas também funcionassem do mesmo jeito, com as cegonhas trazendo os bebês depois que os pais faziam sexo. Com as barrigas crescendo e as abelhas e flores numa orgia interminável de pistilos e pólens. Mas não lembro de falar nada sobre orelhas.

É um desenho que mostra uma luta. Um dos seus heróis prediletos em batalha contra um monstro gigantesco. Ele anotou, sobre o monstro e o herói, a medida de cada um. O herói, uma pequena bolinha cinza, com orelhas, tem apenas 15 centímetros. O monstro tem 300 centímetros. E é realmente grande e tenebroso, em vermelho, amarelo e preto, as horrendas orelhas negras e pontudas.

_As orelhas têm pelos, né? E cadê o umbigo desse? - eu pergunto, apontando para a pequena pelota cinza.

_Não dá pra ver, pai, ele está de costas.

Talvez seja apenas um truque da memória, uma imaginação mais fértil. Mas um dia eu talvez também tenha falado assim com meu pai.Com a tranquila autoridade daquilo que eu ainda não sei. Com a segurança da minha inexperiência. Com a certeza de que existem mesmo respostas para todas as perguntas, especialmente para as que não foram feitas.

2 comentários:

Cau. disse...

Que delícia vivenciar essa fase do seu filho!
Conta a lenda do um bigo, dois bigo, etc.
Acho que ele vai entrar em choque!
Hahaha!

Paulo Bono disse...

porreta, Careca.

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