quarta-feira, 14 de maio de 2008
Passa a bola, Pelé
Uma das coisas mais gratificantes do mundo é encontrar uma pessoa generosa. Uma pessoa que, aparentemente, não esconde o segredo do pulo do gato. Já encontrei umas duas ou três pessoas assim. Pessoas que me deram dicas honestas, legais e inteligentes. Pessoas que fizeram questão de dividir constatações livre e espontaneamente, sem rodeios, sem fazer doce. E me ensinaram coisas para a vida inteira. Coisas profissionais, coisas do coração.
E bobagens legais.
Aqui vão algumas delas, só pra vocês ficarem sabendo do que eu estou falando.
_Ó, Careca, faz assim. Respira fundo. Prende. Aí faz pressão. E sopra com força, com a ponta da língua nas beiradas dos dentes de baixo. Aí. Viu, é fácil.
Essas instruções inesquecíveis foram dadas pelo meu primo Carláile, que é da minha idade, mas já sabia assobiar muito tempo antes de mim. Eu tinha sete anos. E depois que eu aprendi passei a praticar todos os dias, dentro e fora de casa, na escola, na rua, na padaria e onde quer que eu estivesse. Assobio até hoje. Mas só para chatear os outros. E nunca ninguém me ensinou a assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Também, não gosto de chupar cana. No máximo, eu mastigo a cana, se ela estiver cortada em gomos. Mas gosto de assobiar.
_Ó, Careca, você pega um cabo de vassoura e um pedaço de fio de cobre bem grosso e encapado. Desencapa as duas pontas do fio, assim uns cinco, seis centímetros. Se não tiver canivete, descasca com o dente e as unhas, mesmo. Isso, agora enrola a parte encapada do fio no cabo de vassoura. Deixa as duas pontas descobertas paralelas. Isso. Está pronto.
Isso aí foi o Jô, um amigo meu, que me ensinou. Era um estourador de tomadas. Em setembro do ano em que eu completei nove anos de idade, eu e ele estouramos umas trinta tomadas dos prédios da quadra. Só paramos depois que o Jô levou um choque. Foi tão violento que uma das obturações derreteu. Bom, isso foi ele que falou, eu duvido. Eu estava do lado dele e acho que ele exagerou. Não vi fumaça nenhuma. Tive que acertar três pauladas nele para que desgrudasse do cabo de vassoura. Só isso. Se tivesse derretido aposto que ele teria continuado. Se bem que ele ficou fedendo queimado uns dois dias. Mas o Jô é doido de pedra. E eu detesto choque.
_Ó, Careca, está vendo ali, é o contra-peso. Aquele é o cabo do contra-peso. Quando o elevador passar é só dar um passo. Viu?
Mas isso eu nunca tive coragem de fazer. Elevador-alemão só não é pior que roleta russa. Mesmo assim nunca esqueci. É, foi o Jô que me ensinou a andar ali em cima. Mas quanto ao contra-peso, fiquei só na teoria. Nunca tive coragem de dar o passo. E sobrevivi. Sei de uns quatro casos de meninos que caíram.
Depois, muito depois, uma amiga me falou uma coisa muito importante.
_Olha, Careca, eu não conheço ninguém que tenha vivido duas vezes. Para mim, todo mundo desenha no escuro, sem borracha. Mas existem uma porção de bons palpites por aí. Então, o melhor é prestar atenção e caprichar.
Bacana, essa amiga. Faz anos que não vejo. Até acho que presto atenção. Mas preciso caprichar mais.
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8 comentários:
"Uma carta ao meu amigo Careca"
Então, não sou boa em escrever como você e a Lúcia, mas espalho por onde vou, o quanto vocês são importantes pra mim. Não é puxar saco, não. Não é ficar puxando a sardinha pro lado de vocês, não. É só o que eu sinto. É, todos por aqui, dizem que sou muito previzível. Essa semana quase fiquei surda por causa de um furúnculo no ouvido...risos. Sobrevivi. Estou devendo levar o doce pra lúcia. Mas a questão é que vocês são generosos em multiplicar suas vivências contando pra gente. Vez ou outra, os raios cósmicos ou sei lá o que ou quem, me guiam até que eu conheça pessoas assim, legais que me ensinam a cada post.Tenho aprendido muito (me divirto mais, observo mais, dou mais risada sozinha mesmo). Não é um comentário, é um agradecimento. Porque vocês é que são muito importantes para o equilíbrio da generosidade. E Careca, se você preferir, não precisa liberar, não. Pessoas não entendem que é imprescindível falar e agradecer. Tem gente que acha que é puxasaquismo. Deixemos pra lá, né. Lá em minas a gente assa pão-de-queijo, faz um cafezinho, assa uma broainha, senta ao lado do fogão de lenha e conversa e ri. Brigada.
Uai, uma carta muito bacana, obrigado.
até hoje ninguém me passou o pulo do gato pra assobiar o dedos, saca? daquele jeito pra chamar a cerveja no estádio.
abraço
Paulo, parece transmissão de pensamento! Depois que fiz o post lembrei do mesmo detalhe. Também não sei, meu primo não me ensinou os três jeitos de assobiar com os dedos: dois indicadores; dedos em "V"; e polegar e indicador em arco.
careca, engraçado você contar isso porque meu sonho é andar em cima dum elevador.
e escrevi um post à la careca hoje no frankamente.
Franka, eu vi o post e morri de rir. Eu às vezes fico enrolando daquele jeito mesmo. Mas você imprimiu um ritmo todo seu. Obrigado.
Careca,
Acho que o "espírito de porco" também é um sentimento bem humano... A gente só aprende a disfarçar um pouco..
Abraço,
Mwho, a gente disfarça até o que não sabe que tem. Mais anéis que uma cebola e muitas carapaças...
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