terça-feira, 27 de maio de 2008

Um mito sobre a paixão



Um amigo meu, o Mário Rosa, uma vez me falou do Pentagrama dos Trinta Beijos. Era uma mandinga duma simpatia para fazer uma mulher ficar apaixonada por você a vida inteira. Ele dizia que funcionava. Mas tinha que renovar o Trapézio dos Trinta Beijos todo mês. Era uma operação bem complicada, esse tal de Paralelepípedo dos Trinta Beijos. Envolvia banho, massagem, óleo e vinho. E antes tinha que ter um jantar bem legal. Eu julgava que a periodicidade mensal era devida aos jantares e não a uma economia de beijos e amassos. Naquela época, nem eu e nem o Mário tínhamos dinheiro para um PF, quanto mais para óleo, vinho e jantar legal.

_Mário, você tem a cabeça cheia de merda – eu dizia para ele.
_Careca, você é imaturo. Só tem 15 anos. Quando você ficar mais velho, vai ver que eu tenho razão. E aí vai querer saber como é a Cruzeta dos Trinta Beijos – ele respondia, meio sábio, meio obscuro.
_Mário, você só não é mais bobo porque é só um – eu dizia para ele.

Depois, já na universidade, eu perguntei para o Mário como era o tal do Quadrilátero dos Trinta Beijos. O Mário estava com a namorada dele. Eu estava com a minha. E o Mário disse que não sabia de que merda eu estava falando.

No ano passado, numa viagem para a Bahia com a Patroa e as crianças, eu encontrei o Mário Rosa no aeroporto. Fazia uns dez anos que eu não via o Mário. Ele continuava igualzinho.

_Careca, você também vai pra Salvador?
_Mário Rosa, você agora virou adivinho?
_Não, sua anta, você está na sala de embarque, na entrada do vôo sem escalas para Salvador.

Colocamos a conversa em dia. Mário Rosa, hoje em dia, é especialista em imagem. Ele faz palestras no Brasil inteiro falando de imagem. Ele tem uma penca de políticos que ouve os conselhos dele. Alguns desses caras vivem nas capas dos jornais e revistas. Ele escreve livros e vende milhares de exemplares. O Paulo Coelho sempre escreve os prefácios dos livros do Mário.

Funciona mais ou menos assim. Se o povo te odeia, o Mário vai encontrar um jeito de você ficar mais amável. Se o povo te ama, então o Mário vai encontrar um jeito do povo continuar a amar você. Se o povo é indiferente, então não procure o Mário. Ele cobra uma grana preta. Ele vive disso. É a arte dele. Então, eu acho que o Mário deve saber o que está fazendo. Muita gente acredita que sim.

Aí, ainda no aeroporto, eu perguntei para o Mário se ele se lembrava do Polígono dos Trinta Beijos. Eu lembrei a ele que era um tema recorrente de nossas conversas. Ele olhou para mim e disse que não se lembrava de nenhuma conversa recorrente. E mudou de assunto. Ele me contou da viagem para encontrar o Paulo Coelho e do novo livro que estaria lançando. Foi muito interessante, mas eu só queria saber do Losango dos Trinta Beijos.

O Mário Rosa tinha razão sobre a imaturidade. Acho que eu era um esnobe terrível. E, hoje, eu tenho certeza que sou um esnobe terrível. Quanto ao resto, eu não sei, tenho cada vez mais dúvidas sobre antigas certezas. Sei apenas que não se pode deixar de dar importância ao que se recebe gratuitamente. Especialmente aquilo que nos é oferecido pelas pessoas que não querem nada em troca. Mesmo assim, como é natural, muitas vezes a gente deixa e depois tem que correr atrás do prejuízo. E, geralmente, essas coisas a gente recebe e não diz nem obrigado.

Eu não lembro mais da mandinga da simpatia. Mas se eu soubesse como era, eu acho que faria ela na minha mulher. Faria até mais vezes por mês, só para garantir. Talvez até dia sim, dia não. Talvez não funcionasse, porque eu ficaria devendo o jantar, o óleo e o vinho. Eu sou um horror preguiçoso na cozinha. Mas sou bom de beijos, banho, massagem e o resto. Lembro que não pode passar de trinta beijos. Senão tem que começar tudo de novo. Sim, senhor. Talvez a simpatia esteja toda aí, em errar um pouco a conta e começar tudo de novo, cada vez com uma geometria diferente.

10 comentários:

Paulo Bono disse...

acho que o melhor da história é o Mario não lembrar ou "não lembrar" da simpatia. texto macio e corrente, carecone. você podia ter uma coluna de domingo num desses jornais.

abraço

Careca disse...

Paulo, bem que seria bom ter uma coluna, ajudar com o nescau. Abraço,

Anônimo disse...

Eu também acho que você, Careca, é um talento que ainda não descobriram. O tal Mário devia ser um humano bom e um biruta consciente. Já Paulo Coelho é de outra galáxia (ele é composto daqueles legos). Sou mais os seus textos,Careca. São mais "palpáveis". Às vezes tenho a idéia de que o Paulo Coelho nos vê como algo em conserva e sem raciocínio. abraço

Careca disse...

Uai, composto de legos é uma definição muito legal! Um abraço,

Mwho disse...

Careca,
Também leria a sua coluna no jornal!
Está lançada a campanha!
Obs.: O seu amigo Mário Rosa deve ter aquela amnésia seletiva, onde a pessoa se esquece do que não convém lembrar...
Um abraço,

Anônimo disse...

careca, o zé até hoje faz o paralelepípedo dos trinta beijos comigo e por isso que eu tou com ele até hoje. ele janta, toma banho de vinho, banho de óleo, manda trinta beijos para o ar, massageia os pés dele e depois vem ver televisão comigo na sala.

Careca disse...

Franka, o Zé é que é sabido!

Careca disse...

Mwho, gostei da campanha. E agora?

Anônimo disse...

e agora que o mundo saberá de ti! só isso. como disse mwho: "Está lançada a campanha!"

Careca disse...

Uai, olá mundo!

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