segunda-feira, 12 de maio de 2008
Porrada vai comer lá fora
O Sandro era do meu tamanho. Era magro como eu. Também usava óculos.
A gente era quase da mesma força. O Sandro era meu colega de sala. E até a gente discutir, éramos bons amigos. O Sandro se sentava na carteira ao lado da minha.
Mas o Sandro havia me xingado. Eu havia xingado de volta. E não tinha mais retorno. Não sei como, a gente tinha chegado naquela situação. A gente tinha xingado a mãe. A gente ia ter que brigar. E era chata aquilo, o Sandro era um cara legal. Eu nem queria brigar mesmo, mas era inevitável.
Eu tomava muito cuidado para não xingar a mãe de ninguém. Meu irmão, dois anos mais velho e muito mais experiente em histórias de porrada, já havia me prevenido.
_Não mete a mãe no meio. Se isso acontecer é briga na certa. Xinga a tia. Diz assim: Sobrinho de uma vaca! Já ouviu falar de alguém brigar por isso? Pois então. Ninguém vai se sentir obrigado a sair na porrada se xingar a tia. Agora, mãe, não. O cara briga até se for órfão – ele disse, várias vezes. Mesmo assim, vacilei.
Meu irmão é muito bom com as palavras até hoje. E no futebol também. Meu irmão já foi craque. Se não tivessem acertado o joelho dele aos catorze anos, tenho certeza de que teria chegado à Seleção.
O joelho dele inchava muito. E ele começou a ter de fazer punções. Depois o joelho começou a inchar à tôa, por qualquer coisa. Ele teve que fazer muitas e muitas punções. Devia doer uma eternidade. Mas eu nunca vi meu irmão chorar. Levou quarenta e dois pontos e mais de oito meses no Sarah Kubitscheck para se recuperar.
Na época dessa briga, meu irmão não podia me ajudar. Tinham dito que o problema no joelho era grave. Que ele poderia até perder a perna. E ele teria que fazer uma cirurgia.
Então eu estava sozinho, no dia da briga.
Esqueça tudo o que você já ouviu falar sobre brigar na rua, na saída da escola. Não tem o menor glamour. Ainda mais quando você apanha. E eu apanhei um bocado. Acertei umas poucas pancadas. Mas não abaixei a cabeça. O Sandro também não. Tiveram de vir apartar, pois aquilo já estava ficando chato de assistir. Eu fui para um lado. O Sandro foi para o outro lado.
Cheguei em casa e a minha mãe estava feliz ao telefone, eufórica, com o sucesso da cirurgia no joelho do meu irmão. Ela nem reparou no meu nariz, no corte no lábio. Eu passei depressa por ela e fui me lavar.
No dia seguinte, eu vou para o meu lugar. O Sandro passa direto, vai sentar lá atrás. E no outro dia também. E no outro. E no outro. Nunca mais o Sandro se sentou ao meu lado. Nunca mais fomos amigos. Acho que ele também achou que havia perdido a briga. No fim, se pensar bem, perdemos os dois.
Um dia, na saída da escola, uma mulher linda veio falar comigo.
_Por que vocês brigaram? – ela perguntou.
Não tive coragem de responder. Era a mãe do Sandro. A mulher mais bonita que já vi.
No outro semestre, não vi mais o Sandro. Acho que ele mudou de escola.
Anos depois, abro o jornal e vejo um cara sorrindo, com uniforme de corrida, levantando um troféu. Era o Sandro. Xinguei ele de novo, bem devagar.
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10 comentários:
quer melhor vingança que um post como esse?
As brigas de escola não são esquecidas jamais... Más lembranças... Acho que é bom ficar mais velho. Mesmo que às vezes a gente ainda brigue...
Franka, acho que está mais para purgação do que vingança.
Mwho, lembro mais das que brigas que perdi. Vitórias são pouco lembráveis, eu acho.
Careca,
Só para lembrar:
- não ponha a minha mãe no meio, senão ponho no meio da sua!
Era a senha para o duelo inevitável...
Pevê, e tinha ainda a do "dobra e redobra"...
era quinta série. meu melhor amigo e eu brigamos por causa de uma rasura no caderno. é foda. na verdade, isso foi a gota d´água. porque gostávamos da mesma menina.
só sei que eu ganhei a briga; e ele levou a menina.
abraço, careca.
Paulo, quinta série é quando os hormônios costumavam começar a explodir. Lembro bem. Abraço.
Careca,
Não tive coragem de admitir antes, mas a inveja é um dos sentimentos mais humanos que temos, não?
Abraço,
Mwho, é sim, o jeito é conviver com ela e prestar atenção quando quiser colocar a cabeça para fora.
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