sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Uma vantagem competitiva
Eu acordo cada dia mais cedo e mais cedo. Ultimamente, eu abro os olhos bem antes do relógio despertar. Ainda é o rádio-relógio que eu ganhei de um casal amigo e leitor quando eu me casei. Nunca falhou esse rádio-relógio. E ele parece complexo o bastante para desestimular a aproximação e mexeção das crianças. Mas é super simples de programar. Embora só a Patroa faça a programação do rádio-relógio, que eu não sou louco de mexer numa coisa que fica do lado dela da cama, bem em cima do único criado-mudo.
Há cerca de um ano, eu ainda acordava uns dois minutos antes do relógio despertar. Ficava só olhando para o teto, respirando devagar. Aí acabava cochilando de novo. E é extraordinário como às vezes esses dois minutos pareciam horas de sonhos intermináveis.
Mas agora acordo dez minutos antes do despertador. Se continuar nesse ritmo, no final do ano estarei acordando meia hora antes do despertador disparar o alarme. No início fiquei preocupado. Seria insônia? Seria excesso de vontade de acordar? Seria falta de sono? Ou seria ansiedade? Depois de pensar por alguns segundos eu decidi que essas perguntas só poderiam ser respondidas por um especialista. Por isso, hoje eu fui consultar o Osvaldão.
O Osvaldão é um especialista em generalidades e particularidades que eu conheço lá da quadra. Embora ele não saiba disso. Aliás, ele nem sequer sabe o meu nome, o Osvaldão. Mas para mim, o Osvaldão é um gênio disfarçado, que joga xadrez apostado e sobrevive de vender mel e CDs piratas numa banquinha. Ele é esperto e monta a banquinha bem em frente à agência do banco, no bairro onde eu moro. Desse modo, o Osvaldão pode oferecer mel, CDs piratas ou propor uma partida rápida de xadrez valendo dez reais a trocentas pessoas todos os dias.
Foi num sábado, há cerca de cinco anos, que eu conheci o Osvaldão. Eu sou metido a jogar xadrez e o cara me desafiou, quando eu saía do caixa automático. Na época, o Osvaldão ainda jogava a cinco reais. Ele ofereceu um pote de mel da melhor qualidade, doutor, e depois me falou que eu tinha cara de jogador de xadrez. Eu disse que sabia jogar, omitindo o fato de ter sido campeão escolar, promessa da faixa etária, blá-blá-blá. E então ele perguntou se eu topava uma partida rápida. É claro que eu topei. E a primeira eu ganhei fácil. A segunda já foi um pouco mais difícil, mas venci. E em seguida o Osvaldão perguntou se eu queria valer cinco reaus. É claro que eu vali. E tomei um xeque-mate vapt-vupt-te-esconjuro-cruz-credo que me deixou atônito. Foi tão rápido que parecia jogo de damas.
Desde então, uma vez por semana eu aposto cinco reais com o Osvaldão numa partida rápida. E ele sempre ganha. Já perdi uma nota preta. Mas continuo a jogar. Eu aprendo muitas coisas com o Osvaldão. Ele joga um tipo de xadrez falado. Não para de falar nem um minuto enquanto está jogando. Fala mais do que vendedor de peixe. Mais que barbeiro e motorista de táxi. O cara é uma máquina parlamentar. Isso deixa qualquer um zonzo e ajuda a explicar o número de vitórias que tem sobre mim. Mas tenho de ser honesto. A verdade é que as vitórias do Osvaldão são espetaculares. E o blá-blá-blá do Osvaldão sobre qualquer assunto me convenceu de que ele é a pessoa indicada para me explicar se acordar antes do despertador faz bem ou mal para a saúde.
Mas é lógico que eu não poderia simplesmente fazer uma pergunta direta ao Osvaldão. A maior parte dos sábios do planeta não sabe que é sábia. Se souberem que são sábios, esses sabidos ficarão orgulhosos e não servirão mais como receptáculos e fontes de sabedoria para ninguém. Infelizmente é assim. No negócio da sabedoria, a propaganda estraga o negócio e os melhores e mais sábios são os que ignoram a própria sabedoria e os que pensam, sinceramente, que são ignorantes. Portanto, depois de deixar o meu indefeso cavalo ali, na casa quatro do bispo do rei, eu procurei encaixar o assunto dormir pouco e acordar antes do despertador no blá-blá-blá interminável do Osvaldão. Ele parou de falar. Me olhou com os olhos esbugalhados.
_Você vai deixar o cavalo aí? – ele me perguntou, duvidando da minha sanidade mental.
_Mas é claro! – eu disse, e aproveitei a pausa para dizer que havia acordado a mil por hora, bem mais cedo que o despertador lá de casa.
_Bom mesmo é dormir até tarde – decretou o Osvaldão, antes de derrubar o meu rei, distraído.
E agora, cada partida custa dez reais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário