Ela chora quando a prima, um ano mais velha, diz que não é mais sua amiga. E ela fará quatro anos em setembro. Ela é minha filha, que eu faço força para ver se eu consigo entender. O universo feminino é complicado, cheio de sutilezas. Tento não ser cartesiano quando olho para a minha pequena princesa. E também tenho que refrear o meu impulso super-protetor. Daqui a pouco já não poderei mais chamá-la de princesa. Hoje as pessoas já olham atravessado para mim, como se eu estivesse exagerando essa coisa de princesinha. Talvez eu esteja mesmo, mas eu é que vou decidir quando parar de chamá-la de princesa.
Uma vez disse a ela que todas as meninas são princesas até completar cinco anos de idade. Aí, nessa idade, algumas continuam sendo princesas. Outras viram meninas comuns. E ninguém sabe o motivo. As meninas que continuam princesas são muito gentis com as outras meninas, mas também sabem se defender. As meninas comuns também são muito legais e tudo, só que não gostam mais de serem chamadas de princesas. São ex-princesas. Mas como é muito difícil falar “ex-princesinha” isso, “ex-princesa” aquilo, as pessoas acabam deixando de falar. Chamam a menina só pelo nome, que é mais fácil. Principalmente se a menina chamar Ermenegilda Ermengarda Emerenciana Espeleliógrafa, que é um dos nomes mais difíceis do mundo. Aí chamam a menina de Quatro És.
Eu estou sentado, lendo um livro. As duas, minha filha e a prima, brincam à minha frente. É um brinquedo de fazer colares e pulseiras. De repente, alguma coisa acontece, as pedras e pedaços de pulseira se espalham por todo o quarto. As meninas culpam uma à outra. As duas procuram os vidrilhos e contas. E minha filha não consegue achar um pedaço do brinquedo da outra. Ela pede desculpas várias vezes. Mas a prima não aceita. A menina percebe o poder que exerce sobre a mais nova. E tripudia. Meninas e meninos são cruéis uns com os outros, ficam testando limites das próprias emoções dentro do peito. Mas a crueldade entre meninas é de um nível diferente. Elas espetam mais fundo no coração da gente. Meninos também são capazes de fazer a mesma coisa. Mas as meninas parece que aprendem desde pequenas onde é mais doído e como despertar mais dor. A prima também é uma bonequinha, mas eu decido interromper aquele aprendizado doloroso.
_Meninas, vamos fazer as pazes – eu digo, como se fosse possível apagar um incêndio na floresta com um cuspezinho de água. A priminha me ignora e sai do quarto, correndo. Estou só com a minha princesa. E ela aproveita a ausência da prima para chorar de verdade, com toda a tristeza possível e imaginada. E é um choro desamparado, de soluço entrecortado por pedaços de frases chorosas e fanhas.
_Ela ...dão...é...mais...bia....bi...ga!
Eu tento consolar minha filha, mas manha é manha. Não se pode dar muita corda.
_Princesa, não liga, não. Ela já vai voltar. Você é a única platéia dela, digo, ela está louca para brincar com você – e enquanto eu falo isso, eu tenho uma idéia.
_Acho que sua prima vai gostar de ganhar um presente de amizade – eu falo, piscando para minha filha.
E então eu pego caneta e papel e ficamos muitos minutos desenhando as letras e pintando as palavras. Quando ficamos satisfeitos com todas as cores, beijos, flores e corações do mundo desenhados numa folha de papel, a prima volta, ainda exibindo um beicinho de ofendida, para continuar a pantomina de não-sou-mais-sua-amiga. Mas eu e a princesa já havíamos combinado tudo. O presente já estava dobrado e pronto para ser entregue. Curiosa, a menina perguntou o que estava escrito.
_É uma prova de amizade – recitou a minha princesa. E lá dentro estava escrito “diploma de amiga”, com um monte de corações, lábios de beijinhos, flores e um passarinho torto. Ou seria uma borboleta?
_E vale a vida inteira – eu completei. Embora eu soubesse que poucas coisas valem uma vida inteira.
8 comentários:
Acho que essa priminha vai perder o status de princesa na primeira avaliação de desempenho!!!
Eles serão sempre os pequenos, não adianta, careca. E se prepare pra ouvir muito "porra, pai... que mico" hahahahha
Existem mulheres que tiveram ao seu lado o pai, a mãe ou alguém da família cuidando pra que sempre compreendessem o sentido de ser amável, mesmo após a fase de princesa. E na maioria das vezes, elas se tornam verdadeiras rainhas capazes de vencer qualquer guerra. Nesta fase do "diploma de amiga, já existe essa rainha, pois a verdadeira princesa é doce e sabe acalmar os ânimos! Nós nos orgulhamos de dizer que somos seus amigos, ô Careca! abração
Mwho, a menina só tem quatro anos, dá um desconto!
Rodrigo, você tem absoluta razão. E o meu menino mais velho já começou a se dar conta disso.
Uai, obrigado pelo baita diploma! Um abração,
Careca, a prima aceitou o diploma e desfez o bico? Porque é nessa resposta que você saberá se ela vai perder o status de princesa na primeira avaliação, como disse mwho... rsrs Abraços!
Janaína, depois de muita embromação ela aceitou. E num instante as duas primas pareciam gêmeas. Mas nesse final de semana aconteceu uma nova reprise dessa novelinha. E com o mesmo final. Acho que elas vão cansar. Um abraço,
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