sábado, 16 de agosto de 2008
A medalha de outro
Cielo, o nadador, ganhou a medalha de ouro nos 50 metros livre. É a primeira medalha de ouro nessas Olimpíadas. A turma toda sai gritando: é ouro para o Brasil, il, il. Papo furado. Não é do Brasil não, é a medalha do Cielo. Nem sei nada sobre o atleta, mas o mérito é todo dele. Assim como a medalha de bronze. E as outras de bronze são também de quem ganhou. E as de prata, se alguém ganhar uma de prata. É óbvio. Mas vão querer tirar casquinha. Aliás, uma da melhores coisas das olimpíadas é ver quem é que está querendo tirar casquinha do outro.
O que eu achei mais legal da medalha de ouro do Cielo foi que ele disse que ia lá, ia pegar, ia baixar o tempo. Não foi arrogância, foi vontade. Garra. A despeito de quem não estava com foco, dos que estavam ali meio conformados ou até muito satisfeitos de terem chegado nas quartas-de-final. O Cielo foi lá e deu a cara a tapa. Eu gostava do Xuxa porque ele também soltava o verbo. Não posava de bom moço. E parece até que era. Mas não fazia pose.
Atleta brasileiro posa muito de coitadinho. É chato à beça. Esses caras competem com os melhores do mundo. Coitados não vencem. Auto-piedade é tiro no pé. Phelps passa oito horas por dia na piscina. Todos os dias. Deve ser uma vida chata pacas. Mas é o maior nadador de todos os tempos. Escolheu esse caminho e meteu o pé, tamanho 49. Não lembro de ter visto o cara se queixar. Campeões têm que ser metidos? Se não forem, entram na piscina, no tatame, na quadra, já derrotados? Não sei. Nunca olhei muito para atleta fora do esporte. Nunca tomei como modelo de vida. Nunca comprei uma Ryder. E olha que eu sou fã do Guga e do Piquet. Mas acho que posar de coitadinho é pior do que complexo de vira-latas. Campeões, para mim, são estóicos. Só vi Garrincha em vídeo. Ele chamava os gringos de joões. Botava em fila e driblava. E estava com o joelho ferrado.
Atleta, em competição, só tem que pensar em nota dez. Um exemplo de melhor atitude até agora foi a do atleta de luta romana, que colocou a medalha de bronze no chão, em protesto. Ele não atirou a medalha no chão. Ele, calma e refletidamente, colocou a medalha próxima à linha do tatame, que demarcava o espaço da luta greco-romana. Foi um gesto super-pensado. Foi um protesto, depois de todas as lutas, naquela que foi a sua última luta. Abandonou a medalha. Achou que ela não lhe reconhecia o mérito. Podia até estar errado. Mas foi uma atitude masculina pra caramba e ainda mais digna que a cabeçada do Zidane na última copa do mundo. Gostei pacas da cabeçada do Zidane, que abandonou o esporte dando porrada num mala. Vai ser digno e autêntico assim na casa do chapéu! Não se preocupou em posar de bom moço. Em ser politicamente correto. E nem foi pegar o prêmio de melhor atleta. Como o atleta que abandonou a medalha.
Teve umas pessoas que falaram: -Mas que péssimo exemplo para as criancinhas.
Eu achei um exemplo excelente para as criancinhas. A mensagem estava super-clara. Respeito é bom e eu gosto. Era a mesma mensagem da cabeçada. Olha, se você encher muito o saco do ser humano, nem o melhor atleta do mundo te agüenta e você pode levar uma porrada na frente de milhões de pessoas. Uma mensagem super educativa. Olha, a gente compete pelo mérito, simbolizado nas medalhas. Se não houver mérito, a medalha que se dane. Zenedine Zidane virou sinônimo de “paciência tem limite”. A gente agüenta muita coisa e seria ótimo mandar a cabeçada em quem passasse dos limites. E é fantástico ter “guts” para abandonar o prêmio que não reconhece o verdadeiro mérito.
Os países não competem nas Olimpíadas. São os atletas.O quadro do ranking de medalhas é uma aberração. O quadro parece dizer, olha, já que aqui temos a maioria dos melhores atletas, somos o melhor país do mundo, a nação mais mega super. Não é nada disso. E não é nem a sombra pálida da verdade.
A China lidera o placar. E ali, é cada um por si e, na melhor das hipóteses, o partido pelo partido. Ninguém está para brincadeiras. É luta diária pela sobrevivência. Ali, não dá para ter megalomania. Você nasce e convive diariamente com a sensação de que você é substituível, muito substituível. Além de ter certeza de que é substituível, você cresce certíssimo de que existem pelo menos uns mil iguaizinhos a você só no bairro onde mora. Nem dá para admirar a noção de coletivo dos caras. Eles existem coletivamente desde criancinhas. O individualismo é que é um troço novo para eles.
Foi por isso que eu apostei com meus irmãos e pais que dessa vez só três brasileiros iriam medalhar um ouro. Todos os três com V. Vela, vôlei e Diego Hipólito. Perdi a aposta mas achei o maior barato, o Cielo. Foi lá, viu e venceu. E estou torcendo para ele dar uma cabeçada em alguém. De preferência em quem quiser tirar uma casquinha ou tentar lhe diminuir o mérito.
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2 comentários:
Careca,
Gostei do seu texto e concordo com quase tudo.
Quase, porque acho que o sueco da luta greco-romana que abandonou a medalha não respeitou o espírito maior do esporte que é o "fair play", não sabendo reconhecer a vitória de seus concorrentes.
Diferente do Zidane, que revidou a agressão verbal do italiano, foi expulso e aceitou a punição honrosamente.
Abraço,
Mwho
Mwho, acho que ele não interferiu com a premiação de ninguém, nem ofendeu adversário. Ele pegou a medalha dele e colocou no chão por achar que os juízes da competição erraram. Pode estar certo ou errado quanto a isso. Mas não quis esperar processo. Ele mandou as Olimpíadas às favas. Avançou o sinal, o "point of no return". Tem que ter "ulhão" para fazer isso.
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