terça-feira, 19 de agosto de 2008
Sempre ao meu lado
Ela está sempre ao meu lado, minha insegurança crônica. Posso senti-la tentar chacoalhar os meus ossos, soprar o seu sopro covarde sobre meu rosto. Sinto o seu hálito gelado percorrer a minha espinha. Quase posso cheirar o perfume suave e ácido, de morangos mofados, que ela carrega entre seus miasmas. Minha insegurança é como um relâmpago intangível que acontece atrás das minhas pálpebras. Ela sempre encontra uma maneira muito esperta de me encurralar.
Numa época sombria da minha vida, eu procurei fazer um esforço de personificação da minha insegurança. Em primeiro lugar, arrumei um nome para ela. Batizei a minha insegurança de Isadora. Mas hoje eu chamo ela de Isa. É mais curto. Acho bonito, esse nome.
Aí fiquei imaginando se a minha insegurança era feia ou bonita. Decidi que a minha insegurança seria bonita, bem bonita. Não dá para andar com uma insegurança feia por aí. Beleza é fundamental até para insegurança. E essa insegurança, definitivamente, me acompanharia a todos os lugares. Em compensação, ela seria fria, fria. Até porque insegurança não combina com calor. A quentura é quase sempre relaxante. Depois fiquei pensando se ela seria morena, sarará, ruiva ou loira. Ruiva. Definitivamente, a minha insegurança era bela, ruiva e gelada.
E então comecei a pensar numa voz para a minha insegurança. E pensei em dezenas de timbres de voz. Algumas sensuais. Meigas. Outras fortes. Sopranos, contraltos. Profundas. Com sotaque do nordeste. Com o “s” exagerado dos cariocas. O “r” dos paulistas do interior. E com as consoantes engolidas dos mineiros. É incrível como as vozes podem ser diferentes e variadas. Mas como a minha insegurança nunca gritou comigo e nem mesmo sussurrou no meu ouvido, descobri que ela é muda. Só pode ser muda.
Depois disso, procurei vê-la ao meu lado, quase da minha altura, maior um pouco se usar um salto muito alto. Ela parece ter belas pernas, essa minha insegurança. Parece ter o corpo todo bonito, como a Isadora de Oliveira. Mas é menor, mais compacta, menos chamativa. É um corpo mais modesto, que não se consegue ver direito. E que eu tenho medo de tocar, nunca toquei, seria como encostar num fantasma.
E mais tarde, quando eu a vi da maneira como é possível vê-la, bruxuleando com a claridade da chama de uma vela, silente, bela, ruiva, muda e trêmula, eu percebi que jamais poderia amá-la. E tenho certeza de que ela percebeu esse instante, o momento em que eu disse para mim mesmo que era impossível. E pude ver, de relance, o brilho tênue e furioso do olhar de quem procura vingança, de quem não admite o ultraje de não ser amado incondicionalmente.
Desde então, minha insegurança me aflige.
_Isa, não! Agora não – eu digo em silêncio, procurando afastá-la. Mas ela se esquiva, etérea, esvoaçante fumaça de gaze.
E como eu não entendo nada da linguagem de sinais, fico desesperado de vê-la em bruma agitada, as mãos sacudidas em gestos loucos e espirais funéreas. E aí, quando menos espero, ela me acerta no peito, como se fosse uma falta de ar, um desespero. E eu me imagino de joelhos no chão, como se fosse aquele soldado ferido e abandonado no Vietnã, no final de Platoon.
_Isa!
E um dia, eu tenho certeza, Isa virá com uma adaga afiada e sentará ao meu lado, onde ninguém poderia imaginar que coubesse mais alguém. E ali, tão bela e tão fria, Isa dirá com voz inaudível que seu nome é outro, também terrível. E ninguém entenderá quando eu cair sobre a mesa, depois de servirem o cafezinho. Nessa hora, e só nessa hora, logo antes do meu último suspiro, eu a verei se esvair, nefasta, como se tragasse uma última tragada de um cigarro imaginário.
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14 comentários:
Ôôô! Tava inspirado, hein, menino? Maravilha de crônica!
Todos somos inseguros.
Uns disfarçam melhor.
Outros não têm coragem de reconhecer.
E os piores nem conseguem saber...
careca desabafa?
Quando rola a minha "insegurança" eu só lembro de Dorian Gray. Já leu o livro? Pois é, me concentro em Dorian e em Basil e tento afastá-la!
Ai, Careca, que medo dessa ruiva, credo! Fiquei insegura agora: será que uma "Isa" dessas tá do meu lado? Vixi, me lembrei da loira do banheiro. Será que minha Isa é uma loira do banheiro? Eu hein! Abraços.
No ângulo.
Cynthia, vou agradecer à Isa!:)
Mwho, Phelps e Bolt não parecem inseguros. Mas talvez estejam só disfarçando.
:)
Franka, sim, a Isa abafa!
Rodrigo, sim, já li, é um livro maravilhoso. Vou tentar com a Isa.
:)
Janaína, desencana. Tem gente que vive numa boa, sem Isa nenhuma. Abç, :)
Poupador, grande abraço.:)
Careca, será que cabe mais uma leitora na Kombi? Você escreve muuiiito.... Leio todo dia e é primeira vez que comento...Parabéns.
Gina, é claro que cabe! Tá cheio de lugar nessa Kombi! Um abraço,
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