quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Um esforço de esnobação



Ele deve ter algum problema comigo, que eu não sei dizer exatamente qual é. Tem um rancor esquisito. É como se eu não coubesse mais no papel em que ele sempre me colocou. Já foi meu amigo, esse sujeito. Mas já não o reconheço direito há vários anos. Acho que ele nunca me levou a sério. Sempre me tomou por maluco e só consegue me ver como maluco. Como bufão e brincalhão. Ele só consegue ver o meu lado palhaço, esse meu ex-amigo. E como estou cansado de bancar o palhaço, ele estranha que eu não banque o engraçadinho, como agora.

Definitivamente, esse cara tem um problema comigo. Eu falo de um conto que li uma vez sobre um casal que espera um outro casal para o jantar. Foi há muitos anos que li esse conto, eu minto. Mentira danada. Eu li esses dias esse conto , acho que na semana passada, num site que já esqueci qual é, mas não foi em português. Acho que foi no site da New Yorker.

Eu reconto o conto. Resumido.

É a história de um casal que espera um outro casal para o jantar. O casal esperador fica fazendo piadinhas sobre o outro casal durante os preparativos. Eles fazem um monte de piadas sobre os futuros visitantes. De como os visitantes são previsíveis. O que eles dirão. A maneira como vão anunciar as coisas. As falsas surpresas. Eles planejam a maneira como irão sacanear e forçar a retirada do casal visitante. O marido, afinal de contas, é quem planeja todos os passos a serem dados no sentido de deixar as visitas sem graça e com pressa de ir embora. Por último, o cara planeja o golpe final, o modo como vai se livrar do vinho que o casal deverá trazer, como sempre. E de como abrirá ostensivamente uma última lata de cerveja na cara dos visitantes, sem oferecer nem uma gota para os convidados.

Mas, depois de muito tempo, fica claro que o casal de visitantes não irá aparecer. Então o casal anfitrião começa a se preocupar. Telefonam, não conseguem respostas. Ligam para os hospitais próximos. Deixam recados, esperam recados. Ficam realmente numa neura geral de preocupação.

Aí o maridão resolve procurar o casal furão. A esposa fica em casa, já de pijamas, para o caso de alguém de algum hospital ligar. E o maridão, ao chegar ao apartamento do casal, percebe que ali está acontecendo uma super festa, daquelas festas de escurinho, gente biritando, dando gargalhadas, aquelas coisas de festa com muita gente. E aí ele vê um cara superdivertido, que conheceu através do casal que estava dando a festa e que deu o cano nele e na esposa. E eles conversam um pouco e num instante o cara se dá conta de que não houve engano algum, o casal que ele adorava esnobar havia esnobado ele e a mulher.

Então o sujeito resolve sair de fininho. Mas é impossível, porque a mulher do casal está bem atrás dele e ela vai rebocando o cara para um canto da casa, onde possam conversar. E lá ela diz na cara do sujeito que ele não havia sido convidado. Que ele é um idiota convencido. E que ela só o aturou durante anos para não magoar a esposa dele. Mas que na verdade não iria mais aturar. E só falta cobrir o cara de porrada física, porque ela o destroça moralmente. Ele sai magoado, o maridão, acha que foi ultrajado. Quer poupar a esposa do mico da esnobação. E aí ele fica imaginando coisas idiotas, mentiras bestas para contar para ela.

E quando ele chega, a esposa ainda está acordada. E ele abre a boca e ela já entende tudo, não precisa mais falar nada, nem de mentirada, nem de meia verdade. Ela começa a fazer a mala. E é óbvio que o cara finalmente se dá conta de que é ele o grande panaca de Quixeramobim. Que é ele que envenena as coisas. Que é ele que cava fosso entre as pessoas. E, aliás, a esposa chora e pergunta porque é que ela tem uma vida daquelas. E ele se sente desimportante, virando átomo, piolho de poeira. E o sujeito percebe que ali, enquanto sua mulher chora, é como se ele nem estivesse no planeta Terra.

Depois que eu termino esse imenso relato do conto que eu li e achei genial eu olho para esse cara. Mas é óbvio que ele não entendeu nada. É óbvio. Esse cara tem um rancor esquisito, não sei o que eu fiz. Ele só diz assim, com o uma boca meio torta de empáfia:

_E daí?

12 comentários:

Mwho disse...

Muito interessante a sua percepção.
Sinto o mesmo em relação a um cara que conheci na faculdade e que sempre me hostilizou e nem mesmo assim eu deixei de gostar dele...
Um abraço,
Mwho.

Rodrigo Carreiro disse...

Seu relato foi ótimo, o conto de ser maravilhoso. Me passe o link depois, careca.

Anônimo disse...

O careca pena que voce não lembre onde leu, adorei o resumo... tem tanta gente assim, acho que até sou assim as vezes... Muito chato perder um amigo por isso!
Não sei se já comentei aqui antes mas venho sempre... Te achei por causa da franka e adoro aqui!!
parabéns!

Careca disse...

Mwho, o Cabeça é fogo...

Careca disse...

Rodrigo, copie aí: http://www.newyorker.com/fiction/features/2008/08/11/080811fi_fiction_ferris

Careca disse...

Liliane, não é à tôa que a Franka é a Musa dos Blogs... E o link está aí em cima, na resposta ao Rodrigo. Um conto magistral, como quase todos os contos publicados na The New Yorker. Abç,

Careca disse...

http://www.newyorker.com/fiction/features/2008/08/11/080811fi_fiction_ferris

Careca disse...

Eita link difícil de colocar: www.newyorker.com/fiction/features/2008/08/11/080811fi_fiction_ferris

comece com http://

Careca disse...

08/11/080811fi_fiction_ferris

Careca disse...

Quer saber? Vou colocar o link lá no texto, direto.

Mwho disse...

Careca,
Não me refiro ao Cabeça, mas a um grande amigo dele...
Abraço,
Mwho

Careca disse...

Mwho, tinha o Rubble, o Marcelo Comuna, o Pedro Pernalonga, eu, o Alarrádel, o Mio e o Mao, o Igor, o Batfino, o M. Rosa, o JK e mais um bando de caras. Que eu me lembre, todo mundo se hostilizava. Eu saí no braço três vezes com outros caras e só parei com encrenca quando quebraram o meu nariz. Abç, :)

Frase do dia