sábado, 23 de agosto de 2008

Aprender e aprender e aprender



Eu agora vou jogar xadrez com o Osvaldão e procurar gravar o que ele fala. O Osvaldão tem umas teorias estranhas. Como eu disse ontem, a maior parte dos sábios do planeta não sabe que é sábia. Se souberem que são sábios, esses sabidos ficarão orgulhosos e não servirão mais como receptáculos e fontes de sabedoria para ninguém. Os melhores e mais sábios são os que ignoram a própria sabedoria e os que pensam que são ignorantes. Nesse sentido, o Osvaldão é um desses sábios escondidos. É um guru disfarçado de vendedor de mel, CDs piratas e apostador de xadrez. Ele monta uma espécie de banquinha bem em frente à agência do banco. Se ele for com a sua cara, ele te convida para uma partida de xadrez. Cada partida agora vale dez reais.

Eu comecei a jogar com o Osvaldão há cinco anos. Na época, cada partida valia cinco mangos. A especialidade dele é o blitz, o xadrez inventado por Bob Fischer nos anos sessenta. Nessa modalidade, não se pode demorar muito. Aliás, se você demorar um minuto para dar um lance, você perde. Dessa maneira, uma partida longa de blitz demora, no máximo, uns cinco minutos. E o Osvaldão é muito bom. Nunca ganhei dele. A não ser duas partidas, que ele entrega de lambuja para freguês novo. O Osvaldão deve ter uma memória visual prodigiosa, pois ele nunca esquece as lambujas. Mas até hoje não sabe o meu nome. Nesse sábado, por exemplo, tem três sujeitos que estão ali, esperando a vez. Um deles, um cara de óculos, bigode e barbicha, estava na minha frente no sábado passado e eu vi quando o Osvaldão deixou ele ganhar uma vez, colocando uma torre de lambuja bem na frente da dama. E depois eu vi o Osvaldão depenar o pobre Schnáuzer em vinte mangos. Dessa vez, o Schnáuzer começou com uma lambuja e caiu na história da aposta dobrada. Perdeu cinqüenta pratas num instante e ainda levou meio litro do mel do Osvaldão, que além de não ser produzido por insetos que zumbem, possui uns favos de aparência duvidosa dentro.

Comecei as gravações na seqüência do Schnáuzer. Eu disse assim para o Osvaldão:
_Osvaldo, você se importa se eu gravar essa partida?
_Gravar o som? Não tem problema. Só não pode filmar. Não fico bem na televisão.

Na verdade, acho que o Osvaldão não fica bem nem em foto 3X4.

Acompanhe aí embaixo a primeira degravação:
“Todo dia você aprende uma coisa. Tunc. Depois você fica sabendo e aí não precisa aprender mais, certo? Errado. Tunc. Pode ser que sim, pode ser que não. Por exemplo, dedo na tomada. Você aprende que não pode enfiar o dedo na tomada porque leva choque. Tunc. E aí você não enfia mais o dedo na tomada. Está aprendido. Tunc. Tomada e choque são coisas muito didáticas. Tunc. Essa coisa de conhecimento prático, com dor, funciona bem para um monte de coisas, inclusive descascar laranjas. Mas não vale para tudo. Tunc. Na maior parte das vezes, você apenas aprende as coisas e pronto. Tunc. Você só aprende, aprende, aprende e tudo continua do mesmo jeito. Tunc. Não faz a menor diferença você aprender alguma coisa. Tunc. Nem poderia, o mundo não vai mudar só porque você aprendeu que dois e dois são quatro, vai deixar o bispo aí mesmo, doutor? Tunc. Pois então, é tudo assim mesmo, Tunc, cheque!, você vai levar um cheque mate em três lances, toma cuidado com a torre. Tunc. Era a outra, essa não, Tunc, que agora só faltam dois lances para o mate, Tunc, atenção com o rei, é, você só tem esse rei, então é melhor prestar atenção nele.O que eu estava dizendo? Aprender? Pois é muito bom aprender sempre, mas chega um ponto em que a coisa fica meio cansativa. Tunc. Você aprende, aprende, aprende e fica na mesma, não é verdade? Depois desse falta só um lance, Tunc, cheque, tem gente que nunca aprende, e eu acho bom, porque gosto de jogar xadrez com quem perde para mim. Não é só pelo dinheiro, eu gosto de dinheiro, todo mundo gosta, quem diz que não gosta mente. Tunc. Xeque mate! Quer valer em dobro? Não? Próximo!”

O “Tunc” da degravação é o barulho da peça de xadrez no tabuleiro. Ainda tenho muito que aprender com o Osvaldão.

Nenhum comentário:

Frase do dia