domingo, 31 de agosto de 2008
A escada caracol e o ouvido do Careca
Escadas. Devia existir uma lei contra a construção de casas com escadas. Elas ficam lindas, é verdade, mas com criança pequena por perto, uma escada é fonte permanente de preocupação. Veja a casa do meu sogro, por exemplo. Lá existe uma escada em caracol para o segundo andar. E obviamente, no domingo, a cada quinzena que vamos lá, eu cansei de pedir para as crianças não brincarem na escada. Cansei de falar para não deixar brinquedo na escada. Fiquei exausto de dizer para não descer a escada carregando coisa, especialmente copo, de falar para não descer a escada correndo. E o mesmo vale para as subidas.
_Sobe devagar! Desce sem copo! Não corre na escada! Olha o carrinho esquecido no degrau! Ô saco! – aí eu ficava de paciência torrada de dar aviso. De ser prevenido, precavido e cuidadoso.
Até que eu cansei de olhar para a cara dos outros adultos presentes e de ver a cara de não estou nem aí, de todo mundo. Eu lá, bancando o tio bravo, falando para todas as crianças tomar cuidado. E os outros ali, numa boa, fazendo cara de sonso, de não é comigo, de nem te ligo, que cara mala. Cansei.
Aí, neste domingo, as tropas de primos e primas reunidas começaram a correr para cima e para baixo. A pular, berrar e se esgoelar em volta da escada. A subir com profusões de copos. A descer pulando degraus. E eu fiquei mudo e em silêncio absoluto, prestando a maior atenção no dvd que estava rolando.
As crianças passavam, olhavam para mim e eu nada. Nem piscava. Elas viravam a cabeça e de repente desciam a escada caracol na maior velocidade. E eu nem olhava. Elas subiam com dezenas de carrinhos hot-wheels nas mãos e braços. Eu escutava os carrinhos escorregando pela escada. Quase dava para contar os que ainda tinham ficado ali, meio escondidos nos degraus, esperando um incauto se estabacar.
E eu continuei mudo e tranqüilo. Eu não disse nada. Eu não reprimi ninguém. E de repente as coisas foram realmente ficando mais calmas. As crianças ficaram mais quietas.
Começaram a desfilar na frente da TV. A passar uma a uma, olhando fixo para mim. E eu nem desviava os olhos da tela da TV. E aí todas elas se abraçaram, sentaram quietinhas ao meu lado e começaram a cantar “Imagine all the people...”
E você acreditou? Rá!Rá!
Quando as crianças começaram a desfilar na frente da TV eu corri atrás do meu primogênito e o peguei. Aí descobri uma fita adesiva, daquelas cinzas largas e grossas, e amarrei o garoto e o deixei debaixo do chuveiro de água fria, até o filme acabar.
E você acreditou? Rá!Rá!
Não rolou nenhuma dessas duas coisas, minha querida Kombi de leitores. Neste domingo eu realmente não esbravejei com menino nenhum. Deixei isso para os outros pais e avós presentes. E no próximo domingo, vou fazer melhor. Vou ficar de fone de ouvido. Todo mundo respeita fone de ouvido, ninguém fica berrando em volta. E nem vou estar escutando nada com o fone de ouvido. Acho que vai ser bem divertido.
sábado, 30 de agosto de 2008
Sem baixas
Eu demoro a conseguir contar as coisas. Eu me enrolo muito para contar as coisas. Dou voltas e pulos e sobressaltos para contar as coisas. E meu filho é igual a mim.E hoje, neste sábado, eu fui pegá-lo na hora do almoço, na casa de um amigo. Eu ando antenado, ultimamente. Fico ligado nas vibrações. Fico procurando pelo em ovo. E com isso acho que percebo que alguma coisa está errada. Hoje, ao chegar na casa do amigo do meu filho, eu percebi que havia alguma coisa errada. Um silêncio grande demais. Meninos de cinco anos fazem muito barulho. A não ser que estejam perto de videogame. Não existe nada mais silencioso que menino com videogame. Os videogames é que são barulhentos. Mas não era o caso. Não havia barulho de videogame em lugar nenhum. Ainda no portão, vi o meu filho e o amigo se aproximando. Meu coração parou de dar pulos no peito. O meu sentido de alerta começou a emitir sinais de tranqüilidade.
Tem hora em que eu imagino que tenho um olho de scanner computadorizado. Com um mero piscar de olho eu faço um close e escrutino o alvo. Num instante, meu olhar já havia renderizado o meu filho em três dimensões e não havia nada de errado com ele. Ainda assim, percebi que havia alguma coisa estranha no ar.
_E aí, filhote? Tudo beleza? – eu perguntei. Às vezes eu acho que estou vivendo um filme da década de setenta, quando eu era menino como as minhas crianças.
_Tudo OK – ele respondeu. Acho legal ele falar OK. Zero Killed. Sem baixas. A gíria que se espalhou pelo mundo inteiro depois da primeira guerra mundial.
E num instante a mãe do amigo do meu filho já chegou, com a mochila do meu filho na mão. Ela estava com pressa, a moça. Foi gentil e tudo, mas estava com pressa de que eu fosse embora. Eu sou paranóico. Eu sou estressado. Eu antecipo problemas. Eu sou exagerado.Eu tenho um monte de defeitos. E eu sei entender quando estão com pressa. Especialmente quando as pessoas estendem a bochecha para se despedir e vão, delicadamente, colocando a gente para “fuera”. “Tranquilla, senora, jo soy tranquillo”, eu pensei. E no meio das despedidas rápidas ouvi meu filho falar alguma coisa sobre vidro quebrado. Meu sentido de alerta emitiu sinais fortes. Puxei o assunto, com jeitinho.
_ Ele quebrou alguma coisa? Por favor, se ele provocou algum prejuízo teria o maior prazer em ressarcir imediatamente. Gostaria muito que você não fizesse cerimônia com isso e me dissesse, na lata, o que foi quebrado e como eu poderia diminuir o dissabor provocado...
E por aí afora. Quando eu fico preocupado ou eu emudeço ou dano a falar que nem o homem da cobra. Acho que falei uns três parágrafos médios e ainda falaria mais se a moça mãe do amigo do meu filho não tivesse me atalhado.
_Não, deixa disso, assim você me ofende – a moça falou.
E aí eu disse mais uns dois ou três parágrafos de “veja bem” e “não se trata disso”, mas ela estava mesmo com pressa, me guiou até o carro, me ajudou a colocar o filhote na cadeirinha de criança e até bateu, de leve, a minha porta do carro. Talvez tenha batido antes que eu estivesse realmente sentado, mas a intenção foi boa. E no caminho de volta para casa, descobri, com tristeza, que meu filho havia deixado um vaso de vidro cair. Depois, com um pouco mais de conversa, descortinei, para meu horror, que ao invés de acidental, a queda do vaso de vidro havia sido proposital. Ou seja, o filhote havia jogado o vaso no chão. Com um pouco mais de conversa, percebi que ele havia destruído o vaso alheio depois de brigar, a socos e pontapés, com o amigo. E com outro pouco mais de conversa, entendi que ele voltou a brigar mesmo depois da briga ter sido apartada e dada como encerrada pela juíza, mãe do amigo. E com um pouco mais de conversa, comecei a desconfiar que alguma coisa do videogame havia sido quebrada. E conversa vai, conversa vem, confirmei as minhas suspeitas. Um disco de videogame foi efetivamente quebrado. E meu filho disse que foi a mãe do amigo. Não consegui entender o motivo.
Repassando a conversa, várias vezes, ficou claro que;
1. os dois jogavam videogame;
2. os dois brigaram por causa do videogame;
3. a briga foi apartada e dada como acabada, sem vitorioso;
4. insatisfeito com o resultado, meu filho retomou os ataques;
5. novo aparte e encerramento veemente, com o juiz perdendo as estribeiras e quebrando um disco de videogame em meio a ameaças obscuras;
6. em retaliação, meu filho vai até onde existe um vaso bonito, de vidro, e o atira no chão;
7. a juíza escuta o barulho e corre até onde está o meu filho e, felizmente, o pestinha não está ferido;
8. todas as providências são tomadas para que ninguém se machuque;
9. as crianças são instruídas a manter distância uma da outra;
10. eu buzino na chegada e todos sorriem amarelo ao me ver.
Bom, eu e a Patroa vamos conversar sobre o assunto e decidir o que fazer. Acho que o melhor é evitar que ele fique sem supervisão materna ou paterna por um tempinho. Coisa de dois ou três anos. Expliquei para ele, ainda no carro, que não é legal destruir as coisas dos outros. Também expliquei que a maioria dos acidentes é desculpável. Mas quando destruímos, de propósito, as coisas dos outros, é muito difícil sermos perdoados. E depois, em silêncio, eu fiquei pensando na montanha de prejuízos, no Everest de perdas e danos que a gente acumula na vida.
E depois pensei que as minhas conversas de adulto mais profundas são com o meu filho de cinco anos.
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Sorte, pura sorte
Um bilhete da escola alternativa que encontrei hoje nas coisas das crianças dizia assim:
“Queridos associados,
Caso tenham em casa garrafas pet, bandejas de isopor, latas e potes de iogurte, tragam para a escola porque estamos precisando desses materiais para o trabalho com as crianças. Por favor, pedimos ainda que tragam tudo lavado e seco. Temos recebido muitos materiais sujos, às vezes com mofo e até mesmo com restos de substâncias nocivas, como produtos de limpeza. Eles são usados para colocar cola, tinta na hora da pintura e, às vezes, se transformam em guarda trecos e até mesmo em dinossauros ou outros seres.
O trabalho com esses materiais ajuda as crianças a construírem uma relação mais consciente com o meio ambiente, aprendendo sobre a reciclagem e a reutilização de dejetos, valorizando assim a natureza e inibindo o consumismo exacerbado.
Coordenação”
Eu gosto da escola alternativa. Mas alguém precisa explicar para a Coordenação que dejetos não podem ser reciclados e reutilizados numa escolinha. Talvez possam ser reaproveitados como esterco, mas depois do tratamento adequado. Mesmo assim, não gostaria que as minhas crianças mexessem com dejetos, reutilizados ou não. Ficaria mais feliz se eles aprendessem a usar a descarga como se deve. E também não entendo de que maneira isso possa contribuir para a valorização da natureza ou inibir o consumismo acerbo ou exacerbado. Talvez quem mexa com dejetos não possa colocar a mão no bolso, é a única coisa que me ocorre.
Em seguida, a Patroa me conta que já começou os preparativos para a festa de aniversário da princesa. Temos uma amiga que é professora de jardim de infância, que começou a fabricar uma série de aventais de TNT para as crianças usarem. A Patroa conversou com a professora da minha filha, que é ótima professora, mas que disse que é contra o uso de TNT.
_Por quê? – perguntou a Patroa, interessada.
_É por causa do petróleo. Todo mundo tem que fazer a sua parte – respondeu a professora, que é ótima professora.
_É? Como assim?
_Devemos evitar o uso do petróleo.
_É, auuun, minha amiga está fazendo a parte dela. E eu faço um pouco, todos os dias. Inclusive, tenho horror a plástico.
_Ah, mas eu sou contra o TNT.
_Ah, sim, eu uso cada vez menos.
_Não brinca, eu estou falando sério.
_Eu também. Meu carro é flex. E nem vê cheiro de gasolina há um tempão...
Gente maluca. Confesso que eu fiquei tentado a tirar as crianças da escola.
Mas de que adianta? Estamos cercados de gente semi-preparada em todos os lugares. Nosso amadorismo só não é pior que a nossa inocência. E nós acreditamos piamente que nossas incapacidades serão perdoadas no último instante, só porque somos genuinamente bons, porque temos uma alma gentil. E até agora, temos sido perdoados. Mas é sorte, pura sorte.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Mangalô, mangalô, mangalô
A maior parte das pessoas me considera um cara esquisito. Eu sei disso. E a primeira impressão que eu causo nas pessoas é sempre estranha, com tendência a ser ruim. Eu também sei disso. Eu chamo essas primeiras impressões de “sacadas com viés de baixa”. É como se a pessoa olhasse para você meio de cima, te colocando um pouco para baixo. Aí você olha para a pessoa e ela disfarça um pouco, vira meio de lado, mas não muito. E solta uma risadinha. He!He! É o segundo Ré que denuncia a “sacada com viés de baixa”.
Alguns amigos já me falaram essas coisas. Muitos ex-amigos já me falaram as mesmas coisas. Os amigos de verdade sempre fazem uma volta longa para me falar sobre as impressões que eu causo. Os novos amigos também procuram me avisar. Isso aconteceu outro dia, lá no trabalho.
_Sabe Careca, preciso falar uma coisa com você. É importante, cara – falou o Mister Flowers, todo cheio de precauções.
_Pó falá.
_Olha, Careca, eu te conheço há pouco tempo...
_Diga.
_Não me leve a mal.
_Manda bala, Flowers.
_É o tipo da coisa chata de se dizer.
_De-sem-bu-cha.
_Você me desculpa, mas eu tenho que dizer.
_Solta o verbo, Flowers.
_Você conhece aquela piada do gato que subiu no telhado? Pois então, vamos dizer que sua reputação subiu no telhado.
_Qualé, Mister Flowers? Minha reputação está viva. E está onde sempre esteve, próxima ao limbo das organizações, no pântano refogado das mediocridades.
_É, mas agora parece que está bem pertinho, quase no ostracismo do limbo.
_Cacilda! Isso é grave, isso é grave, isso é muito grave.
_É, bicho. Ao invés de ser mais um no meio da planície dos ignorados, parece que atentaram para suas qualidades de alvo fácil e de boi de piranha. Você está na beirada do precipício. Te cuida, garoto!
_Valeu, Flowers. Tratarei de me proteger à penumbra. Buscarei o vale dos esquecidos. Vou submarinar.
E durante uma semana eu mergulhei.
Eu me afundei no trabalho.
E fiquei com o meu periscópio em posição de escoteiro, sempre alerta.
Procurei sinais de perigo.
Secretamente, aderi a todas as correntes de orações na Internet.
Busquei simpatias.
Mandei umas trezentas mensagens das correntes para o meu mailing de emergência. Andei com patuás. Ainda ando.
Não dispensei nenhum toque na madeira. Não dispenso.
Joguei sal atrás do meu ombro.
E parece que as coisas estão mais amainadas.
Valei-me.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Fio dental antes de dormir
Ultimamente tenho sido assombrado por algumas lembranças de infância. Isso deve ter algum significado profundo. Mas como eu sou um dos caras mais superficiais que eu conheço, o significado deve ter a profundidade de um pires. Hoje eu me lembrei do meu irmão mais velho novamente. Dividimos o mesmo quarto durante uns dezoito anos, mas só agora essas lembranças começam a me assaltar. E são assaltos quase literais. É como se uma porção de minhas lembranças chegasse pé-ante-pé atrás de mim e gritasse “Mãos ao alto”! Eu dou um pulo e levanto os braços. Sou assaltado e sobressaltado o tempo inteiro por essas lembranças, não há o que fazer. Eu me rendo à gangue da memória. Eu me entrego para essas pilantras, essas trambiqueiras marginais que ficam fugindo pelas beiradas dos pensamentos.
Eu me lembrei de como o meu irmão conseguia me irritar com fio dental. É uma coisa muito higiênica, fio dental. E em casa sempre fomos incentivados a usar fio dental. Desde pequenos. E nós todos sempre fomos muito obedientes e escrupulosos quanto ao uso do fio dental. Meu irmão também. O único problema é que meu irmão usava o fio dental fora do banheiro. Todos nós, inclusive meus pais, usávamos o fio no banheiro, logo depois da escovação, de preferência de olho no espelho. Meu irmão, não. Ele saía do banheiro, já de pijamas, com aproximadamente meio metro de fio dental esticado entre as mãos, sem contar o que já havia enrolado nos dedos das mãos. Ele utilizava uns dois metros de fio por noite.
Geralmente eu já estava deitado e cochilando. De repente, eu começava a escutar aquele barulhinho. Tic. Tic. Tictéim. Tic. Téim. Tictéim. Era o meu irmão e seu fio dental. Ele usava tanto fio e esticava tão forte que aquilo produzia um extraordinário som no contato com os dentes. E a boca ajudava o som a encorpar. Téim. Era terrível. E eu tentava me controlar, mas não havia jeito. Ele ficaria a noite inteira tocando a terrível musikatz até que eu me levantasse. E eu me levantava. Nas primeiras vezes, discutimos como pessoas civilizadas. Mas desistimos dos berros porque as punições sobravam para nós dois. Depois partimos para as pequenas agressões com travesseiros. Mas rapidamente desistimos delas, porque os travesseiros destruídos não foram substituídos “para aprendermos o que é bom para a tosse”.
Eu tentei apelar para o célebre algodão no ouvido, mas aquilo me impedia de ouvir o despertador na manhã seguinte. Tentei usar o fio fora do banheiro, junto com ele, mas esse não era eu. Era ele. Tentei fazer outra coisa, palavras cruzadas, enquanto ele fiodentava. Tentei ler a Bíblia. Tentei eletrocutá-lo. Nada funcionava. Durante umas três semanas, o meu irmão realmente se divertiu ao me perceber agoniado para arrumar uma solução para aquele barulho irritante. E eu não conseguia.
Até que eu o vi sair do banheiro com um pequeno pedaço de fio dental. Durante o dia, eu sabotara todos os fios dentais que encontrei em casa. Usei um estilete para picotar os fios em vários lugares, para impedir a possibilidade de se tirar um pedaço maior do que quinze centímetros. Cortei o mal pela raiz, nos novelos. E durante uns dez dias, fiquei em paz, dormi sem escutar o Téim, Tictéim.
Mas uma noite, quando eu menos esperava, entreabri os olhos no travesseiro ao perceber a presença do meu irmão. E lá estava ele, com um enorme sorriso no rosto, sentado no colchão ortopédico. Com uma das mãos, segurava um copo. E no instante seguinte, ele começou o gargarejo.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
Tirante isso e aquilo
Uma das coisas mais difíceis para os seres humanos é dividir coisas. Simplesmente porque algumas coisas não são feitas para serem divididas. Isso é particularmente difícil no banheiro. Veja a escova de dente, por exemplo. Ninguém divide escova de dente. No máximo dá para compartilhar um fio dental, cada um corta um pedaço, usa e joga fora.
Escova não. Ninguém compartilha. E dá até engulho no estômago imaginar uma escova de dente compartilhada. Isso não se faz e pronto. A não ser em caso de emergência, eu jamais compartilhei uma escova de dente com outro ser humano. É, teve uma vez que usei a escova da Patroa escondido, sem ela saber, porque o cabo da minha escova quebrou e eu precisava ir trabalhar. Mas tirante essa vez, escova sempre foi algo exclusivo.
Outra coisa de banheiro que não gosto de dividir é toalha. Isso vem desde pequeno. Eu tenho um irmão e duas irmãs. Cada um tinha sua própria toalha no banheiro. Mas o meu irmão mais velho sempre usou o maior número possível de toalhas secas para se secar. Esse meu irmão sempre considerou um direito natural dele usar as toalhas dos outros, desde que estivessem secas. E, quase sempre, ele era o primeiro a tomar banho.
Eu não ligava muito se a toalha estava seca ou molhada, mas esse péssimo hábito do meu irmão incomodava muito minhas irmãs. Uma delas ficava particularmente histérica por encontrar todas as toalhas molhadas quando entrava no banheiro. Tirante isso, eu nem achava que estavam tão molhadas assim, afinal eu pensava que meu irmão usava quatro toalhas para se secar. Eu não sabia que ele, só para irritar a minha irmã mais propensa à histeria, secava-se quase todo com a toalha dela e só depois utilizava as outras. Isso é realmente de enlouquecer.
Obviamente, minha mãe encontrou uma solução rápida para o problema das toalhas. Minhas irmãs foram instruídas a não deixar suas toalhas no banheiro. Mas a partir desse dia, todo o problema ficou somente para mim. Eu não poderia fazer como as meninas e deixar a toalha no quarto. Não. Isso não seria masculino. Desse modo, eu passei rapidamente a detestar ver a minha toalha encharcada no banheiro. A única coisa que me impediu de ter ataques histéricos foi o fato de sempre encontrar, desprotegida e indefesa, a escova de dente do meu irmão. Tirante isso, no dia em que eu sugeri a ele que sua escova poderia ser utilizada para contribuir para a limpeza do vaso sanitário, minha toalha nunca mais apareceu molhada. E eu nunca disse a ele que durante uma semana sua escova tinha sido usada para deixar mais branco o rejunte dos azulejos.
Mas os dias de dividir o banheiro com os três irmãos já vão longe. Tirante isso, só divido o banheiro com ...três pessoas. Eu, a Patroa e as crianças temos hábitos sólidos e bem formados quanto ao uso do banheiro. E quando eu olho para o monte de coisas que existem no banheiro, penso em adiar o meu projeto de levar uma vida monástica e desligada do mundo material. Meu outro projeto de levar uma vida atada e conexa ao que é essencial também esbarra na coleção de shampoos e condicionadores da Patroa. No número absurdo de frascos virados de cabeça para baixo para coletar até a última gota de líquidos que não sei mais para que servem.
Felizmente, a hierarquia rígida e a alta disciplina imperam aqui em casa. Primeiro, vai a Patroa. Depois, a tropa. De elite, é claro. E nunca encontrei a minha toalha encharcada. Quero dizer, só uma vez, as crianças deixaram ela cair, sem querer, no piso do Box. Tirante isso...
Escova não. Ninguém compartilha. E dá até engulho no estômago imaginar uma escova de dente compartilhada. Isso não se faz e pronto. A não ser em caso de emergência, eu jamais compartilhei uma escova de dente com outro ser humano. É, teve uma vez que usei a escova da Patroa escondido, sem ela saber, porque o cabo da minha escova quebrou e eu precisava ir trabalhar. Mas tirante essa vez, escova sempre foi algo exclusivo.
Outra coisa de banheiro que não gosto de dividir é toalha. Isso vem desde pequeno. Eu tenho um irmão e duas irmãs. Cada um tinha sua própria toalha no banheiro. Mas o meu irmão mais velho sempre usou o maior número possível de toalhas secas para se secar. Esse meu irmão sempre considerou um direito natural dele usar as toalhas dos outros, desde que estivessem secas. E, quase sempre, ele era o primeiro a tomar banho.
Eu não ligava muito se a toalha estava seca ou molhada, mas esse péssimo hábito do meu irmão incomodava muito minhas irmãs. Uma delas ficava particularmente histérica por encontrar todas as toalhas molhadas quando entrava no banheiro. Tirante isso, eu nem achava que estavam tão molhadas assim, afinal eu pensava que meu irmão usava quatro toalhas para se secar. Eu não sabia que ele, só para irritar a minha irmã mais propensa à histeria, secava-se quase todo com a toalha dela e só depois utilizava as outras. Isso é realmente de enlouquecer.
Obviamente, minha mãe encontrou uma solução rápida para o problema das toalhas. Minhas irmãs foram instruídas a não deixar suas toalhas no banheiro. Mas a partir desse dia, todo o problema ficou somente para mim. Eu não poderia fazer como as meninas e deixar a toalha no quarto. Não. Isso não seria masculino. Desse modo, eu passei rapidamente a detestar ver a minha toalha encharcada no banheiro. A única coisa que me impediu de ter ataques histéricos foi o fato de sempre encontrar, desprotegida e indefesa, a escova de dente do meu irmão. Tirante isso, no dia em que eu sugeri a ele que sua escova poderia ser utilizada para contribuir para a limpeza do vaso sanitário, minha toalha nunca mais apareceu molhada. E eu nunca disse a ele que durante uma semana sua escova tinha sido usada para deixar mais branco o rejunte dos azulejos.
Mas os dias de dividir o banheiro com os três irmãos já vão longe. Tirante isso, só divido o banheiro com ...três pessoas. Eu, a Patroa e as crianças temos hábitos sólidos e bem formados quanto ao uso do banheiro. E quando eu olho para o monte de coisas que existem no banheiro, penso em adiar o meu projeto de levar uma vida monástica e desligada do mundo material. Meu outro projeto de levar uma vida atada e conexa ao que é essencial também esbarra na coleção de shampoos e condicionadores da Patroa. No número absurdo de frascos virados de cabeça para baixo para coletar até a última gota de líquidos que não sei mais para que servem.
Felizmente, a hierarquia rígida e a alta disciplina imperam aqui em casa. Primeiro, vai a Patroa. Depois, a tropa. De elite, é claro. E nunca encontrei a minha toalha encharcada. Quero dizer, só uma vez, as crianças deixaram ela cair, sem querer, no piso do Box. Tirante isso...
Tirante isso e aquilo
Uma das coisas mais difíceis para os seres humanos é dividir coisas. Simplesmente porque algumas coisas não são feitas para serem divididas. Isso é particularmente difícil no banheiro. Veja a escova de dente, por exemplo. Ninguém divide escova de dente. No máximo dá para compartilhar um fio dental, cada um corta um pedaço, usa e joga fora.
Escova não. Ninguém compartilha. E dá até engulho no estômago imaginar uma escova de dente compartilhada. Isso não se faz e pronto. A não ser em caso de emergência, eu jamais compartilhei uma escova de dente com outro ser humano. É, teve uma vez que usei a escova da Patroa escondido, sem ela saber, porque o cabo da minha escova quebrou e eu precisava ir trabalhar. Mas tirante essa vez, escova sempre foi algo exclusivo.
Outra coisa de banheiro que não gosto de dividir é toalha. Isso vem desde pequeno. Eu tenho um irmão e duas irmãs. Cada um tinha sua própria toalha no banheiro. Mas o meu irmão mais velho sempre usou o maior número possível de toalhas secas para se secar. Esse meu irmão sempre considerou um direito natural dele usar as toalhas dos outros, desde que estivessem secas. E, quase sempre, ele era o primeiro a tomar banho.
Eu não ligava muito se a toalha estava seca ou molhada, mas esse péssimo hábito do meu irmão incomodava muito minhas irmãs. Uma delas ficava particularmente histérica por encontrar todas as toalhas molhadas quando entrava no banheiro. Tirante isso, eu nem achava que estavam tão molhadas assim, afinal eu pensava que meu irmão usava quatro toalhas para se secar. Eu não sabia que ele, só para irritar a minha irmã mais propensa à histeria, secava-se quase todo com a toalha dela e só depois utilizava as outras. Isso é realmente de enlouquecer.
Obviamente, minha mãe encontrou uma solução rápida para o problema das toalhas. Minhas irmãs foram instruídas a não deixar suas toalhas no banheiro. Mas a partir desse dia, todo o problema ficou somente para mim. Eu não poderia fazer como as meninas e deixar a toalha no quarto. Não. Isso não seria masculino. Desse modo, eu passei rapidamente a detestar ver a minha toalha encharcada no banheiro. A única coisa que me impediu de ter ataques histéricos foi o fato de sempre encontrar, desprotegida e indefesa, a escova de dente do meu irmão. Tirante isso, no dia em que eu sugeri a ele que sua escova poderia ser utilizada para contribuir para a limpeza do vaso sanitário, minha toalha nunca mais apareceu molhada. E eu nunca disse a ele que durante uma semana sua escova tinha sido usada para deixar mais branco o rejunte dos azulejos.
Mas os dias de dividir o banheiro com os três irmãos já vão longe. Tirante isso, só divido o banheiro com ...três pessoas. Eu, a Patroa e as crianças temos hábitos sólidos e bem formados quanto ao uso do banheiro. E quando eu olho para o monte de coisas que existem no banheiro, penso em adiar o meu projeto de levar uma vida monástica e desligada do mundo material. Meu outro projeto de levar uma vida atada e conexa ao que é essencial também esbarra na coleção de shampoos e condicionadores da Patroa. No número absurdo de frascos virados de cabeça para baixo para coletar até a última gota de líquidos que não sei mais para que servem.
Felizmente, a hierarquia rígida e a alta disciplina imperam aqui em casa. Primeiro, vai a Patroa. Depois, a tropa. De elite, é claro. E nunca encontrei a minha toalha encharcada. Quero dizer, só uma vez, as crianças deixaram ela cair, sem querer, no piso do Box. Tirante isso...
Escova não. Ninguém compartilha. E dá até engulho no estômago imaginar uma escova de dente compartilhada. Isso não se faz e pronto. A não ser em caso de emergência, eu jamais compartilhei uma escova de dente com outro ser humano. É, teve uma vez que usei a escova da Patroa escondido, sem ela saber, porque o cabo da minha escova quebrou e eu precisava ir trabalhar. Mas tirante essa vez, escova sempre foi algo exclusivo.
Outra coisa de banheiro que não gosto de dividir é toalha. Isso vem desde pequeno. Eu tenho um irmão e duas irmãs. Cada um tinha sua própria toalha no banheiro. Mas o meu irmão mais velho sempre usou o maior número possível de toalhas secas para se secar. Esse meu irmão sempre considerou um direito natural dele usar as toalhas dos outros, desde que estivessem secas. E, quase sempre, ele era o primeiro a tomar banho.
Eu não ligava muito se a toalha estava seca ou molhada, mas esse péssimo hábito do meu irmão incomodava muito minhas irmãs. Uma delas ficava particularmente histérica por encontrar todas as toalhas molhadas quando entrava no banheiro. Tirante isso, eu nem achava que estavam tão molhadas assim, afinal eu pensava que meu irmão usava quatro toalhas para se secar. Eu não sabia que ele, só para irritar a minha irmã mais propensa à histeria, secava-se quase todo com a toalha dela e só depois utilizava as outras. Isso é realmente de enlouquecer.
Obviamente, minha mãe encontrou uma solução rápida para o problema das toalhas. Minhas irmãs foram instruídas a não deixar suas toalhas no banheiro. Mas a partir desse dia, todo o problema ficou somente para mim. Eu não poderia fazer como as meninas e deixar a toalha no quarto. Não. Isso não seria masculino. Desse modo, eu passei rapidamente a detestar ver a minha toalha encharcada no banheiro. A única coisa que me impediu de ter ataques histéricos foi o fato de sempre encontrar, desprotegida e indefesa, a escova de dente do meu irmão. Tirante isso, no dia em que eu sugeri a ele que sua escova poderia ser utilizada para contribuir para a limpeza do vaso sanitário, minha toalha nunca mais apareceu molhada. E eu nunca disse a ele que durante uma semana sua escova tinha sido usada para deixar mais branco o rejunte dos azulejos.
Mas os dias de dividir o banheiro com os três irmãos já vão longe. Tirante isso, só divido o banheiro com ...três pessoas. Eu, a Patroa e as crianças temos hábitos sólidos e bem formados quanto ao uso do banheiro. E quando eu olho para o monte de coisas que existem no banheiro, penso em adiar o meu projeto de levar uma vida monástica e desligada do mundo material. Meu outro projeto de levar uma vida atada e conexa ao que é essencial também esbarra na coleção de shampoos e condicionadores da Patroa. No número absurdo de frascos virados de cabeça para baixo para coletar até a última gota de líquidos que não sei mais para que servem.
Felizmente, a hierarquia rígida e a alta disciplina imperam aqui em casa. Primeiro, vai a Patroa. Depois, a tropa. De elite, é claro. E nunca encontrei a minha toalha encharcada. Quero dizer, só uma vez, as crianças deixaram ela cair, sem querer, no piso do Box. Tirante isso...
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
Promessa é dívida
O domingo foi divertido, ainda bem. É que o sábado foi um dia muito dolorido para as crianças e também para mim. Eu estava deixando passar e nesse final de semana criei coragem. Levei as crianças para tomar vacinas. Cada uma tomou duas vacinas. Uma em cada perna. Eu não tomei nenhuma vacina, mas também senti dor. Doeu no coração segurar as crianças no colo, com força, e ver as moças da clínica de vacinas aplicar as injeções, uma em cada perna, ao mesmo tempo. Primeiro, o primogênito. Depois, a princesinha.
Eu sei, eu sei, eu sei. Todo pediatra é contra você dar mais de uma vacina num único dia. Mas nem todos os pediatras são pais tão enrolados quanto eu, que fico adiando coisas ao limite do impensável e depois acaba por fazer tudo de uma só vez. Pediatra solteiro e sem filhos eu não consulto, sinto muito, tenho preconceito, nem pergunto se aceitam convênio. Mea culpa. Sorry.
Por conta disso, a manhã de sábado foi um chororô e um chororó danado lá em casa. As crianças estavam com dois bandeides cada uma, um em cada perna, e as duas com cara de fazer dó. E eu tive piedade. Portanto, saí com o coração na mão, cheio de culpa, decidido a aplacar dores com brinquedos e mimos. Comprei um game do Ben10 e um conjunto Polly. Feitas as pazes e despertados os sorrisos, passei à terapia do pai carente.
Essa terapia consiste em ficar o mais perto possível das crianças, pelo maior tempo, com o máximo de participação possível e sem bancar o mandão. Elas estão crescendo e às vezes eu me espanto com o progresso rápido das coisas. Então, pelo menos uma vez por semana, eu fico perto dos dois para ver se consigo perceber esse crescimento. Em geral, nós ficamos desenhando juntos, é muito bom desenhar com as crianças. Mas no sábado, mesmo com os brinquedos novos, eles não estavam muito a fim de ficar perto de mim e nem de desenhar. A Patroa acabou por levar as duas crianças para cortar o cabelo e passear um pouco. E como eu também estava cansado pra dedéu, acabei indo tirar um cochilo, no que fiz muito bem.
O domingo amanheceu com sol forte e promessa de coisas felizes. E realmente foi assim. Fomos para a casa do vovô, correr no quintal. Montamos uma cama elástica gigante numa bóia inflável, que prendemos no píer e amarramos em uma âncora no fundo do lago. Foi idéia do meu irmão, que descobriu esse boião num site na Internet e resolveu importar. Não deu trabalho nenhum montar a geringonça. Passamos o dia inteiro pulando. Meus filhos pularam à exaustão e até eu ensaiei uns pulinhos modestos.
Dormimos cedo.
Antes de dormir eu ainda olhei para umas pastas que eu tinha enchido de papéis na sexta-feira, cheias de coisas para ontem. Eu havia planejado trabalhar um pouco no final de semana. Eu havia prometido a mim mesmo que iria trabalhar um pouco no final de semana. E promessa é dívida. Mas eu não jurei. Não se pode jurar em falso.
Portanto, estou em dívida comigo mesmo.
Devo, não nego. Pago quando puder.
domingo, 24 de agosto de 2008
A mula manca da felicidade
Dinheiro traz felicidade? Não. Não traz. Mas é sempre bom ter algum no bolso, só para o caso de querer dar umas risadas. Assim como as carpideiras, é possível contratar claques ambulantes, que podem te seguir pelas ruas, soltando gargalhadas a cada passo. Quem preferir, pode escutar gargalhadas por telefone, é mais barato e você não precisa ver quem está rindo democraticamente (de, para e por você). Tenho um amigo que está na carreira de claque ambulante há vários anos. Ele é claque dedicado. Só ri das piadas do Chefe dele. Ele é tão bom no que faz que já criou uma relação de risada simbiótica. O Chefe só acha graça das próprias coisas que diz depois que esse meu amigo dá risada. E meu amigo dá risada sempre, que é para não perder o emprego. Esse meu amigo não ri de verdade há vários anos.
Não. Dinheiro? Não traz. Embora não lembre de ver foto de milionário chorando. Mas tem gente que jura que, com dinheiro, é possível adquirir uns pedacinhos de coisas mais alegres aqui e acolá. Por exemplo, livros. Eu gosto de comprar livros. E sempre acho que não tenho todos os livros que gostaria de ter. O mesmo acontece com ferramentas. Mas posso ficar meses sem comprar ferramentas, e nem me sinto pior por causa disso. Também posso ficar meses sem comprar livros. Mas aí fico triste, chateado e repetitivo. Tenho que ler um bocado para poder escrever, senão fico dando voltas demais em volta do mesmo local do umbigo. Ler é uma das melhores coisas que inventaram no mundo. É tão legal que parece que você está fazendo alguma coisa. Embora você não esteja fazendo nada, só lendo. Mas não gosto de livros de piadas. E a maior parte dos livros que eu tenho e gosto de comprar são tidos como livros super-sérios.
Dinheiro não traz felicidade. Não, acho que não. Na verdade, não tenho mais certeza. Eu procuro observar as pessoas que têm muito dinheiro para procurar estabelecer uma relação lógica entre sorriso (felicidade) e dinheiro. Isso parece óbvio com o Sílvio Santos. Mas com o Antônio Ermínio de Moraes não dá para ter certeza. Ou então não sou bom em lógica. O Sílvio Santos nem sempre teve grana. Isso eu sei. O Antônio Ermínio parece que sempre teve. Mas também parece ter uma cara de que não vale a pena ter.
Dinheiro e felicidade. Não. Está certo, não traz. Mas o que é que traz? Eu não tenho a menor idéia. Quero dizer, tenho algumas. Sem querer entrar no terreno da poesia, acho que uma das coisas que mais me deixam feliz é ver outras pessoas felizes. Eu acho que no fundo e no raso, ver gente feliz é o maior transmissor de felicidade que existe na face da Terra. E um monte de gente já sacou isso. E mesmo quem não sacou obedece a essa lógica. Quando a gente é mais jovem (boa, essa, hein?), a gente corre para ver um monte de gente jovem reunida, que é tudo cuca fresca e alto astral. As multidões querem ser alegres nos estádios. Querem urrar de alegria. Todos nós queremos. Até a platéia da ópera, que um dia já foi o teatro cantado do povão. Assim, de acordo com essa lógica, não é preciso ter dinheiro para encontrar a felicidade. Basta estar disposto a mergulhar numa multidão de gente propensa a ser feliz. Pode ser no cinema, na feira, no show, no boteco, qualquer lugar que tenha gente.
Por outro lado, as multidões também estão sujeitas a variações súbitas de humor. E multidões tristes costumam provocar ondas lacrimejantes. É terrível. É pior do que perder a medalha de ouro no vôlei. Aliás, como teve choro de brasileiro nessa Olimpíada, hein? Toda hora um conterrâneo entrava em prantos. Foi difícil. Mas agora acabou.
E só agora, depois que fiz a ilustração desse post é que eu lembrei daquela música que as Frenéticas cantavam: ...a tal da felicidade, e que importa a mula manca, se quero, a tal da felicidade... Acho que era do Gonzaguinha. E nunca entendi porque tem uma mula manca na letra.
sábado, 23 de agosto de 2008
Aprender e aprender e aprender
Eu agora vou jogar xadrez com o Osvaldão e procurar gravar o que ele fala. O Osvaldão tem umas teorias estranhas. Como eu disse ontem, a maior parte dos sábios do planeta não sabe que é sábia. Se souberem que são sábios, esses sabidos ficarão orgulhosos e não servirão mais como receptáculos e fontes de sabedoria para ninguém. Os melhores e mais sábios são os que ignoram a própria sabedoria e os que pensam que são ignorantes. Nesse sentido, o Osvaldão é um desses sábios escondidos. É um guru disfarçado de vendedor de mel, CDs piratas e apostador de xadrez. Ele monta uma espécie de banquinha bem em frente à agência do banco. Se ele for com a sua cara, ele te convida para uma partida de xadrez. Cada partida agora vale dez reais.
Eu comecei a jogar com o Osvaldão há cinco anos. Na época, cada partida valia cinco mangos. A especialidade dele é o blitz, o xadrez inventado por Bob Fischer nos anos sessenta. Nessa modalidade, não se pode demorar muito. Aliás, se você demorar um minuto para dar um lance, você perde. Dessa maneira, uma partida longa de blitz demora, no máximo, uns cinco minutos. E o Osvaldão é muito bom. Nunca ganhei dele. A não ser duas partidas, que ele entrega de lambuja para freguês novo. O Osvaldão deve ter uma memória visual prodigiosa, pois ele nunca esquece as lambujas. Mas até hoje não sabe o meu nome. Nesse sábado, por exemplo, tem três sujeitos que estão ali, esperando a vez. Um deles, um cara de óculos, bigode e barbicha, estava na minha frente no sábado passado e eu vi quando o Osvaldão deixou ele ganhar uma vez, colocando uma torre de lambuja bem na frente da dama. E depois eu vi o Osvaldão depenar o pobre Schnáuzer em vinte mangos. Dessa vez, o Schnáuzer começou com uma lambuja e caiu na história da aposta dobrada. Perdeu cinqüenta pratas num instante e ainda levou meio litro do mel do Osvaldão, que além de não ser produzido por insetos que zumbem, possui uns favos de aparência duvidosa dentro.
Comecei as gravações na seqüência do Schnáuzer. Eu disse assim para o Osvaldão:
_Osvaldo, você se importa se eu gravar essa partida?
_Gravar o som? Não tem problema. Só não pode filmar. Não fico bem na televisão.
Na verdade, acho que o Osvaldão não fica bem nem em foto 3X4.
Acompanhe aí embaixo a primeira degravação:
“Todo dia você aprende uma coisa. Tunc. Depois você fica sabendo e aí não precisa aprender mais, certo? Errado. Tunc. Pode ser que sim, pode ser que não. Por exemplo, dedo na tomada. Você aprende que não pode enfiar o dedo na tomada porque leva choque. Tunc. E aí você não enfia mais o dedo na tomada. Está aprendido. Tunc. Tomada e choque são coisas muito didáticas. Tunc. Essa coisa de conhecimento prático, com dor, funciona bem para um monte de coisas, inclusive descascar laranjas. Mas não vale para tudo. Tunc. Na maior parte das vezes, você apenas aprende as coisas e pronto. Tunc. Você só aprende, aprende, aprende e tudo continua do mesmo jeito. Tunc. Não faz a menor diferença você aprender alguma coisa. Tunc. Nem poderia, o mundo não vai mudar só porque você aprendeu que dois e dois são quatro, vai deixar o bispo aí mesmo, doutor? Tunc. Pois então, é tudo assim mesmo, Tunc, cheque!, você vai levar um cheque mate em três lances, toma cuidado com a torre. Tunc. Era a outra, essa não, Tunc, que agora só faltam dois lances para o mate, Tunc, atenção com o rei, é, você só tem esse rei, então é melhor prestar atenção nele.O que eu estava dizendo? Aprender? Pois é muito bom aprender sempre, mas chega um ponto em que a coisa fica meio cansativa. Tunc. Você aprende, aprende, aprende e fica na mesma, não é verdade? Depois desse falta só um lance, Tunc, cheque, tem gente que nunca aprende, e eu acho bom, porque gosto de jogar xadrez com quem perde para mim. Não é só pelo dinheiro, eu gosto de dinheiro, todo mundo gosta, quem diz que não gosta mente. Tunc. Xeque mate! Quer valer em dobro? Não? Próximo!”
O “Tunc” da degravação é o barulho da peça de xadrez no tabuleiro. Ainda tenho muito que aprender com o Osvaldão.
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Uma vantagem competitiva
Eu acordo cada dia mais cedo e mais cedo. Ultimamente, eu abro os olhos bem antes do relógio despertar. Ainda é o rádio-relógio que eu ganhei de um casal amigo e leitor quando eu me casei. Nunca falhou esse rádio-relógio. E ele parece complexo o bastante para desestimular a aproximação e mexeção das crianças. Mas é super simples de programar. Embora só a Patroa faça a programação do rádio-relógio, que eu não sou louco de mexer numa coisa que fica do lado dela da cama, bem em cima do único criado-mudo.
Há cerca de um ano, eu ainda acordava uns dois minutos antes do relógio despertar. Ficava só olhando para o teto, respirando devagar. Aí acabava cochilando de novo. E é extraordinário como às vezes esses dois minutos pareciam horas de sonhos intermináveis.
Mas agora acordo dez minutos antes do despertador. Se continuar nesse ritmo, no final do ano estarei acordando meia hora antes do despertador disparar o alarme. No início fiquei preocupado. Seria insônia? Seria excesso de vontade de acordar? Seria falta de sono? Ou seria ansiedade? Depois de pensar por alguns segundos eu decidi que essas perguntas só poderiam ser respondidas por um especialista. Por isso, hoje eu fui consultar o Osvaldão.
O Osvaldão é um especialista em generalidades e particularidades que eu conheço lá da quadra. Embora ele não saiba disso. Aliás, ele nem sequer sabe o meu nome, o Osvaldão. Mas para mim, o Osvaldão é um gênio disfarçado, que joga xadrez apostado e sobrevive de vender mel e CDs piratas numa banquinha. Ele é esperto e monta a banquinha bem em frente à agência do banco, no bairro onde eu moro. Desse modo, o Osvaldão pode oferecer mel, CDs piratas ou propor uma partida rápida de xadrez valendo dez reais a trocentas pessoas todos os dias.
Foi num sábado, há cerca de cinco anos, que eu conheci o Osvaldão. Eu sou metido a jogar xadrez e o cara me desafiou, quando eu saía do caixa automático. Na época, o Osvaldão ainda jogava a cinco reais. Ele ofereceu um pote de mel da melhor qualidade, doutor, e depois me falou que eu tinha cara de jogador de xadrez. Eu disse que sabia jogar, omitindo o fato de ter sido campeão escolar, promessa da faixa etária, blá-blá-blá. E então ele perguntou se eu topava uma partida rápida. É claro que eu topei. E a primeira eu ganhei fácil. A segunda já foi um pouco mais difícil, mas venci. E em seguida o Osvaldão perguntou se eu queria valer cinco reaus. É claro que eu vali. E tomei um xeque-mate vapt-vupt-te-esconjuro-cruz-credo que me deixou atônito. Foi tão rápido que parecia jogo de damas.
Desde então, uma vez por semana eu aposto cinco reais com o Osvaldão numa partida rápida. E ele sempre ganha. Já perdi uma nota preta. Mas continuo a jogar. Eu aprendo muitas coisas com o Osvaldão. Ele joga um tipo de xadrez falado. Não para de falar nem um minuto enquanto está jogando. Fala mais do que vendedor de peixe. Mais que barbeiro e motorista de táxi. O cara é uma máquina parlamentar. Isso deixa qualquer um zonzo e ajuda a explicar o número de vitórias que tem sobre mim. Mas tenho de ser honesto. A verdade é que as vitórias do Osvaldão são espetaculares. E o blá-blá-blá do Osvaldão sobre qualquer assunto me convenceu de que ele é a pessoa indicada para me explicar se acordar antes do despertador faz bem ou mal para a saúde.
Mas é lógico que eu não poderia simplesmente fazer uma pergunta direta ao Osvaldão. A maior parte dos sábios do planeta não sabe que é sábia. Se souberem que são sábios, esses sabidos ficarão orgulhosos e não servirão mais como receptáculos e fontes de sabedoria para ninguém. Infelizmente é assim. No negócio da sabedoria, a propaganda estraga o negócio e os melhores e mais sábios são os que ignoram a própria sabedoria e os que pensam, sinceramente, que são ignorantes. Portanto, depois de deixar o meu indefeso cavalo ali, na casa quatro do bispo do rei, eu procurei encaixar o assunto dormir pouco e acordar antes do despertador no blá-blá-blá interminável do Osvaldão. Ele parou de falar. Me olhou com os olhos esbugalhados.
_Você vai deixar o cavalo aí? – ele me perguntou, duvidando da minha sanidade mental.
_Mas é claro! – eu disse, e aproveitei a pausa para dizer que havia acordado a mil por hora, bem mais cedo que o despertador lá de casa.
_Bom mesmo é dormir até tarde – decretou o Osvaldão, antes de derrubar o meu rei, distraído.
E agora, cada partida custa dez reais.
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Uma árvore bem família
A tarefa de construir a árvore genealógica chegou da escola alternativa. Eu e a Patroa ajudamos o primogênito. Eu não sou muito bom com árvores. Todas elas me respeitam, nenhuma quis me bater, até hoje. Embora alguns galhos já tenham caído na minha cabeça. E não sei muito sobre gênios. Eu sou um dos caras com o menor raciocínio lógico do planeta.
Minha preguiça mental é daquelas de usar calculadora de celular para conferir conta e troco de restaurante. E eu demoro. Me atrapalho com as teclas do telefone. Os garçons ficam meio com raiva de mim, enquanto eu demoro a conferir. Eles me olham como se eu estivesse duvidando da máquina registradora de somar deles. E é exatamente isso.
Uma vez, um amigo meu me falou que isso existe, sim. A máquina de somar que soma para mais. A máquina de multiplicar que multiplica para menos. A máquina de dividir que divide errado para mais. Ou para menos. São calculadoras viciadas, como os dados, as roletas, os baralhos marcados, os odômetros de carros usados à venda e os taxímetros no final da tarde.
Essas coisas todas existem e fazem o maior sentido, como as árvores genealógicas. Eu confiro conta. Nunca achei nada errado nas somas, mas sei que um dia isso ainda vai acontecer. É como acertar na mega-sena. Você duvida, duvida, duvida, e um dia ganha a quadra. E aí torra toda a grana em novas apostas. Entendeu?
Bom, a Patroa decidiu que eu não era bom para desenhar árvores e assumiu a tarefa. Eu tratei de imprimir as fotos de todos os parentes que eu consegui encontrar na pasta de fotos do computador.
_Imprima os casais juntos, do tamanho 3X4 – ordenou a Patroa.
A Patroa é muito, muito boa para mandar na gente. Acho que a Patroa é uma das mulheres mais ordenantes que eu conheço. E eu obedeço. Qualquer outra pessoa que tenha a noção do perigo e um pingo de juízo deverá agir logicamente e obedecer a Patroa. Ela é bem obedecível, a Patroa. Eu e o meu filho, que fará 6 anos em 2009, nós não somos bobos, nós obedecemos. Nós aprendemos que é bom fazer isso há muito tempo. Estamos bem treinados e condicionados.
A Patroa usa muito os comandos de voz. Com pequenas alterações na inflexão de voz, nós já sabemos se o assunto é urgente ou se poderemos enrolar um pouquinho. Graças à extraordinária habilidade da Patroa de arquear e de manobrar as próprias sobrancelhas, nós também podemos utilizar a linguagem visual para tomar decisões rápidas sobre a obediência à Patroa. Eu e meu filho sabemos, por exemplo, que se a Patroa utilizar determinada inflexão de voz acompanhada de uma sobrancelha levantada será melhor correr. Duas sobrancelhas, reze e entregue tudo para o Divino. Sobrancelhas, aba do nariz se movendo e voz aguda, salve-se quem puder.
E no caso da árvore “gênia” e lógica, como batizou o meu filho, nós preferimos seguir todas as instruções passadas pela Patroa, até porque já estávamos com muito sono. Meu filho colou um monte de frutinhas vermelhas em galhos desenhados pela Patroa. E eu imprimi as fotos. Faltaram só umas poucas. O meu filho colou as fotos de acordo com as recomendações maternas. E escreveu “Árvore da Minha Família” por cima de tudo. E ficou super bonita essa árvore “gêmea” lógica. Parecia mesmo uma macieira, cheia de frutões vermelhos com fotos de gente. A Patroa aprovou.
_Pai, ficou legal essa árvore “geme a lógica”!
_Ficou, claro! Mas onde é que dói?
_Dói o quê, pai?
_Se essa árvore geme, onde é que dói?
_Ai, pai...
E no dia seguinte, a professora elogiou a árvore. Mas criticou as fotinhas.
_Ficaram muito pequenas e também faltaram pelo menos quatro fotos.
Tem sempre alguém insatisfeito.
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
Dez mil motivos para me ufanar
Pessoal, estou muito feliz de ter recebido mais de dez mil acessos, menos de um ano depois de ter começado o Caminho do Careca. Nunca pensei, sinceramente, que as coisas que escrevo aqui pudessem atrair tanto interesse. Nunca imaginei que essas coisas pudessem despertar a atenção de uma gama tão variada de pessoas. Acho que vocês todos são uns loucos, verdade seja dita. Especialmente a minha Kombi de leitores.
Não sei dizer exatamente porque escrevo todos os dias. Mas em alguns círculos isso é considerado um bom hábito. Particularmente, acredito que escrever me auxilia a manter um monte de coisas em foco. Especialmente o foco em meu umbigo.
Considero esse blog um exercício permanente de reflexão, ainda que às vezes seja uma reflexão sobre coisas “que poderiam ser disputadas num concurso de cuspe à distância”, para citar Manuel de Barros. O Caminho do Careca também é um exercício cotidiano de despojamento, ainda que às vezes eu fique mais exibido que pedra de anel de doutor. Especialmente agora, que é um exercício cotidiano noturno.
Quando estou muito exibido, geralmente alguém reclama e abaixa a minha bola. Eu acho ótimo. Os comentários são fundamentais para a manutenção do foco e um estímulo extra para a escrita diária. É legal escrever. É super bom ser lido. E é sensacional perceber que uma porção de gente inteligente lê e ainda se dá ao trabalho de comentar as coisas que eu teclo. É por isso que eu me ufano. Tenho mais de dez mil motivos para isso. Especialmente com mais de dez mil acessos, o dobro de páginas vistas e um tempo de permanência superior a três minutos e meio.
Não sei dizer exatamente porque escrevo todos os dias. Mas em alguns círculos isso é considerado um bom hábito. Particularmente, acredito que escrever me auxilia a manter um monte de coisas em foco. Especialmente o foco em meu umbigo.
Considero esse blog um exercício permanente de reflexão, ainda que às vezes seja uma reflexão sobre coisas “que poderiam ser disputadas num concurso de cuspe à distância”, para citar Manuel de Barros. O Caminho do Careca também é um exercício cotidiano de despojamento, ainda que às vezes eu fique mais exibido que pedra de anel de doutor. Especialmente agora, que é um exercício cotidiano noturno.
Quando estou muito exibido, geralmente alguém reclama e abaixa a minha bola. Eu acho ótimo. Os comentários são fundamentais para a manutenção do foco e um estímulo extra para a escrita diária. É legal escrever. É super bom ser lido. E é sensacional perceber que uma porção de gente inteligente lê e ainda se dá ao trabalho de comentar as coisas que eu teclo. É por isso que eu me ufano. Tenho mais de dez mil motivos para isso. Especialmente com mais de dez mil acessos, o dobro de páginas vistas e um tempo de permanência superior a três minutos e meio.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Sempre ao meu lado
Ela está sempre ao meu lado, minha insegurança crônica. Posso senti-la tentar chacoalhar os meus ossos, soprar o seu sopro covarde sobre meu rosto. Sinto o seu hálito gelado percorrer a minha espinha. Quase posso cheirar o perfume suave e ácido, de morangos mofados, que ela carrega entre seus miasmas. Minha insegurança é como um relâmpago intangível que acontece atrás das minhas pálpebras. Ela sempre encontra uma maneira muito esperta de me encurralar.
Numa época sombria da minha vida, eu procurei fazer um esforço de personificação da minha insegurança. Em primeiro lugar, arrumei um nome para ela. Batizei a minha insegurança de Isadora. Mas hoje eu chamo ela de Isa. É mais curto. Acho bonito, esse nome.
Aí fiquei imaginando se a minha insegurança era feia ou bonita. Decidi que a minha insegurança seria bonita, bem bonita. Não dá para andar com uma insegurança feia por aí. Beleza é fundamental até para insegurança. E essa insegurança, definitivamente, me acompanharia a todos os lugares. Em compensação, ela seria fria, fria. Até porque insegurança não combina com calor. A quentura é quase sempre relaxante. Depois fiquei pensando se ela seria morena, sarará, ruiva ou loira. Ruiva. Definitivamente, a minha insegurança era bela, ruiva e gelada.
E então comecei a pensar numa voz para a minha insegurança. E pensei em dezenas de timbres de voz. Algumas sensuais. Meigas. Outras fortes. Sopranos, contraltos. Profundas. Com sotaque do nordeste. Com o “s” exagerado dos cariocas. O “r” dos paulistas do interior. E com as consoantes engolidas dos mineiros. É incrível como as vozes podem ser diferentes e variadas. Mas como a minha insegurança nunca gritou comigo e nem mesmo sussurrou no meu ouvido, descobri que ela é muda. Só pode ser muda.
Depois disso, procurei vê-la ao meu lado, quase da minha altura, maior um pouco se usar um salto muito alto. Ela parece ter belas pernas, essa minha insegurança. Parece ter o corpo todo bonito, como a Isadora de Oliveira. Mas é menor, mais compacta, menos chamativa. É um corpo mais modesto, que não se consegue ver direito. E que eu tenho medo de tocar, nunca toquei, seria como encostar num fantasma.
E mais tarde, quando eu a vi da maneira como é possível vê-la, bruxuleando com a claridade da chama de uma vela, silente, bela, ruiva, muda e trêmula, eu percebi que jamais poderia amá-la. E tenho certeza de que ela percebeu esse instante, o momento em que eu disse para mim mesmo que era impossível. E pude ver, de relance, o brilho tênue e furioso do olhar de quem procura vingança, de quem não admite o ultraje de não ser amado incondicionalmente.
Desde então, minha insegurança me aflige.
_Isa, não! Agora não – eu digo em silêncio, procurando afastá-la. Mas ela se esquiva, etérea, esvoaçante fumaça de gaze.
E como eu não entendo nada da linguagem de sinais, fico desesperado de vê-la em bruma agitada, as mãos sacudidas em gestos loucos e espirais funéreas. E aí, quando menos espero, ela me acerta no peito, como se fosse uma falta de ar, um desespero. E eu me imagino de joelhos no chão, como se fosse aquele soldado ferido e abandonado no Vietnã, no final de Platoon.
_Isa!
E um dia, eu tenho certeza, Isa virá com uma adaga afiada e sentará ao meu lado, onde ninguém poderia imaginar que coubesse mais alguém. E ali, tão bela e tão fria, Isa dirá com voz inaudível que seu nome é outro, também terrível. E ninguém entenderá quando eu cair sobre a mesa, depois de servirem o cafezinho. Nessa hora, e só nessa hora, logo antes do meu último suspiro, eu a verei se esvair, nefasta, como se tragasse uma última tragada de um cigarro imaginário.
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
A nova super mega campanha do Careca
Eu gostava de ler nas revistas em quadrinhos antigas, da Disney, as histórias com o Gastão. Era o pato mais sortudo do mundo. Mas não deixava de ser pato. O Donald morria de inveja do Gastão. O campeão do trevo de quatro folhas era mais bonitcho, mais forte, mais bem vestido, mais endinheirado, tinha mais cabelo e uma sorte incomensurável. Mas o Gastão também invejava o Donald, porque ele era o namorado da Margarida.
Demorei a entender a Margarida. Primeiro procurei encontrar a pessoa que inspirou a pata do Donald. Como se sabe, a Minnie, do Mickey, foi inspirada na única e verdadeira senhora Walt Disney, Dona Lilly. A Margarida, como todos os patos de Patópolis, foi inspirada numa das vizinhas dos Disney, chamada Miller ou Smith, uma coisa assim. E a Margarida preferia o Donald ao Gastão.
Aparentemente, qualquer um que analisasse a Margarida desistiria de qualquer tentativa de procurar sentido, lógica e bom senso no comportamento feminino. Mas não é tão simples assim. Margarida preferia o Donald com sua careca, roupa de marinheiro, mau-humor crônico, dureza, recalques e ataques histéricos totalmente exagerados. O Donald babava, mordia, urrava, xingava, pulava e arrancava as próprias penas quando estava atacado de raiva. E ainda assim, a Margarida preferia o Donald. O Gastão mantinha a fleuma britânica, seguro de que na hora h, sua sorte o salvaria. Talvez a Margarida fosse uma pata sábia, totalmente consciente de que sorte não se pega por osmose.
De qualquer modo, meus motivos eram diferentes da Margarida. Muito embora eu também preferisse o Donald. O Gastão era um egoísta gigantesco, sem um pingo de generosidade, era um pato centrado na própria sorte. Era por isso que eu preferia o Donald. A mensagem do Tio Walt era clara: você pode ser até um campeão sortudo, mas se não tiver um coração, meu amigo, nem uma pata vai ficar com você. E a outra mensagem era: ainda que você seja só um idiota mal-humorado, se você tem coração, tudo tem jeito.
Tio Walt era um otimista. Eu também sou, mas nem tanto. Tio Walt achava que os humanos eram uns patos, ou ratos, ou cães. Eu acho que os humanos são uns bichos preguiçosos. E começo por mim mesmo. Cara, daqui a pouco eu vou correr para o travesseiro.
Mas aí você começa a pensar e as dúvidas começam a surgir. Talvez eu e milhões de fãs do Donald tenhamos sido trapaceados desde o início. O Gastão havia sido criado para não criar empatia. Ninguém no mundo se identificaria com o pato mais sortudo. Todo mundo se acha perebento. Procurando bem, como diz o Chico, só a bailarina é que não tem. E todo mundo acha que a vida não é doce porque não nasceu de bumbum virado pra lua.
Por isso, minha Kombi de leitores, estou lançando aqui e agora a minha Campanha Lua de São Jorge. Essa é uma campanha muito bem bolada, totalmente inédita entre os blogs nacionais, internacionais e outros mais. Essa campanha consiste em você enviar uma mensagem anti-urucubaca para a pessoa que você ama. Na mensagem, você explicará para a pessoa porque você e ela nasceram para dividir o mesmo porta-escovas de dentes.
Como fui eu que bolei a campanha, eu só preciso ficar aqui, esperando você se esforçar ao máximo para bolar a mensagem e colocar nos comentários do blog. A melhor mensagem será eleita, por mim, como a melhor mensagem. E vai ganhar o troféu Melhor Mensagem Lua de São Jorge. Legal demais, né? Pronto, agora pare um pouco e dê uma olhada na lua que está super linda.
domingo, 17 de agosto de 2008
O troco de uma Nação
Como todo mundo anda acionando a Viúva para garantir uma aposentadoria, eu também vou querer. O difícil é que eu não sei contra o quê NÃO acionar a Viúva. O país está em dívida comigo. A Nação Peri me deve um troco. Coisa pouca. Não vai fazer falta nenhuma.
Estou me inspirando numa notícia de terceira mão, não é nem de segunda, que eu recebi por aí, via email. Falava de uma pessoa, ainda em gestação, que havia conseguido uma indenização porque a mãe foi perseguida. Ora, se for por esse caminho, eu também estou na mesma situação dessa pessoa e também quero o meu quinhão.
Em primeiro lugar, toda mulher é perseguida. Toda mulher, inclusive, tem perseguida. Embora algumas possam até fazer você mudar de calçada e ter sérias dúvidas, como uma lutadora de judô, que eu esqueci o nome. Em todo caso, se for assim, por perseguição à perseguida, também tenho direitcho, porque Mamãe também tem uma e é perseguida até hoje, tenho certeza, nunca vi, graças!, mas tenho certeza, pelo meu Pai. E tem Vovó também! Quase esqueci. Vovô devia perseguir uma barbaridade, porque teve sete filhas e morreu cedo, cedo. Então isso me dá direito a, no mí-ni-mo, indenização dupla.
Outra coisa a que tenho direitcho é a remuneração pelos prejuízos provocados na minha carreira devido aos problemas da pulítica. Eu não era amigo de militar. Mas também não era inimigo. E também não era amigo de comuna. Só tive um amigão comuna, o Cláudio Comuna, que era vermelho, vermelho, um problema de pele, não podia tomar sol que se avermelhava todo. Tirante Cláudio Comuna, mais ninguém. Mas também não era inimigo. Aliás, eu achava esse povo Libelu, PC isso, PC aquilo, um saco. Eu nunca tive pistolão, nem quem indica, nem nada. Ou seja, devido a esses problemas de falta de influências pulíticas, não progredi como os caras que têm pistolão e nem fui indenizado como os caras que eram do outro lado. Por questão de justiça cega, faca amolada, para a balança ficar bem equilibrada eu também mereço uma indenização.
Outra coisa que me daria direitcho a receber uma pensão generosa é o fato de ter ficado de fora da anistia ampla, geral e irrestrita. Todo mundo foi anistiado, os que jogaram bomba e os bombados, os que deram tiros e os atirados, os torturantes e os torturados. Muito embora só alguns dos que sofreram o pão que "el diablo hay amassado" tenham recebido uma grana da Viúva. É lógico que é super-injusto um torturador receber indenização. Mas fico super em dúvida se é justo um terrorista que jogou bomba, que matou, que mutilou, que seqüestrou e tal, receber indenização porque foi torturado. De qualquer jeito, eu, que quase levei bomba em química, não fui contemplado pela anistia. Tive que encarar noites e noites de estudos extras que deixaram seqüelas horríveis sob os meus olhos. Acho que foi por causa de química que comecei a perder cabelo.
Também tenho direitcho a reparação por propaganda enganosa. Desde que me entendo por gente, esse é o país do futuro. E o futuro já chegou e até agora, necas de pitibiriba. Aliás, amanhã mesmo é um futuro que chega e olha aí, necas, necas de grandeza de país. E essa propaganda foi cercada de muitos desfiles de sete de setembro, em que eu e mais alguns milhares éramos obrigados a desfilar sob o sol quente sem direito nem a amendoim da Gol, tamanha a penúria. E a gente cantava coisas como “Esse é um país que vai pra frente, ououououououou, de uma gente amiga e bem contente, ouououououououou, é um país que canta, trabalha e se agiganta, é ....”. Só pela beleza da letra e pela lavagem cerebral que me fizeram decorar essa coisa linda eu já merecia cesta básica pelo resto da vida.
Cesta básica?
Pensando bem, quero nada não, doutor.
sábado, 16 de agosto de 2008
A medalha de outro
Cielo, o nadador, ganhou a medalha de ouro nos 50 metros livre. É a primeira medalha de ouro nessas Olimpíadas. A turma toda sai gritando: é ouro para o Brasil, il, il. Papo furado. Não é do Brasil não, é a medalha do Cielo. Nem sei nada sobre o atleta, mas o mérito é todo dele. Assim como a medalha de bronze. E as outras de bronze são também de quem ganhou. E as de prata, se alguém ganhar uma de prata. É óbvio. Mas vão querer tirar casquinha. Aliás, uma da melhores coisas das olimpíadas é ver quem é que está querendo tirar casquinha do outro.
O que eu achei mais legal da medalha de ouro do Cielo foi que ele disse que ia lá, ia pegar, ia baixar o tempo. Não foi arrogância, foi vontade. Garra. A despeito de quem não estava com foco, dos que estavam ali meio conformados ou até muito satisfeitos de terem chegado nas quartas-de-final. O Cielo foi lá e deu a cara a tapa. Eu gostava do Xuxa porque ele também soltava o verbo. Não posava de bom moço. E parece até que era. Mas não fazia pose.
Atleta brasileiro posa muito de coitadinho. É chato à beça. Esses caras competem com os melhores do mundo. Coitados não vencem. Auto-piedade é tiro no pé. Phelps passa oito horas por dia na piscina. Todos os dias. Deve ser uma vida chata pacas. Mas é o maior nadador de todos os tempos. Escolheu esse caminho e meteu o pé, tamanho 49. Não lembro de ter visto o cara se queixar. Campeões têm que ser metidos? Se não forem, entram na piscina, no tatame, na quadra, já derrotados? Não sei. Nunca olhei muito para atleta fora do esporte. Nunca tomei como modelo de vida. Nunca comprei uma Ryder. E olha que eu sou fã do Guga e do Piquet. Mas acho que posar de coitadinho é pior do que complexo de vira-latas. Campeões, para mim, são estóicos. Só vi Garrincha em vídeo. Ele chamava os gringos de joões. Botava em fila e driblava. E estava com o joelho ferrado.
Atleta, em competição, só tem que pensar em nota dez. Um exemplo de melhor atitude até agora foi a do atleta de luta romana, que colocou a medalha de bronze no chão, em protesto. Ele não atirou a medalha no chão. Ele, calma e refletidamente, colocou a medalha próxima à linha do tatame, que demarcava o espaço da luta greco-romana. Foi um gesto super-pensado. Foi um protesto, depois de todas as lutas, naquela que foi a sua última luta. Abandonou a medalha. Achou que ela não lhe reconhecia o mérito. Podia até estar errado. Mas foi uma atitude masculina pra caramba e ainda mais digna que a cabeçada do Zidane na última copa do mundo. Gostei pacas da cabeçada do Zidane, que abandonou o esporte dando porrada num mala. Vai ser digno e autêntico assim na casa do chapéu! Não se preocupou em posar de bom moço. Em ser politicamente correto. E nem foi pegar o prêmio de melhor atleta. Como o atleta que abandonou a medalha.
Teve umas pessoas que falaram: -Mas que péssimo exemplo para as criancinhas.
Eu achei um exemplo excelente para as criancinhas. A mensagem estava super-clara. Respeito é bom e eu gosto. Era a mesma mensagem da cabeçada. Olha, se você encher muito o saco do ser humano, nem o melhor atleta do mundo te agüenta e você pode levar uma porrada na frente de milhões de pessoas. Uma mensagem super educativa. Olha, a gente compete pelo mérito, simbolizado nas medalhas. Se não houver mérito, a medalha que se dane. Zenedine Zidane virou sinônimo de “paciência tem limite”. A gente agüenta muita coisa e seria ótimo mandar a cabeçada em quem passasse dos limites. E é fantástico ter “guts” para abandonar o prêmio que não reconhece o verdadeiro mérito.
Os países não competem nas Olimpíadas. São os atletas.O quadro do ranking de medalhas é uma aberração. O quadro parece dizer, olha, já que aqui temos a maioria dos melhores atletas, somos o melhor país do mundo, a nação mais mega super. Não é nada disso. E não é nem a sombra pálida da verdade.
A China lidera o placar. E ali, é cada um por si e, na melhor das hipóteses, o partido pelo partido. Ninguém está para brincadeiras. É luta diária pela sobrevivência. Ali, não dá para ter megalomania. Você nasce e convive diariamente com a sensação de que você é substituível, muito substituível. Além de ter certeza de que é substituível, você cresce certíssimo de que existem pelo menos uns mil iguaizinhos a você só no bairro onde mora. Nem dá para admirar a noção de coletivo dos caras. Eles existem coletivamente desde criancinhas. O individualismo é que é um troço novo para eles.
Foi por isso que eu apostei com meus irmãos e pais que dessa vez só três brasileiros iriam medalhar um ouro. Todos os três com V. Vela, vôlei e Diego Hipólito. Perdi a aposta mas achei o maior barato, o Cielo. Foi lá, viu e venceu. E estou torcendo para ele dar uma cabeçada em alguém. De preferência em quem quiser tirar uma casquinha ou tentar lhe diminuir o mérito.
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Nem foi tempo perdido
Eu lembro de chegar na universidade de carona. De ir embora de carona. Eu lembro de pegar carona o tempo todo. E lembro do ponto de carona da universidade. Eu ainda tenho umas canetas nanquim, que eu comprei em São Paulo, depois de uma viagem difícil e complicada. Mas nessa eu não fui de carona.
Eu me lembro de esperar as coisas acontecer. E de ficar irritado com as coisas. Que não aconteciam. Eu lembro também que demorei a perceber as coisas direito. Demorei a sacar que ninguém tinha o poder de fazer nada acontecer para mim. E lembro também de achar um horror quando alguém vinha dar palpite. Eu não queria palpite. Eu queria só receber as coisas prontas, do jeito certinho para mim. Sem fazer nada. E aí um dia eu percebi que eu é que tinha que fazer as coisas acontecerem. E não faz muito tempo, tem o quê?, cara, isso parece que foi ontem.
Eu me lembro do tempo em que os portões do Parque da Cidade eram fechados depois das 11 horas da noite. Eu lembro de quando a gente podia andar de uma quadra para outra sem encontrar ninguém e sem ver um único automóvel passar.
Eu lembro de uma vez, quando eu descia uma rua e olhei para o lado e todas as meninas do ballet levantaram as pernas ao mesmo tempo. E que foi por isso que eu amassei o pára-choque de um carro velho, um fusca cinza, de um PM. E eu lembro que foi ali, na Rua da Igrejinha, bem no início, logo depois do balão, que eu vi um dos meus primeiros salários virar um pára-choque de fusca velho. Ainda bem que o cara aceitou dividir em três vezes. E eu adorava aquele emprego. E eu trabalhava trocentas horas semanais.
E eu lembro de olhar para a Academia de Ballet e ver todas as meninas e mocinhas fazer plié, rindo da minha falta de sorte detrás do vidro, com suas saias de tule branco. E uma das meninas eu conhecia muito bem, mas ela já não me amava mais. Hoje sou incapaz de me lembrar do rosto dela, só lembro do nome inteiro, completo. E eu me lembro quando ela me disse que eu era de outro mundo. Logo eu. Um alienígena. Ela é que era pirada, isso sim. Onde já se viu ser bailarina num país como esse? E um dia eu soube que ela dançou em companhias de toda a Europa. Que também fez cinema, teatro e TV na França, na Bélgica e no Canadá. E que mora em Paris, nunca mais vai voltar. E que até esqueceu o português. Que importa? Se eu a encontrasse amanhã, no meio da rua, eu nem a reconheceria. E se a reconhecesse, o que eu, um saturnino, diria para uma terráquea? Rá!Rá! Mas eu lembro que foi o adeus mais triste. Não. Teve um outro adeus ainda mais triste.
Eu lembro das árvores da superquadra que tinham sido plantadas e estavam cercadas por telas de arame. Eu lembro do hino da última escola pública onde eu estudei. Eu não lembro do hino da escola particular onde eu estudei um ano depois.
Eu lembro de um monte de coisa que ninguém gosta de lembrar. Eu lembro do monte de vexames que eu dei. Das minhas pisadas de bola. Dos micos que eu vivia pagando só por ser teimoso, só por achar que era eu e só eu que tinha razão. Lembro de rir de quem abaixava a cabeça. Lembro de levar na cabeça. Lembro de ter sido enganado um monte de vezes. E de ter enganado até a mim mesmo, ao dizer que isso não tinha nada a ver comigo ou com a minha maneira de ser. Lembro de quando caiu a ficha e eu percebi que eu teria que ser mais franco comigo mesmo, se quisesse que os outros também fossem francos comigo. E isso foi ontem. Foi ontem. E eu lamento ter perdido tanto tempo.
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Um esforço de esnobação
Ele deve ter algum problema comigo, que eu não sei dizer exatamente qual é. Tem um rancor esquisito. É como se eu não coubesse mais no papel em que ele sempre me colocou. Já foi meu amigo, esse sujeito. Mas já não o reconheço direito há vários anos. Acho que ele nunca me levou a sério. Sempre me tomou por maluco e só consegue me ver como maluco. Como bufão e brincalhão. Ele só consegue ver o meu lado palhaço, esse meu ex-amigo. E como estou cansado de bancar o palhaço, ele estranha que eu não banque o engraçadinho, como agora.
Definitivamente, esse cara tem um problema comigo. Eu falo de um conto que li uma vez sobre um casal que espera um outro casal para o jantar. Foi há muitos anos que li esse conto, eu minto. Mentira danada. Eu li esses dias esse conto , acho que na semana passada, num site que já esqueci qual é, mas não foi em português. Acho que foi no site da New Yorker.
Eu reconto o conto. Resumido.
É a história de um casal que espera um outro casal para o jantar. O casal esperador fica fazendo piadinhas sobre o outro casal durante os preparativos. Eles fazem um monte de piadas sobre os futuros visitantes. De como os visitantes são previsíveis. O que eles dirão. A maneira como vão anunciar as coisas. As falsas surpresas. Eles planejam a maneira como irão sacanear e forçar a retirada do casal visitante. O marido, afinal de contas, é quem planeja todos os passos a serem dados no sentido de deixar as visitas sem graça e com pressa de ir embora. Por último, o cara planeja o golpe final, o modo como vai se livrar do vinho que o casal deverá trazer, como sempre. E de como abrirá ostensivamente uma última lata de cerveja na cara dos visitantes, sem oferecer nem uma gota para os convidados.
Mas, depois de muito tempo, fica claro que o casal de visitantes não irá aparecer. Então o casal anfitrião começa a se preocupar. Telefonam, não conseguem respostas. Ligam para os hospitais próximos. Deixam recados, esperam recados. Ficam realmente numa neura geral de preocupação.
Aí o maridão resolve procurar o casal furão. A esposa fica em casa, já de pijamas, para o caso de alguém de algum hospital ligar. E o maridão, ao chegar ao apartamento do casal, percebe que ali está acontecendo uma super festa, daquelas festas de escurinho, gente biritando, dando gargalhadas, aquelas coisas de festa com muita gente. E aí ele vê um cara superdivertido, que conheceu através do casal que estava dando a festa e que deu o cano nele e na esposa. E eles conversam um pouco e num instante o cara se dá conta de que não houve engano algum, o casal que ele adorava esnobar havia esnobado ele e a mulher.
Então o sujeito resolve sair de fininho. Mas é impossível, porque a mulher do casal está bem atrás dele e ela vai rebocando o cara para um canto da casa, onde possam conversar. E lá ela diz na cara do sujeito que ele não havia sido convidado. Que ele é um idiota convencido. E que ela só o aturou durante anos para não magoar a esposa dele. Mas que na verdade não iria mais aturar. E só falta cobrir o cara de porrada física, porque ela o destroça moralmente. Ele sai magoado, o maridão, acha que foi ultrajado. Quer poupar a esposa do mico da esnobação. E aí ele fica imaginando coisas idiotas, mentiras bestas para contar para ela.
E quando ele chega, a esposa ainda está acordada. E ele abre a boca e ela já entende tudo, não precisa mais falar nada, nem de mentirada, nem de meia verdade. Ela começa a fazer a mala. E é óbvio que o cara finalmente se dá conta de que é ele o grande panaca de Quixeramobim. Que é ele que envenena as coisas. Que é ele que cava fosso entre as pessoas. E, aliás, a esposa chora e pergunta porque é que ela tem uma vida daquelas. E ele se sente desimportante, virando átomo, piolho de poeira. E o sujeito percebe que ali, enquanto sua mulher chora, é como se ele nem estivesse no planeta Terra.
Depois que eu termino esse imenso relato do conto que eu li e achei genial eu olho para esse cara. Mas é óbvio que ele não entendeu nada. É óbvio. Esse cara tem um rancor esquisito, não sei o que eu fiz. Ele só diz assim, com o uma boca meio torta de empáfia:
_E daí?
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
O que aprendi com os mexicanos do faroeste
O pouco que aprendi está se mostrando bem pouco, com muita rapidez. Tenho que aprender mais e mais rápido, todos os dias. E tenho que olhar para trás, porque atrás tem muita gente. E também para frente, de onde partem cotoveladas. Estou levando muita cotovelada, ultimamente. Só hoje levei umas três, nas costelas. Todas do Caçador de Recompensas.
_No Señor, no me mates, Señor, jô tengo mi mujer e hijos para criar– eu penso em dizer, como disseram todos os mexicanos antes de levar bala do Caçador de Recompensas.
Mas esse Caçador de Recompensas é escroto pra danar. Melhor ficar na minha. Deixar o bom humor de lado e proteger as costelas, os costados. Vou ficar colado, de bunda superbonder na parede. Talvez eu possa me refugiar no banheiro, quem sabe?
Eu corro para o banheiro, mas está ocupado. Ultimamente, as pessoas aqui do trabalho têm ficado muito tempo no banheiro. E isso não é vírus. É outra coisa. É medão. O Caçador de Recompensas está atirando para todos os lados. Por quê diabos estou chamando esse cara de Caçador de Recompensas? É porque não existia nada mais baixo no Velho Oeste. E esse cara é muito baixo.
Os caçadores de recompensas entregavam o sujeito vivo ou morto. Na maior parte das vezes, morto. E só agiam na base da tocaia. Da surpresa fulminante. Do ardil. Envenenavam antes e depois de morto é que atiravam. Passavam por gatilhos rápidos, mas eram uns covardões. Davam tiros pelas costas e depois disfarçavam o cadáver. Não existe nada pior do que um caçador de recompensas. É o melhor álbum do Lucky Lucke.
Conheço sujeitos perigosos quando vejo um. E o Caçador de Recompensas é um sujeito muito, muito perigoso. Ele é vaidoso ao extremo da vaidade. E isso significa que é capaz de tudo para satisfazer a si mesmo, sem pensar em nada nem em ninguém.
O Caçador de Recompensas é um monstro. É um Hannibal ególatra, que pega, mata e come tudo o que encontra pela frente. Não. Hannibal ainda tem umas desculpas bestas, de trauma disso e daquilo, de ser um vingador da irmã e dos pais, de ser um obcecado e maldito incompreendido pelo seu bizarro senso de estética. Não há incompreensão no Caçador de Recompensas. Ele simplesmente não quer saber de entender nada. Ele só quer a parte dele, rápido, em dinheiro, cash. O Caçador de Recompensas só quer saber de processos que impliquem em resultados rápidos. Matei, tá aqui, me dá a grana. E ele quer muito os resultados. La plata. Os fins, para ele, justificam todos os meios.
E quando eu vejo que o banheiro está lotado eu resolvo ir um pouco para fora. Sair um pouco para andar. E lá fora, bicho, como tem gente. Parece que existe um mar de gente tentando escapar do Caçador de Recompensas. Ai, todo mundo parece dizer, ai, ai, minha cabeça está a prêmio, Señor. Ninguém parece disfarçar. Essas coisas ficam pairando no ar, como as florezinhas do dente-de-leão, os fiapos de paina, os grãos de poeira, os pingos distraídos da chuva de verão.
E depois eu volto para o meu cúbi(é pequeno demais para chamar de cubículo). E não há mais ninguém, todos estão de férias, em viagens. Mesmo assim, está apertado. E logo que eu me sento, meu joelho encosta em uma coisa grudenta, debaixo da mesa, que não estava aqui ontem. É mesmo uma porcaria de um chiclete, que alguém deixou grudado debaixo da mesa. Ai, caramba, no me mates, Señor. E eu me lembro, de repente, que o Caçador de Recompensas vive mascando chicletes. Estou perdido. Estou perdido. E eu torço tanto para estar sonhando, mas eu sei que estou acordado. E por mais sabidos que fossem, não lembro de ver os mexicanos rindo em nenhum final de filme de faroeste.
terça-feira, 12 de agosto de 2008
A carta número 652
Meu caro irmão,
Obrigado por sua gentil carta e pela nota de cinqüenta que ela continha. Já que as coisas vão bem, o que é o principal, por que insistiria eu em coisas de menor importância? Por Deus! Provavelmente se passará muito tempo antes que se possa conversar de negócios com a cabeça mais descansada.
Os outros blogs, independente do que pensem, instintivamente mantêm-se à distância das discussões sobre o mercado atual.
Pois é, realmente só podemos falar através de nossos trabalhos. Contudo, meu caro irmão, existe isto que sempre lhe disse e novamente voltarei a dizer com toda a gravidade resultante dos esforços de pensamento assiduamente orientado a tentar fazer o bem, tanto quanto possível – volto a dizer-lhe novamente que sempre o considerarei como alguém que é mais que um simples mercador de blogs, que por meu intermédio participa da própria produção de certos blogs, que mesmo na derrocada conserva sua calma.
Pois assim é, e isto é tudo, ou pelo menos o principal, que eu tenho a lhe dizer num momento de crise relativa. Num momento em que as coisas estão muito tensas entre os marchands de blogs de artistas mortos e de artistas vivos.
Pois bem, em meu próprio trabalho arrisco a vida e nele minha razão arruinou-se em parte – bom -, mas pelo quanto eu saiba você não está entre os mercadores de homens, e você pode tomar partido, eu acho, agindo realmente com humanidade, mas, o que é que você quer?
(Tirando a palavra blogs, essa é a tradução da última carta escrita por Vincent Van Gogh ao irmão Theo. A carta foi encontrada com o pintor no dia da sua morte, em 29 de julho de 1890. Vincent deu um tiro no peito dois dias antes. Van Gogh iniciou a correspondência com o irmão em julho de 1873. Há quem diga que sem as cartas ao irmão, os quadros de Van Gogh teriam continuado a tapar buracos em galinheiros da Europa. E o post era pra ser uma metáfora de alguma coisa, que eu simplesmente não consigo me lembrar de jeito nenhum. Quem sabe amanhã? Lembrei. Mas o que é que você quer? Quest ce que tu veux? Não é um final fantástico para a última carta de uma vida?)
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
Mais um pouco sobre Max
No domingo, dia dos pais, nós nos encontramos na casa do meu pai. E foi muito bom rever todos, depois da ressaca fenomenal da festa de sábado. Eu e a Patroa dormimos cerca de quatro horas. Às oito em ponto, as crianças já estavam pulando na cama, loucas para entregar o presente. Ganhei uma bolsa muito bonita e elegante para carregar a minha papelada. Quando chegamos à casa do avô e da avó dos meus filhos, a meninada já estava a mil por hora. E meu irmão puxava Max, o pastor alemão, pela coleira.
Max, eu já escrevi sobre ele, é um cachorro problemático. As crianças o adoram. O Max é uma espécie de mistura de Macgiver com Cérbero. Ele não fica quieto e consegue destruir coisas que você seria capaz de apostar que não atrairiam o impulso destrutivo de ninguém, muito menos de um quadrúpede. E o Max faz isso de modo espetacular, escalando paredes em ângulos negativos, se esgueirando entre brechas e nichos estreitos. O Max só falta usar uma máscara ninja e assobiar a trilha de Missão Impossível. Ô cachorro difícil.O Max não poderia ser apontado como o melhor amigo do homem, mas ficaria bem como amigo da onça. Por isso, foi com espanto que constatei que o Max estava, como direi, tranqüilo.
_Bro, esse cão está drogado? – eu perguntei, franzindo a minha testa de modo inteligente.
_Aaaanhão – ele respondeu, engolindo as palavras enquanto observava o mais velho dos seus filhos se afastar. Esse meu sobrinho filho do meu irmão tem dez anos, é super inteligente e adora o Max.
_Pronto, pode falar agora – eu disse, quando o menino já estava longe.
_O Max foi operado, mas as crianças não sabem – esclareceu o meu irmão.
_Foi operado de quê? Trocaram o cérebro do bicho? – eu falei, sem franzir a testa.
_Vamos dizer que o Max jamais poderá comemorar a paternidade biológica – disse o meu irmão.
_Aleluia!! – eu gritei, exaltado, e lamentei detestar soltar foguetes, pois essa era uma notícia que realmente exigiria o acompanhamento de fogos de artifício.
E o Max já estava mesmo com uma aparência de contralto. O brilho esmaecido dos olhos não deixava a gente em dúvida. O bicho sabia que caminhava, rapidamente, para o destino dos sopranos, de quem vai latir em si menor. Ele, daqui a um mês, estaria mais gordo e pacífico ainda. Mais acomodado. E aí, gente, foi me dando uma dó danada do Max, coitado. Que olhava para tudo como se estivesse faltando alguma coisa. Parecia olhar de ex-fumante. Eu sei como é isso, porque eu sou ex-fumante. A gente fica meio achando que falta alguma coisa em tudo. Começa a cheirar a fumaça dos outros fumantes. Começa a gostar de pegar engarrafamento, de janela aberta, para aspirar a fumaça com força. Ou seja, começa a ficar um doido triste.
A minha princesa, que repara em tudo com aqueles olhinhos miúdos castanhos dela, veio chegando devagarinho por trás do meu irmão e do Max. Ela quis fazer carinho no Max. Normalmente, eu não teria deixado. Mas o Max me olhou com aquele olhar dos loucos mansos e eu vi que não havia perigo. Ela ficou ali, alguns segundos, passando a mãozinha no pelo marrom e preto do Max. Depois, minha princesa saiu correndo. E o meu filho, que é muito perspicaz, também veio fazer carinho no Max.
E, logo, todos os meninos vieram e começaram a fazer carinho no Max. Em resumo, o Max foi o mamífero mais afagado pelas crianças no dia dos pais. Aí reparei melhor no olhar do Max. Aquele sacana! Difícil do jeito que ele é, desconfio que o Max deve ter dado um jeito de garantir o insucesso da vasectomia. Mas mesmo assim posou de vítima de um ataque ao bilhar. E que um dia, quando a gente menos esperar, filhotes do Max vão aparecer na frente da casa, dentro de cestos. E depois vão furar buracos profundos e escalar a parede. Vão sujar tudo e destruir coisas caras,vão provocar prejuízos fenomenais depois de terem feito façanhas impossíveis. O Max é fogo!
domingo, 10 de agosto de 2008
Os ciúmes do Careca
A Franka é a blogueira bloguista que eu mais gosto de ler. E além de escrever super bem, a Franka é uma Musa dos Blogs e também uma espécie de Sherlock de posts. A Franka consegue ler todas as entrelinhas dos meus posts e ainda inventar um pouquinho em cima. E sem Dr. Watson para ajudar.
Outro dia falei de algumas das qualidades dela e deixei o meu ciúme do Mário Prata(el gran cronista) transparecer numas entrelinhas das frases. Pois não é de ver que a Franka descobriu esse meu ciúme em um segundo? E nem precisou de lupa. E aí ela arrumou uma foto minha e colocou em lugar de destaque no blog dela.
Agora, quem entra no Frankamente me vê maior, mais bonito, mais alto e com mais negrito que o Mário Prata. E com tarja. É uma tarja super elegante, em tons pretos rendilhados. Nem precisa dizer que eu estou me sentindo “lê ruá de la cocade nuár” .
Obviamente, isso deixou os outros quatrocentos mil leitores diários da Franka mordidos de ciúmes. Rá!Rá! Alguns desses leitores são pessoas que lêem tudo o que Franka escreve no blog há vários anos e fazem parte do que se costuma chamar de “platéia seleta” ou “turma do gargarejo”. Dá para notar, por alguns comentários já feitos, que eles estão mordendo os nós dos dedos. O que é compreensível. Eles não tiveram a glória de serem mais citados que o Mário Prata e não possuem fotos com tarjas de griffes italianas no blog da Franka. Rá! Rá!
É bem verdade que eu também li todos os posts da Franka, do primeiro ao último, para aprender como se escreve num blog e dar boas risadas. Mas nem me comparo a outros fãs dela. Tem uns caras por lá que parecem profissionais, com comentários certeiros e muito engraçados. É uma turma legal, uma espécie de corrente do bem, no sentido menos careta que isso tiver. Mesmo assim, sem lupa, sem talento Sherlock, dá para sentir as vibrações ciumentas de alguns pixels.
Mas quem deve estar com mais ciúmes que a “turma do perdigoto” é o Mário Prata (o grande cronista). Nunca vi o Mário Prata pessoalmente, sou fã dele, considero ele o Rei da Crônica e da Cocada Preta (Cocade Nuár). Mas aposto que ele deve ler o blog da Franka e falar assim: “Mas o que esse Careca tem que eu não tenho? Como ele conseguiu uma tarja negra tão bonita? E quem será o barbeiro dele, que faz esse corte horroroso?”.
Eu certamente conseguiria pensar num monte de respostas adequadas e certeiras para todas essas perguntas, se eu conseguisse pensar nesse momento. Acontece que só agora me toquei que a Patroa poderá ficar com ciúmes dos meus ciúmes e isso dá uma ciumeira danada. E a Patroa, quando tem ciúme, é ciúme para ventilador nenhum botar defeito. Aliás, falta ventilador. Então vou terminar o post rapidinho e postar, antes que ela venha dar uma olhadinha por cima do meu ombro.
Obrigado, Franka. Foi um super presente!
sábado, 9 de agosto de 2008
Aprender a ficar na minha
Obviamente, eu, que tenho opinião sobre quase tudo, tenho uma grande dificuldade em ficar calado. E eu fico olhando para a minha filha, de três anos, e observo que ela também possui uma grande dificuldade em manter silêncio por 45 segundos. Ela é uma linda pequena tagarela. E talvez tenha puxado um pouco dessa tagarelice de mim.
Eu fico calado mais tempo, isso é verdade. Sigo os ditados: quem fala demais, dá bom dia a cavalo; em boca aberta, entra mosquito. Geralmente, só abro a boca e solto uma enxurrada de palavras se uma pessoa me faz uma pergunta qualquer. Eu contei aqui outro dia da pergunta sobre investimentos no mercado de ações. Enrolo como posso. E ultimamente andam me fazendo muitas perguntas. E eu tenho a cara de pau de responder todas. É terrível.
Metodologia SWOT? É comigo mesmo. Western Spaghetti? Sei tudo sobre Sérgio Leone, Clint Eastwood e Ennio Morriconi. A melhor maneira de esfolar uma ovelha? Simples. Engraxar sapatos de camurça? Mole. Escovar dentes de jacaré? Intrigante. Construir piscinas? O fundamento é essencial. Pentear orangotangos? Com o produto certo, sem problema. Receita de sucesso? Sei traçar cenários positivos e negativos. Receita de bolo de mandioca? É, essa é difícil. Lá vou eu...
Mas existem situações em que as pessoas fazem as perguntas e eu começo a gaguejar. Clã-cla-cla-cla-ro. Claro. Dá para ver no ato que eu estou chutando “el bico”. Que eu não entendo patavina do que está sendo perguntado e que sequer sei começar a enrolar. Que a minha total deficiência no tema, misturada com a minha incapacidade de não responder uma pergunta, me obriga a cacarejar.
Nessas horas, às vezes eu queria sofrer só de sudorese, ao invés dessa “Síndrome de Parabolicamará”. Há quem prefira denominar essa mania de não deixar pergunta em branco, sem resposta, de “Mal de Boquirroto”. Mas eu prefiro chamar de “Assuntose”. Trata-se, na verdade, de uma compulsão para falar devido a uma pré-disposição à bobajada, inerente ao ser humano.
Quando não sei patavina e não vejo riscos em falar uma enrolação, minha “Assuntose” se manifesta. Gaguejo mas falo às pampas. Felizmente, minha “Assuntose” é limitada a alguns ambientes onde sinto que posso me sentir levemente relaxado. Ela não se manifesta em ambientes formais, que exigem um mínimo de raciocínio crítico. Nesses locais e nesses momentos, sou atacado pelo mais terrível dos males, o “Mutismo Solene”. Trata-se de uma incapacidade total de articular qualquer coisa inteligível que tenha uma ou mais sílabas. Fico completamente afônico, embora comece a suar profusamente e a piscar mais do que batida de asa de beija-flor. Os óculos impedem que as pessoas vejam as minhas pálpebras baterem recordes de velocidade e estou sempre de camiseta por baixo da camisa. Quase ninguém nota.
Para minha felicidade, o “Mutismo Solene” é um mal súbito muito pouco compreendido e geralmente interpretado a favor do indivíduo que sofre disso. Outro dia, por exemplo, encontrei o Chefe no elevador. Todo mundo do trabalho estava no elevador. Ele é gente boa, o Chefe. E ele me fez uma pergunta, depois dos cumprimentos e bom dias:
_E o Copom, hein? Acha que vão subir os juros de novo? – ele disse, muito sério.
E eu o encarei, sob o mais imediato e perplexo ataque de “Mutismo Solene” de que já me dei conta. Completamente mudo, paralisado e absorto em absorver o meu suor e a piscar em volume mais baixo, observei o cara que manda em mim. Franzi a testa, com medo de que o suor acumulado começasse a escorrer sobre as minhas sobrancelhas e eu ficasse com os olhos ardendo. Ele sorriu, interpretando a minha testa franzida como uma resposta perspicaz e perfeitamente adequada a tema tão complexo. Sei tanto do BACEN quanto da cadeia do DNA e dos mitocôndrias.
_Eu mesmo não diria nada melhor do que isso – disse o Chefe.
Ele me deu um tapa no ombro, parternalisticamente. Deu uma risada, desejou bom dia novamente, disse continue o bom trabalho e saiu. Quando todos voltaram a respirar, percebi que havia um misto de respeito e despeito entre os colegas, ali no elevador. Olhando para o espelho, percebi a minha testa franzida, longa, se fundindo à minha careca. Parecia mesmo uma expressão inteligente. Mas o Chefe, pô, o Chefe desceu no andar errado.
(Caramba, a Franka fez um super post gentil e bacana, mas tenho que ir para a festa da minha amiga. Amanhã, vou responder com o carinho necessário. Até!)
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
O Careca Peg Sue
Pessoal, eu estava numa dúvida danada. Depois de vinte anos sem ver a turma da faculdade, uma das pessoas que eu mais curtia daquela época me ligou. Ela está fazendo os seus quarenta nesse sábado e me convidou para ir até a mansão maravilhosa dela para encontrar toda a trupe da faculdade.
O problema é que neste sábado também tem a festa de aniversário de uma grande amiga minha, da Patroa e das crianças. É uma pessoa linda e maravilhosa, que tem o maior alto astral do mundo.
É super legal essa amiga, que é uma psicóloga extremamente respeitada nessa cidade. Ela é milionária, tem um enorme bom gosto e investe milhares de dólares no mercado de arte. Ah, e ela também tem um coração enorme. Só para você ter uma idéia, ela salvou o Cabeça de ficar para titio. Ou seja, é tudo de bom, essa amiga: linda, profissional, poderosa, milionária e compassiva com os desvalidos.
Ela também adotou um Schnauzer, é um amor de pessoa essa minha amiga. E ela nem se importa que o Cabeça fique cada vez mais parecido com o Schnauzer. Aliás, outro dia conversei sobre essa estranha e obsessiva semelhança do Cabeça com o “dog” dessa minha amiga. Ela é genial. E ela me falou assim:
_Sim, eles estão cada vez mais parecidos. Mas o Cabeça não sabe rolar tão bem –ela explicou, compungida.
_Sei, ele só enrola! – eu disse, sem poder evitar.
Então eu estava nesse dilema. Ir numa festa. Ou ir na outra festa. Numa, encontrar os amigos de velhos tempos. Noutra, encontrar os amigos velhos há tempos.
Acho que a minha amiga dos tempos da faculdade está coberta de boas intenções. E foi mesmo muita gentileza dela me convidar. Mas tenho medo de cavoucar as lembranças dos bons tempos que se foram, quando todos nós éramos sujeitos sabidos. Nós iríamos dominar o mundo assim que puséssemos os pés fora do campus, com o canudo na mão.
Eu, assim que coloquei os meus pezitos para “fuera” do campus, fui dominado por uma “paúra” danada. Quase corri com o canudo entre as pernas. Hoje em dia eu conto meus sucessos em voz baixa, de medo que alguém escute e venha me contar os meus fracassos em voz alta. Realmente, o meu lado “Peg Sue” é um tremendo covardão. Tenho pavor de reunião de reencontrar as pessoas e, principalmente, de lembrar a quantidade enorme de besteiras que eu já fiz. Então, sinto muito, povo da faculdade, mas não vai dar. Amiga da faculdade, Dani Gló, feliz aniversário pra você! Pessoal da faculdade, a gente se vê!
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