sábado, 19 de julho de 2008

Um pequenino ensaio sobre poesia



A M.J. fez um comentário e deixou um endereço de blog de poesia. Isso me fez pensar um pouco.

Eu sempre achei que poesia era uma coisa meio triste e bacana, que a gente poderia colocar do lado do bibelô, numa prateleira da sala. Tinha que ser como um pequeno busto grego de mármore, uma cabeça. Não muito pequena e nem muito delicada, mas pronta para se colocar num lugar onde todo mundo pudesse ver, onde os adultos pudessem alcançar. Se desse vontade, você poderia muito bem tirar os olhos da TV, da tela de LCD e pegar aquela cabeça de pedra, para olhar à vontade. E daria para sentir o peso de cada verso, se você parasse e olhasse aquele verso de poesia com lupa.

Mas eu estava enganado, é claro.

Poesia não é só bibelô. E as crianças também gostam de poesia. Aliás, uma boa parte das melhores poesias que eu já li, eu li quando era criança, quando eu ainda estava aprendendo a ritmar frases, a fazer a entonação certa para as perguntas. Eu gostava de Bandeira, de Drummond, de Vinícius. E todos eles eram velhinhos.

E talvez por isso eu, quando criança, tenha imaginado os poetas como um bando de velhinhos que ficavam escrevendo coisas bonitinhas, para os netinhos e as outras criancinhas, tão pequenininhas. Eu via a minha Vó e me perguntava se ela não escrevia uns versinhos, escondido, feito a Cora Coralina. Besta, né? Mas a velhice de Olavo Bilac e de Monteiro Lobato me fazem crer que essa impressão não está muito longe da verdade.

Li em algum lugar que Bilac acordava bem cedo e ia todos os dias para o escritório, escrever. Numa bela manhã, um amigo o surpreendeu na escrivaninha. Escrevia para os netos. E dizia que só vivia para isso, naqueles últimos anos. Bilac. Bilac foi o cara que premiou uma menina de 9 anos que se tornaria a maior poetisa brasileira. Ele incentivou Cecília Meirelles a escrever. Bilac foi o cara que fez os versos do Hino à Bandeira, o mais belo dos hinos nacionais. O hino favorito de todas as crianças que o aprendem.

Lobato foi o cara do Sítio, da boneca de pano. Não me lembro de ter lido versos de Lobato, mas ele fez um livro/ biografia legal de Castro Alves. E por causa do Castro Alves eu comecei a ler poesia. E tem o Sítio, que é poesia em prosa. Lobato, ele também, teve uma época que só escrevia para as crianças. Mas eu me perco.

Depois de procurar em muitos livros o verdadeiro sentido da poesia, eu li os versos de Manuel de Barros. Ele disse, muito simplesmente, que “poesia é tudo aquilo que pode ser disputado num concurso de cuspe à distância”. E com esse bom humor, um pouco de malícia e um sentimento emanado de prazer, Barros moldou a minha noção de poesia ao seu nome e aos seus versos.

Hoje, leio pouca poesia. Falta referência. Meus indicadores de livros não indicam muita poesia. Quem era bom nisso era o Velho Tom. O Feijó. E o Helinho. Mas já li muita. Eu até quis ser poeta, num tempo longínquo. Mas aí fiquei “unbeliever”. Teve uma época em que fiquei tão descrente de poesia que eu achava que os poetas eram sujeitos preguiçosos, que não gostavam de escrever frases inteiras. Por isso, ficavam apenas fatiando frases e inventando parágrafos desnecessários. Para mim, a maioria dos poetas, eram sujeitos que escreviam uma frase mal dividida e queriam receber por uma lauda inteira. Nem preciso dizer o quanto eu estava próximo da verdade.

A maior parte dos sujeitos que se dizem poetas são apenas preguiçosos. Não me entenda mal. Existem alguns bons poetas preguiçosos. E também existem uns poucos que lutam para escrever uns versinhos curtos, curtos. Esses podem ser bons. Mas, em geral, é muito difícil encontrar um bom poeta. E não existe nenhuma fórmula ou caminho infalível para se encontrar a boa poesia. E o pior: às vezes você acha um determinado poeta um tremendo charlatão e depois se descobre recitando um verso desprezado do mesmo sujeito. Ou seja, é uma bagunça. Por isso, a melhor maneira de organizar uma estante de poesia é obedecer a ordem alfabética, por nome de autor. E uma estante de poemas é muito mais difícil de organizar, já que poemas são janelas abertas e uma brisa suave. Mas é preciso ressaltar que isso não está de acordo com o que é preconizado por Manuel de Barros. Poesia é sempre outra coisa, bela de doer, que a gente quase consegue alcançar, mas que é inexprimível e intocável. É como a tensão superficial de um copo d’água.

Hino à Bandeira
Olavo Bilac

Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz.
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.

Contemplando o teu vulto sagrado
Compreendemos o nosso dever,
E o Brasil por seus filhos amado,
Poderoso e feliz há de ser.

Sobre a imensa Nação brasileira
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre, sagrada bandeira
Pavilhão da justiça e do amor.

Sempre fico triste com o Hino a Bandeira. É a maior poesia bibelô que existe.

Pessoal, continuo à espera de sugestões de bandas novas legais.

10 comentários:

Mwho disse...

Careca,
Poesia é como vinho: pode ser uma porcaria, mas se você gostar, é o suficiente e passa a ser bom!
Abraço,
Mwho.

Careca disse...

Mwho, é um critério, mas muito individualista. Tentei descrever um elemento mínimo, mas acho que ele me escapou. Abç,

Mwho disse...

Careca,
Tentei fazer aquele estudo que você sugeriu (sapatos e personalidade).
Se puder, dê uma olhadinha:
www.esfarelando.blogspot.com
Abraço,
Mwho.

Careca disse...

Mwho, achei interessante, mas a amostragem foi muito pequena. Eu sei, ninguém incentiva a pesquisa nesse país.

Maína Junqueira disse...

Oi Careca.
É, poesia é um terreno bem acidentado.
Pra mim vem em fases, como o tal remédio do qual falavamos lá atrás.
Manoel de Barros é incrível, assim como o Leminsky e tantos outros.
Poesia pra mim é como música, num momento faz o maior sentido, depois desaparece e mais pra frente reaparece e te dá um susto!

Eu não consigo achar uma única banda pra te recomendar. Nesse momento voltou Paolo Conte, velhinho daqueles que reviram a gente.

Beijos!

anna disse...

vc é ótimo em definições, transitando entre metáforas e palavras que tomam corpo.

Rodrigo Carreiro disse...

Poesia é um negócio meio solitário, mais ainda que as prosas. Sei lá. E povo precisa ler mais (poesia).

Careca disse...

M.J., vou procurar esse Paolo. Bjs,

Careca disse...

Anna, obrigado, mas acho as minhas definições fraquinhas, fraquinhas, coitadas, nem se aguentam sem encosto.

Careca disse...

Rodrigo, o povo não vive sem poesia. E nem precisa ler, aprende de ouvido. Você, que também é poeta, sabe muito bem disso.

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