quarta-feira, 23 de julho de 2008

A cafeteira fiel



Eu não sou epicurista. Mas sempre ouvi que devemos buscar o prazer de fazer o que fazemos nas menores coisas, especialmente nas atividades do dia-a-dia, que não costumamos valorizar. Com isso na cabeça, tenho buscado extrair o máximo de prazer possível de tarefas como por a mesa do café-da-manhã, fazer mamadeiras e aprontar as crianças.

Se você for me visitar de manhã, vai levar um susto ao olhar para a mesa. É uma espécie de mesa Frankenstein. Raramente uso uma toalha. Coloco primeiro os retângulos de jogo americano sobre a mesa de madeira. A Patroa comprou uns novos, outro dia, de palitos de madeira costurados, com um pano de forro por baixo. São só quatro, então tenho que pegar pelo menos dois de outros jogos americanos. Em geral, acabo pegando panos de jogos diferentes. E a mesa acaba com quatro retângulos de uma cor e mais dois retângulos, cada um de uma cor bem esdrúxula, como laranja e verde.

Estilistas torceriam o nariz para essa combinação horrorosa de cores e texturas sobre a mesa. Mas eu olho com os meus olhos de sono. E acho legal à beça.

Aprendi a curtir a colocação das coisas na mesa. Em dois dos quatro retângulos iguais eu coloco duas chávenas com pires e pratos. Nos outros dois retângulos desse mesmo jogo, para as crianças, coloco um pratinho de plástico colorido( um amarelo e outro laranja) e um copo com alça larga. Um dos copos é florido. O outro traz um monte de macacos desenhados. Em cada um dos retângulos restantes eu distribuo o que sempre vai à mesa. A mantegueira, a faca de manteiga, o açúcar, as colheres, a faca de pão, o pão, o café e a jarra de leite.

Gosto muito da jarra de leite. É branca, igual àquela que aparece num quadro do Vermeer. A cafeteira é razoável. Ela também é branca e bem pequena, nos acompanha desde o casamento. Durante os cinco anos em que fomos somente um casal ela segurou a onda, com uma pequena falha. Quando você a usa, sempre escorre uma gota de café do bico largo, por mais cuidado que você tome. Sempre foi assim, mas é uma cafeteira fiel, está conosco há muito tempo, não vamos desistir tão fácil.

Procuro variar as coisas de comer, no café da manhã. E às vezes eu me enrolo um pouco e nem chego a fazer alguma coisa para comer. Ou então a Patroa faz. Mas, em geral, gosto de pão-de-forma sem casca, manteiga, presunto e queijo. Pode ser um sanduíche quente ou frio. Não existe regra. E uma fruta. Maçã pequena, ou meia maçã. Banana. A mexirica que tiver. E às vezes nem pego uma fruta. E tem também as vezes em que eu saio correndo, depois de engolir uma xícara rápida de café.

Enquanto preparo as coisas para o café-da-manhã, eu também faço as mamadeiras e fico com as crianças. É bem legal. Até bem pouco tempo, eu gostava de deixar as mamadeiras no jeito, só faltando adicionar água, para fazê-las rapidamente no período da manhã. Deixava quase tudo pronto à noite, antes de dormir. É um bom método, mas você não curte a mamadeira. Descobri que o melhor é fazer tudo ao mesmo tempo. Preparar a cafeteira enquanto a água da mamadeira esquenta no micro-ondas. Chacoalhar a mamadeira depois de por a mesa, rapidinho. E escovar os dentes da minha princesa logo depois dela tomar a mamadeira, abraçada comigo, no sofá.

Por último, depois de escovados e finalizados os números um e dois do banheiro, trocar de roupa nas crianças. O menino, de cinco anos, praticamente já se veste sozinho. E a menina, três anos de idade e maravilhosa, sempre inventa um jeito de complicar o que é simples. Ela sempre acha que a roupa que eu escolho não é a que ela quer. Por outro lado, ela não escolhe roupa nenhuma se eu não escolher primeiro. Então aprendi a fingir que a roupa que eu quero que ela escolha não é a que eu quero, mas a que ela quer. Dá trabalho, mas funciona.

A questão com o meu filho não é a roupa, mas o calçado. Eu falo para ele se calçar e naturalmente ele diz “é claro!” e vai fazer outra coisa importante, como verificar se o boneco do Ben 10 resiste a umas pancadas do boneco do Batman. Ainda não consegui aprender uma maneira de fazer com que ele esteja calçado e pronto para sair rapidamente. Mas assim que conseguir, escreverei um guia detalhado em duzentas páginas que certamente me transformará num autor de best-seller milionário e guru de celebridades.

Ou seja, para curtir tudo como tudo deve ser curtido, tenho que acordar mais cedo. E como essa é a penúltima semana de férias das crianças, acordar mais cedo é um pouco incongruente. Mesmo assim, acordo. E por isso, estou ficando com sono cada vez mais cedo. Felizmente, tenho a minha fiel cafeteira.

9 comentários:

Mwho disse...

Careca,
Espere até cair algo melado sobre esse jogo americano de palitos de madeira com pano de forro por baixo...
Abraço,
Mwho.

Anônimo disse...

extrair prazer das pequenas coisas requer aguçada sensibilidade. e tornar interessante o relato de coisas aparentemente sem importância do cotidiano, requer raro talento. você sem dúvida conseguiu, careca. e ainda me fez voltar a meus tempos de pai de crianças pequenas. parabéns e obrigado.

Sinara disse...

Caro companheiro blogueiro. Descobri seu blog por acaso, em uma de minhas andanças pela net num fim de tarde. Confesso que gostei muito da forma com que escreve, relatando o seu cotidiano, suas vivências... consegui até vizualizar algumas cenas narradas aqui.
Muito legal mesmo. Sucesso!

Careca disse...

Mwho, não tem problema, a mesa já é um Frankenstein mesmo...

Careca disse...

Marcio, obrigado pelo comentário generoso. Abç,

Careca disse...

Sinara, seja bem-vinda. Bacana a tua proposta de criar um blog para espelhar o trabalho dos alunos. Meus filhos estão numa escola "alternativa" e acabo escrevendo sobre eles aqui. :)

Anônimo disse...

Tô tentando fazer isso também, Careca, aproveitar coisinhas do cotidiano, como comer pastel na feira e receber um bom dia do motorista do busão... Tem me feito um bem danado essa mudança de comportamento, mas exige de mim uma certa disciplina, sabe? Porque a tentação de ficar mal humorada, de soltar uma praga ou palavrão, de lembrar de coisa triste, de reparar no que é ruim... é muito grande. Ah, suas experiências com seus filhos tão me ajudando a ser uma titia mais esperta, viu? Tenho um sobrinho japonês de menos de dois anos que é uma coisa de lindo!Se for mesmo escrever o tal livro, me avisa, que eu compro! rsrsrs Abraços!

Careca disse...

Janaína, é preciso mesmo muita disciplina. Comer pastel na feira é uma delícia! Eu já fiz umas contas e listas, para dez cumprimentos, você recebe de um a dois de volta. Mas às quintas-feiras, não sei o motivo, aumenta o número de respostas positivas.

Anônimo disse...

Acho que, de quinta, as respostas são mais positivas porque o povo lembra que sexta está chegando e, com ela, o fim de semana... Mas na sexta todo mundo sai impaciente, querendo que o dia passe logo, aí dá um revertério na "galera" e eles ficam com o humor da segunda-feira. Ai, sou como o Garfield, odeio segunda-feira! Abraços!

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