domingo, 13 de julho de 2008
Para ler os russos
Todo mundo sabe que literatura não serve para nada, portanto serve para tudo. Eu, por exemplo, aprendi muita coisa com os livros. Com Balzac, por exemplo. Em “As ilusões perdidas”, eu aprendi, entre milhares de detalhes super-importantes, que muitas pessoas conseguem identificar claramente a classe social e até o caráter de uma pessoa pelos sapatos que estamos usando. Desde que eu li as agruras e desventuras de Lucien de Rubempré, eu presto uma atenção danada aos meus sapatos. Procuro mantê-los sempre limpos, com a esperança de que isso seja uma espécie de reflexo do meu próprio caráter.
Eu mesmo tenho a idéia de ser um cara limpo, no sentido da higiene pessoal e também moral. Acho que isso, de alguma forma, é transmitido para a sola dos meus pés, é que molda o meu jeito de andar. Se eu estou bem comigo mesmo, eu piso mais leve. Se eu estou mal, meus passos perdem um pouco a coordenação, fico mais trôpego. Mas só hoje é que tenho a clareza de espírito para descobrir uma conexão entre o meu equilíbrio mental e moral com a linha reta das minhas caminhadas, com a profundidade da minha pegada na terra molhada.
E entre as coisas que eu penso agora surgem coisas como “putz, se eu tivesse essa conversa fiada quando tinha vinte anos eu teria feito chover muito na minha horta”. Mas eu perco o fio da meada. Isso vem acontecendo muito ultimamente. Começo a escrever uma coisa, outra me atalha e aí fico com a outra coisa. A culpa disso é a redução do tempo para escrever. Tenho que mandar bala sem ficar voltando atrás, senão o tempo acaba. E amanhã é dia. Então não dá para vacilar e ficar sem postar, elocubrando muito.
Agora, por exemplo, eu começo pelo título, que é uma maneira de segurar o tema e ficar toureando ele. E, antes, o título era a última coisa. Pois o título é “Para ler os russos”. E com isso eu quero contar dos macetes que eu aprendi por conta própria para ler os autores russos, com todos aqueles nomes compridos e difíceis de lembrar. Quando eu li os Karamazov, por exemplo, eu fiz uma ficha com os nomes dos personagens, que usava de marcador. Toda hora aparecia um personagem novo e eu anotava na ficha, como se fosse RG e CPF, só que era o nome, o apelido, a relação com o personagem principal e a página de entrada.
Foi com uma fichinha parecida que eu li “Guerra e Paz”. Lembro que a minha ficha ficou anos e anos dentro do livro. Para mim, aqueles nomes haviam se tornado quase familiares, parecia uma lista de pessoas que eu estava convidando para uma festa. E com as Ilusões Perdidas também fiz a mesma coisa. Era nome francês pra dedéu, não dava para lembrar de tudo. A ficha me ajudou pacas.
E até hoje faço isso. Eu entro em reunião e anoto. Fulano, baixinho, carrancudo, barrigudo, bigode, mais ou menos 45, sapato sem cordão e sujo, mó mala. Beltrano, alto, sorridente, boa pinta, 30, espertalhão, sapato de cordão, meia sola, venderia a própria mãe. Fulana, profissional, sino de bronze, malvada, cruel, demolidora, 33, tirana, cuidado!! Sicrano, feio, triste, honesto, gordo, mocassim, 35, pode ser o fiador que eu procuro. E assim vai. Às vezes, eu erro feio com essas listas. Mas na maior parte das vezes, eu acerto na mosca.
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8 comentários:
Careca,
Vou passar a semana reparando nos sapatos das pessoas que já conheço para ver se a técnica funciona no meu ambiente de trabalho...
Abraço,
Mwho
Eu nunca escrevi mas tenho essa mania de ficar descrevendo só pra mim os fulanos e sicranos que estão por perto. Assim me divirto bastante sozinha. Vou muito pro interior de sp e sempre de ônibus, e isso sim é um prato cheio.Fim de semana sim outro não, tô lá fazendo resumos (com respeito, é claro)...risos. Abração
ô Careca, dê o ar da graça de sua careca neste blog aí:Http://poupadordeporra.blogspot.com
Valeu.
Mwho, não se esqueça de colocar o resultado da pesquisa no Esfarelando.
Uai, de vez em quando faço uma lista desrespeitosa, mas é raro. Abraços,
Poupador, meu velho, você escolheu um nome muito abusado. Grande abraço,
Tenho que confessar que, quando solteira, o sapato era usado como um dos primeiros indicadores a respeito da qualidade dos pretendentes. Tinha que ser limpo e de bom gosto. A única exceção era para o All Star que já nasceu com licença para andar sujinho. Faz parte do design original. Mas isso era só o início, meus critérios iam bem além...
Abração
Tina
Tina, eu tenho duas irmãs e elas, como você, também me confirmaram a dica do Balzac. Abçs,
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