sábado, 12 de julho de 2008

Rinocerontes estouvados



Eu moro num prédio com 48 apartamentos. Mas ao todo somos apenas 46 vizinhos uns dos outros. Um apartamento está sempre vago. E um dos moradores é tão chato que parece que vive sozinho no edifício. Desconfio que ele não é um ser humano, mas um dos caras que os alienígenas enviaram para nos estudar antes da dominação e invasão final. É um cara que me olha como se eu fosse um rato de laboratório. Nunca o vi sorrir. Tem a expressão facial de uma placa de aço. Transmite a simpatia de uma enguia. Então eu tomei a liberdade de deixar aquela mala fora da conta.

É um prédio relativamente velho nesse bairro que ainda é novo, nessa cidade que ainda é tão nova. Deve ter uns doze anos, esse prédio. Estava sendo construído pela Encol, que tinha feito um acordo com uma cooperativa de trabalhadores autônomos. Aí a Encol quebrou. E a cooperativa falou para os trabalhadores se virarem. E um grupo desses caras resolveu meter os peitos e terminar a obra. Eu cheguei bem depois dessa confusão toda. Moro aqui tem uns seis anos.

É um prédio bacana, tem seis andares. Eu moro no terceiro. Aqui tem playground, jardim bem cuidado. Mas o isolamento acústico deve ter sido planejado pelo engenheiro de som do Pink Floyd. É totalmente psicodélico. Eu escuto sons que parecem ter sido emitidos pelo vizinho de cima, mas que são do morador do primeiro andar da outra ponta do bloco. A tubulação de ventilação, no banheiro, provoca alucinação auditiva. Você pensa que está escutando o cara do sexto andar, debaixo do chuveiro. Ele canta “Pare de tomar a pílula”, com ênfase no refrão, mas é o vizinho de frente que é fã do Odair José.

Outro dia eu abri a porta do elevador bem rápido, para flagrar o vizinho do quinto andar com o poodle, no elevador social. Eu não ligo muito para as regras sobre uso do elevador social e de serviço, mas tenho a tendência de considerar um abuso e até ofensa pessoal descer com um cachorro pelo elevador social. A não ser que o dono carregue o cachorro no colo. Quando você carrega o bicho a coisa muda de figura. É como uma pasta de couro. Ou um casaco de couro. Ou de peles. Tá contigo. Eu nem ligo. Mesmo se for um pastor alemão. Pôs no colo, é que nem bagagem de mão em avião, pode entrar que a casa, digo, o elevador, é seu.

Apesar da minha implicância com o ambiente acústico pop-psicodélico do meu prédio, não sou de me queixar dos sons e barulhos dos outros. Eu tenho duas crianças em casa e embora elas sejam super comportadas, sei que o vizinho de baixo deve imaginar que somos uma família de rinocerontes estouvados. Às vezes eu também acho a mesma coisa. Hoje, por exemplo, eu me peguei imitando um sapo junto com o meu filho. Ele estava a pular, de um lado para outro e imitou, com perfeição, o salto de um sapo. Achei muito legal. Comecei a imitar o meu garoto e naturalmente alguma coisa travou e fiquei parecido com a letra “W” durante alguns minutos. Não foram muitos. Talvez 15 minutos. Mas devo confessar que eu já começava a entrar em pânico e a perder o fôlego. Por sorte, num dos saltos o meu filho esbarrou em mim e desse modo, estatelado no chão, eu pude retomar a minha forma original de letra “b”, minúscula, com duas pernas finas.

Tudo isso deve ter feito muito barulho, mas ninguém veio reclamar. Acho que a engenharia psicodélica de som deve ter feito as pessoas pensarem que o barulho vinha de outro lugar. Tomara que tenham pensado que veio do apê do alienígena.

Um comentário:

Mwho disse...

Careca,
Acho que meus vizinhos de cima são rinocerontes...
Veja minha história:
http://esfarelando.blogspot.com/2008/06/meu-vizinho-de-cima.html
Abraço,
Mwho

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