terça-feira, 8 de julho de 2008

Meu ídolo escritor



Eu tinha dezessete anos quando vi o grande escritor que admirava. Foi na Universidade. O grande escritor era Ignácio de Loyola Brandão. Eu era fã de carteirinha e camiseta do Loyola. Eu era tão fã dele que uma vez comprei uma camiseta com uma foto do cara e da capa do livro dele, Zero. Sério. Eu tinha visto o anúncio da camiseta numa coletânea de cartuns do Henfil, publicadas no Pasquim. Ou era a editora Pasquim. Não sei mais. Tinha Pasquim no meio, isso eu lembro. Eu recortei um anúncio e pedi o livro e a camiseta. Foi a minha primeira e última compra pelo sistema de reembolso postal. Não é que eu tenha alguma coisa contra, é só que esta foi a única compra que fiz nesse sistema. Não sei a razão.

Num certo dia, eu vi um cartazete anunciando a chegada do Loyola na Universidade. Caramba! Eu fiquei super-entusiasmado. Eu finalmente iria falar com o meu grande ídolo. Com o gênio que eu admirava. Com o cara que conseguia traduzir as angústias que eu ainda nem sentia direito, mas que sabia que um dia sentiria. No cartaz, estava escrito que o escritor viria no dia tal, na sala tal, na hora tal, para conversar sobre o seu novo livro e sobre os já publicados. Caramba! Eu me preparei todo.

E no dia tal, na sala tal, uma hora antes da hora tal eu já estava na sala, na primeira fila, de frente para a carteira modesta onde o Loyola sentaria. Eu estava com a minha camiseta. Eu estava com o meu exemplar do Zero pronto para receber uma dedicatória. Eu estava com uma caneta azul Bic, zerada, pronta para escrever o autógrafo. Eu estava com um conto datilografado dentro de um envelope. Eu estava com uma lista de perguntas para fazer ao Loyola. Eu estava mais ansioso que uma tiete. E eu queria ver se, com um pouco de sorte, o Loyola não poderia me dar uma opinião sobre aquele conto que eu carregava ali, meio escondido.

O povo foi ajuntando. As meninas que faziam Letras chegaram e ocuparam as duas primeiras fileiras. Elas estavam ali, firmes, algumas com seus exemplares de livros para autógrafos. Todas com os olhos brilhantes, de admiradoras fervorosas, de leitoras compulsivas, de admiradoras selvagens. E quase todas me olhavam como se eu não tivesse o direito de estar ali, junto com a tietagem. Junto com as moças que amavam a literatura nacional e o escritor nacional. Especialmente aquele escritor, que tinha livro proibido, era um gênio e todas as mulheres adoravam.

Tentei puxar conversa, mas as moças não queriam papo. Então fiquei só ali, olhando para nada, relendo trechos curtos do livro. Até que o Ignácio Loyola Brandão chegou. Veio acompanhado de umas professoras, umas fãs na cola. Ele entrou na sala, cumprimentou as meninas, as fãs, as fãnzocas e até aquele imbecil com uma camiseta com a cara dele, na primeira fila. O imbecil era eu, que fiquei sorrindo, ansioso, amarrotando o envelope com o meu conto.

O Loyola começou por arrastar a cadeira mais para o lado de lá, onde só haviam mulheres. Lógico. Quem ficaria de frente para um otário de camiseta, quando poderia ficar de frente para as moçoilas bonitas, românticas, suspirosas e resfolegantes do lado de lá? Eu também arrastaria a cadeira, talvez até para mais longe. Talvez até pisasse no pé daquele sujeito meio careca antes de arrastar a cadeira. Quem sabe? Pois o Loyola fez exatamente isso. Só faltou pisar no pé.

O Loyola falou, falou, falou e encantou a todos nós. Eu suava, na primeira fila. Meu coração batendo alto, na palma da mão, onde eu segurava o envelope com o meu conto. E aí o Loyola abriu para perguntas. E então ele começou a me ignorar ostensivamente. Eu lenvantava a mão, educado. E nada. Fazia psiu, bem educado. E nada. Balançava a mão. E nada. O Ignácio era pior que garçom. Olhava para mim com a indiferença de um coletor de impostos e ignorava os meus apelos para perguntas. Ele só ficava de atenção com as meninas, as moças fãzocas gaguejantes e suspiradouras. Eu começava a ficar impaciente.

_Você aí, com a camiseta do Zero. Pode falar – autorizou o Loyola.

E me deu a gagueira. Aquela gagueira básica, de não rimar lé com cré. E me deu um ataque de branco e estupidez. Eu nem sabia onde estava. Fiquei mais nervoso que uma mula. E quando eu terminei de perguntar o Loyola olhou para mim e disse:

_Pô, mas que pergunta mais imbecil!

Nem peguei o autógrafo. Lembro de ter rasgado o envelope, com o conto dentro, inédito e não lido. Só voltei a ser fã do Loyola, que é um grande escritor, uns dez anos depois daquilo.

7 comentários:

Maíra disse...

Um fã persistente, no seu lugar eu desistiria só pra não correr o risco de pagar outro 'miquinho básico'. Admiro sua postura!

Mwho disse...

Careca,
Um grande escritor pode ser um grande "babaca", não?
Abraço,
Mwho.

Careca disse...

Ivich, o Loyola é realmente um gênio!

Mwho, pode.

Anônimo disse...

qué sabê a verdade? É por isso que hoje eu leio, todos os dias, o Caminho do Careca. Tá, o Loyola é bom sim, mas nós esperamos todos os dias pelos textos do careca pálido e faminto que gosta da sua kombi. Melhor que um autógrafo é responder os nossos comentários. Isso não tem preço! E o careca ainda manda abraço pra gente também...
abração

Anônimo disse...

Nossa, me lembrei de quando fui pegar meu autógrafo do Ayrton, em 1992. Foi a pior temporada do Senna em toda a carreira dele, até mesmo nas categorias de acesso para a F-1. Os jornais disseram que ele chegaria numa quinta em SP. Baixei na porta da casa dele umas 7h da matina. O homi tinha chegado na quarta de noite, pra despistar fãs e imprensa. Péssimo sinal. Ele devia estar com fuso horário alterado, além do mau humor pelo ano ruim. Achei que ele não ia parar o carro, mas parou e foi atencioso. Tive mais sorte que você, Careca, e o Ayrton não era uma pessoa lá muito fácil, a chance dele ser babaca era bem grande. Engraçado, como você, eu sentia o coração batendo nas mãos. E na cabeça, nas pernas, no estômago.... Nossa, passei muito mal de ansiedade! rsrsrs Abraços.

Careca disse...

Uai, eu é que agradeço os comentários impagáveis. Abção,

Careca disse...

Janaína, o Senna era super simpático com a imprensa, mas meio chato com os fãs. O Piquet era o contrário. Chato com a imprensa e super legal com os fãs. Vai entender os campeões...Abçs

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