quarta-feira, 2 de julho de 2008
O herói no telhado
Meu horário às vezes fica um pouco complicado na hora do almoço. Hoje, por exemplo, foi um dos dias complicados. Mas começou bem, o dia. Tudo nos trinques. Os meninos não se atrasaram e chegamos dez minutos antes do horário na escola alternativa. A escola limpinha e vazia. Muito legal. Um dos caras que cuidam da escola, o James, estava lá, terminando de varrer um canto. Não é Jeimes. É Já-mis. É raro ver o James varrer, pois ele está sempre ocupado com alguma coisa no teto da escola. Ele vive resgatando as coisas que as crianças jogam no telhado.
Meus filhos estavam super limpos, tranqüilos e bem agasalhados. Faltava preencher uma autorização para sair da escola acompanhado dos professores para a exposição do Darwin. Questão resolvida em dois segundos. Acabou a água do filtro. Questão resolvida em um minuto. Dei um beijo na minha filha. Ela me devolveu um beijo demorado na bochecha. Saí feliz e serelepe da escola. Dei bom dia até para quem visivelmente não gosta de dar bom dia para idiotas como eu. Tem um monte de pai na escola alternativa que não é nada alternativo. E que torcem o nariz para os panacas que se dizem preocupados com o futuro da humanidade. Que não ligam para os otários, como eu, que acham que essa humanidade começa no gentileza da urbanidade, do cumprimento.
Eu prefiro o bom dia rarefeito ao olhar indiferente. E tem dias que eu acordo com a pá virada, do avesso, com raiva do ser humano e de mim mesmo. Mas eu conto até oitenta e sete e meio debaixo do chuveiro e geralmente a coisa passa. Chuveiro é uma coisa boa para passar raiva. E pode ser quente ou frio. Embora, comigo, o chuveiro frio tenda a ampliar o ódio e estimular o destempero, especialmente nessa época do ano, que esfria um bocado. Então hoje o dia começou assim, sem que eu tivesse uma pista de que haveria tempestade, ainda que o James não estivesse no telhado e enxergasse lá longe, para me avisar.
Depois de ligar a máquina na minha estação de trabalho, foi um e-mail que me avisou que o seminário interno se estenderia até meio-dia e meio. Sem problema, eu pensei, a Patroa é que vai pegar as crianças. Com toda a diretoria presente e o Big Boss também, pegaria super-mal para o novato aqui sair antes de terminado o seminário. Mas o e-mail, ó minha Kombi de leitores, era a primeira nuvem anunciando a tempestade que seria a minha manhã.
Começa o seminário e o bocó aqui está no banheiro, porque derramei um capuccino na gravata. O Big Boss mandou o Little Boss me avisar que todos estavam esperando por mim. O Little Boss então ligou para o Assistente, que avisou a Secretária, que avisou a Recepcionista, que ligou no meu celular e me encontrou no banheiro.
_Recépe, como sabia que eu estava no banheiro? – deu vontade de perguntar. Mas tudo o que eu disse foi que estava indo agora mesmo.
Na hora em que eu entrei na sala, o Little Boss fez um sinal com a cabeça e o expositor do dia começou o seminário. Caramba! Fiquei mudo e calado, com os olhos bem arregalados, prestei mais atenção que a coruja daquela piada, que o português pensou que era um papagaio. A turma já havia esquecido quem eu era quando toca o meu celular. Eram onze e meia. A Patroa avisava que não poderia, de jeito nenhum, pegar as crianças na escola. Comecei a suar frio. Comecei a contar em alemão. Pelo andar da carruagem, estava na cara que o seminarista iria extrapolar o tempo. E eu não teria como sair sem passar colado no Big Boss e no Little Boss. Os dois, estrategicamente, estavam na porta da sala.
Esperei o máximo que pude. Mas às doze e vinte saltei fora, manos. Atravessei o corredor polonês da chefia, de olhos fechados, e zarpei para a escola. Fui mais rápido que o Piquet, nos bons tempos. Mesmo assim, faltavam apenas quinze minutos para uma da tarde quando aterrissei na escola alternativa.
Meus pimpolhos estavam à beira da histeria. O menino chorava porque queria ir para a casa de um amigo. A menina chorava porque queria que uma amiga fosse para casa. Uma confusão. Aí eu olhei para cima e lá estava ele, o Jâmis, no telhado.
_Esse Batman é seu? – ele perguntou para o meu filho.
E depois tudo pareceu estranhamente calmo, como se a ordem de prioridades do mundo tivesse se restabelecido. E nem era o Batman do meu filho.
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6 comentários:
Cara,
Já passei por isso.
Angústia pura!
Mas acho que os pais sofrem muito mais do que as crianças nessas situações...
Abraço,
Mwho.
engraçado, o meu batman sumiu.... vai ver era o meu la no telhado do james... estranho...
Lindo!!! você é amoroso mesmo... Mesmo disfarçando...
Bejins
Mwho, acho que elas só se esquecem do stress com mais facilidade.
Dani, com certeza era o seu, um Batman bacana, com sotaque de Montreal.
Maira, eu disfarço bem pacas, né?
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